0h01. A madrugada do meu último dia aqui na casa da minha
tia-mãe acaba de começar. Minha mãe vem hoje mesmo me buscar e amanhã, segunda,
eu tenho CAPS. Que saco. A vida recomeça e dentro de um pouquinho mais de uma
semana embarco para a Alemanha. Essa viagem tem me enchido de receios que,
espero, sejam infundados. Foi muito bom passar esses dias aqui. Foi muito boa a
noite de ontem, apesar do meu lado antissocial ter se sobressaído. Ainda travei
algumas interações aceitáveis ou passáveis. A noite está fria e chuvosa, uma
brisa que dá frio de tempos em tempos adentra o quarto. Esse quarto daria para
eu fazer uma prateleira massa para as minhas bonecas, duas, aliás, pois suas
maiores dimensões não têm janelas ou armários. E são quartos grandes. Pelo
menos eu acho.
0h27. Trouxe o isopor com gelo e mais uma garrafa de Coca
para o meu quarto. Só tenho sete cigarros, oito com o que vou acender agora.
Espero ter restado algum no estoque de titia. Não me furtarei de pegar um lá
caso esse acabe. Essa chuva que vai e vem não me agrada. Pode arruinar as
gravações de amanhã. Espero que chova tudo o que tem de chover durante a
madrugada. Meu sono já está passando. Não sei se isso é bom ou ruim. Não sei se
aguentarei atravessar a madrugada acordado. Não sei se minha prima caçula vai
dormir em casa hoje. Ainda está muito cedo para um sábado à noite para que as
coisas se definam. 0h36. Confesso que não estou muito inspirado a escrever. A
Gatinha fala comigo pelo WhatsApp, deve ser um dos finais de semana em que o
namorado dela não está na cidade. A solidão completa é muito tediosa. Eu não a
suportaria, como não a suportei. Preciso de gente, mesmo que nos arredores,
longe de mim. Preciso saber que não estou sozinho permanentemente num local.
Apenas temporariamente é mais do que suficiente. Se meu irmão não estiver
morando aqui quando mamãe partir, se ela for antes de mim, não vou querer ir
morar nos States, vou ver se minha tia-mãe, que já não é tão jovem ou meu
primo-irmão assumem a minha curatela. Já cogitei também na irmã de mamãe, mas
realmente me sinto bem e aclimatado na casa da minha tia-mãe. A verdade é que
não queria deixar as Ubaias. Queria viver lá até o final dos meus dias. Vou
descobrir se ainda tem cigarro. Ou peço a titia logo um. Que seria o mais certo
a se fazer. Mas incrivelmente tenho mais coragem de agir como um gatuno do que
pedir a ela. 0h57. Não dá mais tempo para cochilo nenhum, só depois que o meu
primo chegar. Acredito que ele deve estar aportando aqui entre 2h00 e 2h40. Não
posso colocar despertador, pois o barulho acordaria os meus tios. Logo, não
posso cochilar se quero mesmo combinar tudo com ele para amanhã. Espero muito
que amanhã não esteja chovendo. Pensando bem, esse meu foco em socialização,
esse dilema entre o prazeroso ostracismo e nem sempre prazeroso encontro com a
sociedade é uma questão que tem o seu lado bom, pois me ocupa a mente e desvia
a minha atenção do foco das minhas drogas de preferência. Esse prazer que
encontro em escrever, essa liberdade que eu tenho e que ao mesmo tempo é um
aprisionamento voluntário me preenchem o ser, exceto no âmbito do afeto que,
afora o impossível que é uma paixão platônica, encontra-se adormentado. Nem
pensei que “adormentado” existisse, espero que queira dizer algo entre adormecido
e dormente. Era o que eu queria dizer. E a Alemanha que está batendo à porta?
Espero que encontre a caixa. Seria massa. Espero que não encontre os vizinhos.
Seria ozzy. Espero que o Vaporfi não tenha quebrado com a queda que dei nele
devido a um furo no bolso da bermuda. Acho que ele começa a fazer mais fumaça.
Embora com a outra bateria não estivesse fazendo contato entre o atomizer e a
bateria. 1h13. Não demora muito agora para o meu primo chegar. Água e
computador não devem ser coisas que devem ser postas uma junto da outra,
tratarei de botar gelo no copo longe da máquina a partir de agora. Não estou a
fim de ouvir som. O silêncio me parece mais interessante, o barulho das teclas.
O fato de minha rotina estar se tornando um aprisionamento voluntário é algo
que vai ser questionado na terapia que supostamente ingressarei quando voltar
da viagem. O Vaporfi definitivamente está fazendo mais fumaça, ótimo. Se
pudesse dormia uma horinha, mas sei que não dormirei só uma horinha e meu primo,
me vendo desacordado, mesmo que deixe a luz acesa e a janela aberta, não me
despertará. Gostaria de pôr o som saindo das caixas do computador, mas isso
faria barulho demais, a noite está tão quieta, só ouço o barulho das teclas sendo
digitadas. Após a filmagem terei que arrumar tudo para estar pronto quando
mamãe vier me buscar. Espero que meu primo não arrume nenhuma transa para
trazer para arrematar aqui, o que melaria todos os meus planos. Veremos. 1h26.
Só tenho seis cigarros. Acho que titia já se recolheu, senão estaria ouvindo
barulhos de TV, panelas ou louças e, claro, os papos dela com a cadelinha. Meu
ombro não para de doer, mas pelo menos não está me incomodando muito. Taí uma
coisa que tenho medo, de ser impedido de escrever por algum motivo de saúde.
Vou fumar outro cigarro apostando que lá no estoque de titia tem mais. Eita,
preciso ler o negócio que meu amigo cineasta me mandou. Chuva novamente. Isso
não está me cheirando bem. Se bem que a câmera é à prova d’água. Mas colocar
meu primo na chuva para filmar é ozzy. Espero muito que mais tarde faça sol. Ou
que pelo menos não chova. Vou ver o Hulk.
4h09. Estava no Desabafos do Vate. Elogiaram o meu cabelo e
o meu físico aparentemente mais esbelto. Isso me fez muito bem. Este blog
parece mais claro, iluminado, que o Desabafos do Vate, que, por oposição parece
mais escuro, como um porão cheio de entulhos mesmo. Aqui parece que sou eu na
frente de holofotes, onde todo o mundo que tem internet e fala Português pode
me ver. É fato que poucos veem. Mas se alguém além de mim lê é o bastante,
compartilhar a minha vida com você. Estou com receio agora da terapia, espero
que passe, todo mundo está dizendo que vai ser ótimo para mim. Minha vida é
basicamente escrever isso. Quão mais limitador e alienante pode ser? Quão mais
livre posso ser também? Quão mais independente eu posso ser senão dando vida às
minhas ideias? Se quase ninguém lê não faz parte do meu trabalho. Meu trabalho
se encerra quando divulgo nos grupos. Aí é com o destino. Ou o acaso. Tanto
faz. Só não é comigo. O máximo que podia fazer, eu fiz. 4h21. Vou dormir. 4h23.
Abri a carteira de cigarros que peguei sem permissão do estoque. Meu primo é
uma pessoa muito legal e muito compreensiva. Minha dieta a partir de agora será
comer pouco. Se queria ter cem leitores? Queria. Mas não se pode ter tudo na
vida. Eu tenho quase tudo. Eu tenho a minha liberdade de expressão. Eu posso
exprimir o que eu quiser. Miscigenação cultural é algo sadio ao meu ver. É um
embate de culturas onde há uma troca, uma assimila particularidades da outra,
sem frescura, sem preconceito, isso da mulher branca usar o turbante que
teoricamente é uma coisa “negra” foi uma vitória da cultura negra sobre a
cultura branca, que em vez ser assimilada, assimilou um costume da outra
comunidade. Não assimilou o significado histórico que aquilo tem, mas já
assimilou seu uso, já está bom demais. A gente não assimila, negros e brancos,
a cultura especialmente dos Estados Unidos? Mas agora está mais global. Se me
incomoda ver as crianças todas querendo desenhar em estilo mangá japonês? Me
incomoda, mas é a vida. Eles têm muito mais acesso a mangá do que eu tinha, não
existia isso, então os meus heróis eram desenhados por americanos, um traço
completamente diferente. Vários traços, em verdade. Como os japoneses tem
vários traços, mas que me parecem mais semelhantes. Como deve ser para eles o
americano, embora tenha as minhas dúvidas. A diversidade americana é muito
maior, na minha opinião. Mas a gurizada quer mangá, que seja mangá então. Sou
um dinossauro. Hahahahaahha. Embora tenha várias bonecas em estilo de mangá e
animes japoneses! Que acho lindas. Todas elas escolhidas a dedo. As mais belas
entre as mais belas. De Evangelion, pelo menos que foi o que pesquisei mais
extensivamente entre kits e bonecos montados só me faltava a Asuka cheia que
nem um balão de festa, mas nunca mais achei depois que ela saiu de linha. Estou
feliz com o que tenho de bonecos de PVC, entretanto. Tenho até demais. Umas eu
penso em dar. Preciso dormir. O dia já desperta. E terei que acordar de meio
dia amanhã. Aliás, hoje. Vou lá.
13h56. A filmagem começou, estou fazendo o máximo para ficar
desatento à câmera. Meu primo vai fazer outro take. Eu não sei quando ele vai
começar. Espero que logo, enquanto eu ainda estou fumando um cigarro. Estou
ouvindo uma do Echo & The Bunnymen que nunca havia escutado. Embora me soe
familiar. A voz do vocalista não é mais a mesma. Eu não... ele está vindo, está
fazendo o círculo ao meu redor, está fazendo takes que são impossíveis com uma
câmera normal. Isso é bom.
14h21. Ele fez duas tomadas. Seria bom que o marido da minha
prima viesse, para podermos fazer uma terceira tomada. Agora com outro
cameraman, co-diretor. Acho que ele captaria mais os tempos que eu pediria para
ele tomar filmando cada cena. E acho que talvez ele seja melhor em
enquadramento. Mas os do meu primo-irmão já valeram demais.
Na casa da minha tia, eu experimento uma liberdade que não
possuo na casa de mamãe. Sou muito bem acolhido aqui. Além do carinho, meus horários
loucos são respeitados, meu isolamento não é questionado ou o meu consumo de
Coca e ainda posso fumar dentro da casa, dentro do quarto. Não é à toa que me
sinto tão bem aqui. Estas férias da rotina lá de casa e do CAPS foram muito
boas para o meu juízo. Produzi bastante, saí para uma noitada como há muito não
experimentava e ainda teve a festa do meu tio, na qual fui gradativamente me
aclimatando à medida que mais pessoas foram indo e menos pessoas ficando. Não
sei que horas minha mãe vai vir me buscar, mas imagino que à noitinha. Estou
ainda com sono, dormiria mais, mas ficarei acordado para dormir cedo em casa e
poder ir ao CAPS amanhã com o mínimo de disposição. Voltar à velha rotina por
alguns dias, pouquinho mais de uma semana, e embarcar para a Alemanha onde as
restrições à minha liberdade serão ainda mais severas. Fiquei impressionado assistindo
a filmagem em como digito devagar em comparação às outras pessoas que conheço,
mas é a vida, se assim já produzo muito e me sinto confortável digitando nessa
velocidade, que seja. Não faria um curso de digitação. Aliás, não faria curso
de nada. Já fiz a minha dose de cursos nessa vida. Agora quero gozá-la. À minha
maneira. Que pode se transformar, mas cuja transformação não consigo divisar
tão bem estou na atual conjuntura que criei para mim. O único detalhe é esta
viagem que é em si uma transformação da conjuntura e, por essa razão, me gera
receio e desconforto. A vinda para casa da minha tia, ao contrário, em vez de
uma mudança, foi um acréscimo à minha zona de conforto. Uma prazerosa soma às
qualidades que prezo em minha vida, de liberdade de ser mais plenamente do
jeito que gosto ser, ter a rotina que gosto de ter e gostaria de ter lá em
casa, mas que se faz inviável por causa das demandas da minha mãe em relação a
mim. É verdade que estou com saudades da minha caminha e do meu quarto-ilha,
olhar para o Daredevil, mas confesso que não muita. Aqui, apesar de passar a
maior parte do dia dormindo, eu ainda tenho o bônus de viver em família, uma
sensação que me escapa em minha própria casa simplesmente porque me sinto mais
aceito aqui do que lá e porque aqui há uma família de fato – pai, mãe, filhos –
e eu como sobrinho. Mas acho que o principal diferencial é o respeito às
individualidades de cada um. Às particularidades de cada um. É um ambiente mais
tolerante e liberal de forma geral, dentro de certos limites, é claro. Eita,
vou revisar e postar o texto anterior.
16h29. Texto postado e divulgado. Duas xícaras de café me
fizeram bem. Acho que partirei para uma terceira, pois ainda estou com sono.
16h33. Nova xícara de café posta. Cigarro aceso. Último
cigarro que eu fumo antes de mamãe chegar. Não quero estar fedendo a cigarro
quando ela chegar. Quando acabar o cigarro e o café, vou começar a arrumar as coisas.
Acabei o cigarro e o café, vou dar meia-hora antes de começar a arrumar as
coisas. Deixarei por último, obviamente, o computador. Este quero usar até o
último momento. A farra de cigarros, como a minha tia chamou após saber dos
meus restritíssimos hábitos tabagistas lá em casa, acabou. A partir de agora,
só Vaporfi.
16h46. Guardei uma parte. Não há muito o que guardar, na
verdade. Quando acabar “I Remember You” do Skid Row, vou colocar Björk.
“Homogenic”. Não posso esquecer de nada, pois tudo o que trouxe, à parte as
roupas, são partes essenciais do meu quarto-ilha itinerante. E, por
conseguinte, do meu quarto-ilha de fato. Optei pelo “Vulnicura”. Deixei o meu
computador ligado todo o tempo que permaneci aqui. Molhei inúmeras vezes o
teclado. Em suma, tratei mal o bichinho. Meu companheiro mais inseparável e
fundamental e eu o tratando assim... não foi intencional molhá-lo, mas deixar
ligado foi uma escolha consciente. Mesmo sem refrigeração adequada aqui. Embora
acredite que ele entre num modo mais ocioso quando a tela se apaga depois do
tempo predeterminado por mim, que não sei se foi de 15 ou 30 minutos. Quando
chegar em casa, o foco vai ser todo a viagem para a Alemanha. Minha mãe vai
estar pilhada. Acho que divulgar na minha página principal gera mais
visualizações. O que postei hoje já está com 11 visualizações, enquanto o
anterior parou em 16 visualizações e ficou. E o deixei lá por bons quatro dias,
eu creio. 17h07. A noite já vai abrindo espaço no coração da tarde, ainda mais
com o tempo nublado como está, a luz diminui bastante no quarto. E por toda a
casa. Estou sem inspiração para escrever agora. O que eu trago de mais forte em
meu ser? A preocupação de voltar ao estresse de casa, somado ao estresse da
viagem. Vou precisar me acostumar com o fuso-horário alemão, cinco horas mais
cedo que aqui. Vou precisar me acostumar com tanta coisa. Eu acho que estou
ficando gagá. Não lembro mais como se fecham as persianas e as portas da casa
da minha irmã. Terei que ajudar jogando o lixo fora. Provavelmente encontrarei
com os vizinhos e eles me chamarão para um encontro na casa deles.
Provavelmente terei que ir à Áustria para visitar a casa dos sogros da minha
irmã. Inevitavelmente vou fazer um monte de coisas que não quero fazer. Tudo
isso me gera um desconforto interno grande, vai ser um grande reboliço no meu
modo de ser... minha mãe ligou, é hora de me arrumar para partir.
19h30. Já estou no meu quarto-ilha com tudo conectado menos
a internet. Acho que meu padrasto precisa ligar o modem. Minha mãe veio me
perguntar se alguma coisa aconteceu durante o período na casa de titia. A que
ela estava se referindo não sei, mas me pareceu algo relacionado a drogas. Eu,
hein, Rosa? Estou com sono. Quero ir no banheiro e fumar um cigarro de verdade,
mas só farei ambas as coisas quando o outros dois da casa forem dormir. Isso se
eu não dormir primeiro. Estou sem saco para escrever. Estou sem saco de fazer
nada, queria dormir, mas acho essencial ir ao banheiro e tomar um banho antes.
20h41. Banho tomado, dentes escovados e cigarro fumado.
Estou pronto para dormir, porém agora perdi mais o sono. Bem, nem tanto. Tenho
vontade de escrever no meu projeto paralelo, mas não o farei. É preciso
parcimônia. Esta é a palavra precisa. Senão se torna mais um Jornal do Profeta
ou Desabafos do Vate. E definitivamente esse não é o formato que eu quero. Por
mais que a vontade seja de fazer tudo como eu sigo fazendo nesses dois espaços.
O foco, agora que estou em casa vai ser digitar o diário do Manicômio. Se bem
que só tenho basicamente uma semana para fazer isso, pois viajarei na terça da
próxima semana. Nem vale a pena. Fico pensando se minha tia não está entrando
no álcool mais pesadamente por influência do seu namorado. Isso me preocupa.
Mas ela é adulta, eu não sou, só de corpo, pode ser que ela já bebesse assim e
eu não sabia. Queria ter internet para ver o Hulk e ver se o entrevistado do
blog de bonecos mandou a entrevista respondida. Acho que vou dormir. Sem
inspiração, disposição, cabeça para escrever. Amanhã será um novo dia.
21h20. A internet voltou.
22h00. Já vi o Hulk, passeei pelo maravilhoso mundo dos
bonecos e estou aqui de volta para me despedir, pois vou para cama agora.
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