7h28. Ainda não dormi. Meu primo concordou em fazer a tomada
que eu instruirei a ele como filmar. Chega de meio-dia hoje. Vai dar para pegar
a luz muito boa. Bolei toda a tomada de madrugada, nos mínimos detalhes. E o
bom é que vou ter o meu autismo auditivo para não me concentrar na câmera.
8h24. Regravei a tomada que fiz de madrugada. Acho que ficou
melhor e já eliminou uma coisa que estava atrapalhando a sequência da próxima
tomada que era mostrar a parte de trás da casa. Já fiz isso agora. A única
parte que me preocupo, mas eu dei um jeito, é que a GoPro não é mais
reconhecida pelo computador quando ligada pelo USB. Não me pergunte por quê.
Simplesmente parou de identificar. Talvez se reiniciar a máquina volte a
funcionar. De todo modo tirei o cartão de memória da máquina e enfiei no
computador, alcançando o mesmo resultado. Espero poder levar o meu computador
para a Alemanha.
8h47. Estou que não me aguento de sono. Vou acabar esse
cigarro e vou dormir. Depois de passar tanto tempo no Desabafos do Vate e no
meu projeto paralelo, eu me sinto meio engessado aqui no Profeta, como se
faltasse a privacidade que nos demais encontro. Bom, que seja. É aqui que vou
escrever hoje. Por sinal, hoje é o dia do Chá de Fraldas da nossa amiga. Minha
tia separou fotos de mim e meu primo-irmão quando bebês para uma brincadeira
que vão fazer lá. Também comprou as fraldas e mais Coca Zero para mim. Amanhã
será a celebração do aniversário de titio aqui. Bem, vou dormir. Até a hora da
filmagem.
16h52. Acordei muito tarde, 16h00. Pensei que a luz iria
estar boa a esse horário, mas me enganei. Tem que ser filmado amanhã cedo.
17h13. Acho que vou dormir mais um pouco, então. Até as
19h00. Não estou aguentando nem olhar para o computador, acho que estou
saturado de tanto escrever. Esta festa vem em boa hora para eu dar uma
desanuviada.
20h09. Já estou pronto para o Chá de Fraldas da minha amiga,
aliás, da nossa amiga, mais amiga inclusive do meu primo-irmão do que minha.
20h17. Limpei meus óculos e a minha visualização da tela
melhorou muito, mas ainda estou vendo meio borrado, deve ser a tal da vista
cansada que chega aos 40. Parece que falei tudo o que tinha para falar no
Desabafos do Vate e no meu projeto paralelo, que ganhou toda uma nova dimensão.
Não sei se tomei a direção correta, mas me foi a mais intuitiva.
-x-x-x-x-
5h33. Cheguei do chá de fraldas. Fui para o Recife Antigo, depois
para o Empório Sertanejo e cá estou. Fomos parados numa blitz da Lei Seca,
minha amiga foi convidada a fazer o teste do bafômetro. Presenciamos a briga
entre um mendigo e um adolescente de rua que culminou com o dono de um dos
bares da Rua da Moeda atingindo com aqueles dispositivos de dar eletrochoque o
adolescente e botando-o para correr. A vida nas ruas do centro da cidade pode
ser violenta para os seus habitantes. Um tanto menos para os frequentadores,
embora a interação com seus moradores seja praticamente inevitável, geralmente
na forma de pedidos de auxílio financeiro. Não sei por que meu Vaporfi não está
funcionando. No Empório Sertanejo interagi muito pouco, preferi escrever coisas
para o Desabafo do Vate. Sabia que eram para lá, por mais que o principal conte
aqui. Agora é esperar pela festa de titio. Preciso dormir dentro em breve. Só
tenho dois cigarros e um na boca prestes a ser acendido. Conversamos sobre
feminismo e apoderação cultural. As negras não quererem que as bancas usem
turbante é simplesmente ridículo. É a completa ignorância de que elas mesmas devem ter ancestralidade branca, que certamente terão, visto que somos um país
altamente miscigenado. Afora isso, o quanto os negros não se apoderam da
cultura branca? Acendi o cigarro. 5h52. É um extremo prazer fumar um cigarro de
verdade, mesmo sabendo o mal que estou fazendo a mim mesmo. Deixo isso
registrado aqui, mais porque um dos grupos em que publico o blog é contra o
incentivo de drogas. Mas é um bom lembrete, até para mim. Acredito, porém, na
evolução da Medicina. Confessei a uma colega que não sei a novas normas
ortográficas brasileiras, ela perguntou e “quem sabe?” Não sei nem as antigas e
faço um samba do crioulo doido aqui. Uma mistureba completa, cheia de erros de
pontuação. Dane-se. Não quero aprender mais Português. Quero dizer com o pouco
que tenho e sei. Me basta para me fazer contente com a vida e é isso que importa.
Notei vários silêncios, hiatos de comunicação na festa e percebi quanto algumas
interações são forçadas e superficiais. O álcool, eu percebi, leva as pessoas a
se aprofundarem mais e se tornarem mais fluentes. Mas, percebi, pessoas que não
estão bebendo tem esses hiatos silenciosos. Ninguém soube o que dizer ou trazer
aos demais por alguns momentos. Não fui só eu que permaneci calado, mas
contribuí com o silêncio. Uma garotinha, bem bonitinha por sinal, veio muito
alegremente me abraçar, como se eu fosse alguém especial para ela na festa.
Confesso que não entendi. Mas me senti acarinhado. Não vejo uma cena espontânea
dessas acontecendo com os meus sobrinhos alemães, a não ser que previamente
instruídos pela mãe. Acendi o penúltimo cigarro. 6h12. É muito prazeroso. Se o
meu Vaporfi estivesse funcionado. Troquei de bateria e ele começou a funcionar
mal e porcamente, ardendo muito a garganta e produzindo pouquíssima fumaça.
Droga. Mas estava pensando em outra coisa. E se houvesse, globalmente, um
movimento de feministas que raspassem o cabelo como forma de contestação e
protesto? E a moda realmente pegasse porque há uma forte ideologia atrelada a
ela, de igualdade de direitos entre homens e mulheres? Novamente temo pelo
extremismo e as mulheres se tornarem durante essa fase de feminismo exacerbado
anti-homens. Seria o ó. Será que Aurora rasparia o cabelo? Estou zumbi. Com
sono e ao mesmo tempo com vontade de escrever. Debateram se um documentário
apresentava fatos reais ou se poderia ser um documentário ficcional também.
Minha opinião é que um documentário produzido com imagens reais captura fatos,
a forma de narrar esses fatos é que é subjetiva e tendenciosa, pois todos nós
somos subjetivos e temos alguma tendência, alguma intenção, especialmente um
cara que produz um documentário. Ele quer demonstrar sua visão dos fatos, então
desde as imagens escolhidas, passando pela edição e narração, tudo é feito para
passar tal ideia do autor ou diretor do documentário. Mas estava escrevendo e
não quis opinar sobre o assunto na hora, deixo a minha opinião aqui. Bom, tenho
assunto para a festa amanhã, o episódio da briga e a posterior ação coerciva do
dono do bar, que mostra um cidadão que se sente desprotegido pelo sistema de
defesa do Estado e resolve tomar a justiça ou pelo menos o poder de polícia em
suas mãos. O garoto que levou os choques, veio choramingando que sempre o
culpado era ele e que o mendigo é que havia começado a agredi-lo. Como um
rejeito social destes não vai se rebelar depois contra a sociedade que lhe
oprime, agride e dá eletrochoques? A probabilidade é grande, pois todo o
ambiente social do qual é rechaçado o estimula a isso, vai depender do seu
gênio e da sua inteligência. E não, não vi quem começou a briga. Sei que o
mendigo veio ter conosco depois, mas não entendi a sua história e sua versão da
briga. Estava escrevendo e ele tinha um encadeamento de ideias confuso, além
disso o barulho atrapalhou. A única coisa que eu entendi é que ele intentava
matar o garoto. E disse que já havia matado antes. Acho que vou fumar o meu
último cigarro pra ir dormir. O choque social foi grande, a decadência pairava
no ar do Recife Antigo. Guardo minhas palavras para depois da festa amanhã.
Acendi o último cigarro, nossa, muito bom. Vou ver o Hulk antes de dormir.
7h04. Vi o Hulk e apesar do problemão que vai me dar, sou
encantado por ele. Tomara que façam os olhos perfeitos. Os olhos numa estátua
de um busto em tamanho real são essenciais para da personalidade e tudo o mais.
Os olhos são os pontos focais de quem olha a figura, depois vêm os detalhes.
16h29. Acordei supertarde para o aniversário de titio.
Socializei um pouco. Vai ser difícil me acostumar a fumar o Vaporfi novamente
depois de desfrutar por tanto tempo – essa semana – do prazer que é cigarro de
verdade. Mas percebo que cigarro normal é mais agressivo à minha respiração.
Voltei ao meu quarto fechado. Pensei que a interação com a família seria mais
fácil, mas se afigura igualmente árdua. Mas voltarei lá para interagir. Algumas
vezes ainda. E, sempre que me sentir acuado, alienígena, deslocado, desse jeito
estranho que me sinto quando estou no meio de pessoas, volto para cá. 16h41.
Vou voltar lá.
16h51. Voltei, interagi muito pouco e retornei ao quarto.
Isso muito me desagrada, esse sentimento de deslocamento dentro da minha
própria família. Penso até em fazer uso de álcool, como medida extrema para me
socializar, mas não farei isso. Não sei quais seriam as consequências e as que
diviso não são nada positivas. Estou ainda despertando. Mas dormi bem. Penso no
Hulk agora, vendo o que escrevi anteriormente e penso em desistir dele. Mas sei
que se fizer isso, nunca vou me perdoar. Enquanto isso a festa rola. E eu sem a
mínima disposição de encará-la. É algo tão ou mais forte que eu. Então põe-se
este dilema na minha frente: ficar onde realmente estou confortável ou
interagir forçosamente e de forma para lá de rudimentar com os meus familiares?
Decidi. A cada vez que for pegar Coca, vejo quando tempo permaneço submerso no
evento social até vir em busca do ar dessas palavras.
17h25. Conversei com o meu tio francês e católico radical
sobre Trump e ele desembocou nos sionistas e maçons governando o mundo e sobre
o último aviso de Deus que virá em por volta de 2025, segundo ele. Nem me
arrisquei a entrar nas expectativas de Ray Kurzweil do surgimento da
Singularidade Tecnológica por volta de 2047. Ele diria que seria coisa dos
sionistas, não adiantaria eu dizer que seria uma inteligência independente, um
ser tecnológico que ele diria que foi programado pelos seguidores do demo.
Mesmo se eu dissesse que ele próprio reescreveria o seu código evoluindo a si
mesmo, ele diria que é coisa do demônio. Por todas essas razões ou falta de
razão, eu não entrei nesse mérito. Talvez se eu estivesse bêbado, eu entrasse
nesse embate ideológico o que não traria benefício nenhum. Pois ele continuaria
com a sua visão, muito arraigada, e eu com a minha. Estou sem internet. Acho
que seria necessário reiniciar o modem. Acredito que à medida que ficarem menos
pessoas, eu comece a ficar mais à vontade na festa.
18h25. Passei até um tempo maior e interagi melhor com a
galera. Mas nada como estar aqui. Acho que uma tia minha está meio encasquetada
comigo. Ela olha para mim e não dirige a palavra. Meu primo disse ontem que
quem trabalha em casa, fica mais avesso a interações sociais com muitas
pessoas. Ou assim entendi. Vou até perguntar a ele de novo sobre isso. Não, eu
não preciso de um cigarro agora. Não tem para que fumar. Vou segurar mais um
pouquinho. Não estou com vontade de verdade, me sinto ainda saciado. Coloquei o
iPod, pois o meu computador está sem internet, não posso ouvir Spotify. A
bateria do iPod está quase no fim. É incrível como o meu primo é sociável e
cheio de assunto. Ele consegue opinar sobre virtualmente qualquer tema. Tenho
inveja dessa desenvoltura social. Talvez eu devesse chegar quando for pegar o
próximo copo de Coca já dando um beijo na cabeça da minha tia que está amuada
comigo, para ver se quebro o gelo. Preciso me preparar para o gesto. Não me vem
assim fácil nem gratuito anymore. O
que é uma pena. Mas é o caminho que escolhi trilhar. Que bom, está tocando umas
músicas massa do The Cure no iPod. Será que minha tia está assim comigo porque
lê o meu blog e faz um juízo de valor da minha pessoa a partir do que reparto
aqui? Ela disse que lia o meu blog. Não sei se mantém o hábito, principalmente
depois dos posts se tornarem tão longos. Fico espantado que pessoas ainda leiam
quando divulgo nos grupos, acho que raras chegam até o final. Caso o sintoma
antissocial de se trabalhar em casa, sugerido por meu primo, seja um fato, será
um dos problemas do século XXI. Um outro colega ontem, disse estar sofrendo dos
mesmos sintomas, só que eu ainda estou num grau mais elevado. Antes eu ainda
sentia vontade de sentar numa mesa de bar para conversar, hoje nem isso. Ele
ainda está no estágio da mesa de bar ser uma comunhão agradável, desprezando
apenas eventos que tem muito barulho e multidão e que não permitem uma
interação social mais profunda. Me perdi na música que estou ouvindo, agora
dentre as que tenho salvas no meu computador, pois o iPod descarregou e
continuo sem internet. Acho que vou lá pegar Coca. Mas a relutância em executar
o gesto de afeto na minha tia me acossa a ficar aqui. Realmente há algo de
muito errado comigo, por mais que me sinta confortável e feliz aqui com as
minhas palavras. Vou lá encarar a festa um pouco. Não garanto dar um beijo na
cabeça da minha tia. Vou lá.
20h21. Interagi bem agora, estou contente comigo mesmo. Dei
um beijo na minha tia e “fizemos as pazes”. É tão interessante essa expressão,
nunca tinha atentado para ela, o plural de paz faz todo o sentido, significa
que nenhum dos lados estava em paz na situação, o que é o caso em todas as
vezes em que a expressão é usada. Sejam nações, sejam pessoas. Soube que minha
prima maluquete, a segunda mais doida depois de mim, eu creio, escreveu um
livro. Centrado na internação, que também passou, fiquei sabendo, e traçando
arcos com toda a sua vida. Como ela é menos pudica do que eu, não deve ter tido
reservas. Se bem que nos diários das internações também não guardei segredos.
Mas sei que guardo pudores, há coisas que não reparto aqui, por me parecer mais
prudente e para essas tenho o meu blog secreto, que espero, quando ficar velho
e não tiver mais vergonha de mim, pôr a público. Mas escrevo lá tão
desleixadamente, ainda mais que aqui. A seleção do iTunes está bem legal. A voz
de Renato Russo me é tão familiar, me acompanha desde os 12 anos de idade, eu
acho, e é uma parte indelével de quem eu sou. Ele e sua melancolia depressiva e
neurótica no mais das vezes me geram profunda identificação. Ainda. Apesar de
gostar da vida, acho que continuo tão neurótico quanto antes e a melancolia,
musical ao menos, ainda me atrai. Acho que músicas melancólicas me calam mais
profundas à alma. Vou passar à Coca quente dentro em breve. Que pena. Vou
voltar lá. Porque quero perguntar algo à minha tia jornalista, a utilização de
numerais. Não deu, estão todos assistindo os DVDs de titio na sala.
Interessante. Me apercebi de uma coisa agora que não posso descortinar aqui.
Pois é, pudores. Prudência. Mas tem a ver com a visão. João Gilberto é
extremamente único e econômico em sua interpretação. Entendo toda a adoração de
Caetano por ele. Uma tia, sem se aperceber, deixou transparecer uma coisa que
não gosta muito no seu par, num comentário bem-humorado e levemente crítico.
Crítico para os bons entendedores. Mas essa é uma família muito acolhedora e
sem preconceito. Obviamente há as fofocas, especialmente entre as mulheres, me
perdoem as feministas, mas acho que as mulheres são mais “reparadoras” em
pessoas e gostam de repartir suas percepções sobre as ditas pessoas entre si.
Talvez os homens façam a mesma coisa, mas vejo uma incidência menor pelo menos
na minha família paterna. Também só há um representante masculino da família
aqui em se tratando dos tios e tias. O outro vive na ponte Macau-Natal. Não sei
porque tenho essa preconcepção de que as mulheres tendem a fofocar mais. Não
sei se é um reflexo da realidade, ou uma percepção pessoal. Sei que
comportamentos sociais diferentes dos dos homens não diminui as mulheres,
afinal são dois bichos distintos, um é macho e outro é fêmea, é de se esperar
que tenham comportamentos diferentes. Muito do que se alcança na vida vem de
saber se vender bem. Fazer um bom marketing social. Nunca fui bom nisso. E me
torno cada vez mais precário nesse sentido. É como se a aceitação social fosse
perdendo a sua importância e, tomando seu lugar, vem a necessidade de fazer
respeitadas as minhas escolhas e decisões de vida. O grande problema é a
pressão social de quem ainda acredita que eu possa me adequar a um sistema
outro, mais abrangente que o meu próprio. Minha prima fez o seu marketing
pessoal melhor do que eu e seus pais devem ter financiado a publicação do livro.
O meu, por outro lado, não quero que minha mãe leia, o que dificulta muito as
coisas. O que ajuda é que eu tenho a pensão, mas não sei se realmente quero
publicar o que escrevi nas internações. Quero acabar de digitar, isso tenho
muito claro na minha cabeça. Ainda iria um passo além e mandaria revisar, ter o
texto pronto para ser publicado. Aí me daria por satisfeito, eu acho. Pelo
menos isso me traria uma grande satisfação. Vamos ver. Penso na minha droga de
preferência e na recaída que tive no Manicômio. Como todos ficaram abismados
com a minha reação durante o uso. É minha droga de preferência, mas, hoje,
agora, não faz o menor sentindo para mim. É algo absolutamente tóxico e que me
traz consequências nefastas. O Manicômio não é para qualquer um. Certamente não
é para o eu que sou no momento. Ainda acho que foi o Tio que nos dedurou. Bem,
é a vida. A vida que que eu escolhi e que me escolheu. A vida tem uma parcela
de culpa aí porque ela ou minha compleição psicológica me levou a me apaixonar
pela cola. E foi uma história de amor que começou maravilhosa, mas que foi se
tornando cada vez mais conturbada, complicada e custosa para mim. O crack nem
se fala, é devastadora para qualquer um, acho que não há quem use que não fique
na fissura de dar mais um tiro. É terrível. Ainda bem que não me apaixonei por
ele. Senão a minha situação seria muito pior. Mas é a minha segunda droga de
preferência. Odeio a noite de Boa Viagem hoje em dia, pois era onde e quando eu
fazia o meu uso de crack. Quando inevitavelmente vou lá, eu fico alerta
procurando pela janela do carro ou da varanda dos apartamentos, se estes derem
vista para as avenidas principais, por possíveis pontos de compra. É uma reação
condicionada que busco combater, mas que sempre me tenta. A última vez comprei foi
com uma prostituta que me passou a perna. Mas não há por que lembrar dessas
partes da minha vida. Elas podem me gerar fissuras desnecessárias. Totalmente
inconvenientes e altamente perigosas. Então, Xô. 21h45. Vou pegar gelo e dar
uma desabafada no meu blog secreto. Nada temam, não tem a ver com as minhas
drogas de preferência é um assunto outro.
22h21. Falei com o meu primo sobre a filmagem amanhã. Ele
concordou. Só não sei se durma ou passe a madrugada em claro. Acho que passarei
a noite em claro e não dormirei. É até mais realista e condizente com o meu
modus operandi na casa da minha querida e amada tia. Estão todos os
sobreviventes da festa vendo DVDs na sala. Estou ouvindo Infected Mushroom pela
primeira vez pelo fone de ouvido, é menos impressionante que no som. Me deu
vontade de tirar um cochilo para aguentar a noitada. Mas se dormir e meu primo
chegar e me pegar dormindo não vai ser legal, tenho que ter uma conversa com
ele hoje. Para acertarmos os detalhes da filmagem. Hoje, que daqui a pouco vai
ser amanhã. Preciso saber se ele vai viajar ou não amanhã cedo para combinarmos
o horário da filmagem, aí decido se durmo ou não. Acredito que ele, se planeja
viajar mesmo, deve voltar por volta da meia-noite. Duas da manhã no máximo. Foi
a hora que voltou da outra festa quando tinha que viajar no outro dia. Se fosse
repetir a hora, eu poderia tirar um cochilo de três horas. Mas acho que vou
ficar acordado mesmo. Estou escutando a conversa dos bêbados ali na sala. Isso
me desconcentra profundamente ao mesmo passo que me diverte. O mais falante é
justamente o par da minha tia que mencionei anteriormente. Meu tio vai estar
puto com o cidadão amanhã, eu acho. Estão discutindo a natureza da puta, da
profissão da prostituta. Bêbados começam a discutir. O álcool está deprimindo
os neurônios da galera legal. Mencionaram agora atrizes e pelo caminho de
associações do meu cérebro cheguei até Aurora. E meu medo. Meus medos todos
afloraram agora. O último foi o medo da solidão, que ironicamente é o que busco
e alcanço na maioria do tempo. E quando me sinto bem, só, mas sabendo que há
alguém coabitando comigo. Mas pensar que passarei até o final dos meus dias
nessa solidão me assusta, me incomoda bastante o prospecto de não viver nunca
mais um grande amor concretamente. Sei que já tive o meu quinhão de amor na
vida que muitos passam a vida inteira sem ter, mas algo em mim acha que não foi
ou é suficiente. O problema, o meu impedimento é que sou muito seletivo
esteticamente. Além de ser romântico e tímido e certamente não ser lindo. No entanto...
23h45. Todos os convidados foram embora e o aniversariante
ronca. Titia tenta ligar a TV da sala. Eu certamente não vou aguentar passar a
noite acordado, meu primo vai ter que me acordar amanhã quando da hora propícia
para me filmar.
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