Recife, 24 de janeiro de 2017
Vendo a letra de “Present Tense” do Radiohead, me deu
vontade de escrever. Ao que tudo indica serei readmitido no CAPS amanhã. Ou
seja, vou voltar a acordar cedo. E, para piorar as coisas, meu Wii U não
chegou. Então não aproveitei a folga que me deram para jogar, folga esta que
foi mais rápida que na readmissão anterior. Estava gostando das férias de
responsabilidades terapêuticas, de acordar de uma ou duas da tarde. De ir
dormir as duas e meia da manhã. De seguir o meu relógio biológico que vai agora
sofrer uma puta mudança de fuso-horário. Pediram para mamãe ir lá. Vou ver se
consigo que ela já agende uma psicóloga ou psicólogo para ela amanhã. Seria o
bicho. Muito legal mesmo se ela saísse de lá com uma consulta já marcada para
abril, que eu acho que é quando todo o processo de quimioterapia vai ter
terminado. Mandei uma reclamação para os Correios sobre o Wii U e a atendente
disse que mandou mais uma notificação de urgência para o meu caso, creio que
para o CEE daqui, que é onde creio que a encomenda esteja, segundo os registros
dos próprios Correios. Quem me dera chegasse essa semana. Não queria passar
outra semana de expectativas e frustações. É muito chato. Todo dia eu acho que
é o dia e chega o final da tarde e é outra decepção. Amanhã, esse mesmo
renascer e morrer da expectativa vai acontecer. E fico já preocupado de os
caras do CEE ficarem putos com a cobrança e tratarem com brutalidade uma
encomenda tão frágil e o Wii U chegar quebrado. Tomara que não. Mas existe
desse tipo de pessoa no mundo, muitas delas no funcionalismo público. Por mais
que essa febre de concursos esteja fazendo com que pessoas mais capacitadas e
mais comprometidas, mais esclarecidas, ocupem as vagas. Não sei se isso é regra
ou exceção, mas percebo os funcionários mais dispostos a ajudar que tempos
atrás.
19h29. Fui pegar Coca e perdi o fio da meada. De toda sorte
disse o que tinha de dizer sobre o funcionalismo público. Vide as operações
como a Lava-Jato. Elas são a prova cabal de que algo mudou nos quadros do
funcionalismo público. Para melhor. Muito melhor.
Peguei o novo celular e WhatsApp de Nina. Ela me passou pelo
Facebook. É bem capaz de voltar a falar comigo como antes. Mas geralmente ela
só falava quando estava na pior. Eu era o ombro amigo e conselheiro fiel. Não o
melhor dos papéis a desempenhar, principalmente em relação a alguém que você
deseja eroticamente falando, mas é o papel que me cabe nesta encarnação. Por
falar nela, vou ver se assisto hoje “The Girl On The Train”, filme baseado no
livro que ela estava lendo. 19h36. Pronto, já coloquei legenda e estou passando
para o HD externo. Preciso assistir logo, pois mamãe vai me pressionar para eu
dormir cedo hoje por causa do CAPS amanhã. Saco. Tenho que pensar positivo. É
mais uma oportunidade de socialização. Aliás, vai ser a principal fonte de
socialização da minha vida a partir de agora. E o melhor: ao contrário da outra
fonte de socialização que tinha – o trabalho – não me será um grande fator de
estresse. A não ser durante o período de readaptação. Espero que me deixem
utilizar o serviço com sempre o fiz nos últimos anos, qual seja, participando
dos grupos AD e utilizando o resto do tempo para conversar com as psicólogas de
plantão. Geralmente as estagiárias, pois estas me deixam mais à vontade, não
sinto a intimidação do papel de psicóloga pesando sobre elas e de alguma forma
bloqueando o meu discurso ou me fazendo pensar antes de falar como se dá com as
psicólogas de fato da casa. O filme já foi copiado faz tempo, então escreverei
até dar 20h. São 19h44. Talvez até 20h30, se conteúdo me vier. Mas sempre vem.
Hoje foi o dia da pressão sobre o Wii U. Primeiro falei com Luiz da Brasil
Games pelo WhatsApp que ficou de me dar retorno e não retornou nada e depois
com os Correios. Vamos ver no que é que dá. Seria um dia deveras diferente
amanhã com CAPS e Wii U na minha vida. Uma pequena revolução cotidiana. Bom,
tudo é possível. Inclusive extravio de mercadoria. Mas não pensemos no pior.
Amanhã vou pegar sol na minha caminhada ouvindo músicas pelo meu iPod, como
faço quando vou ou volto do CAPS. Todos estão reclamando da violência e a
possibilidade de assalto existe, mas não vou me negar este salutar prazer.
Tenho mais medo que me roubem o celular, pois nele há os aplicativos do eBay,
do PayPal, da Amazon, do cartão de crédito de mamãe e do Bardesco. Dá vontade
de nem levar. Mas mamãe não vai gostar muito dessa opção. É o risco. É uma
roleta andar pelas ruas. Um dia dá o meu número e eu sou assaltado. A cada dia
que se passa, a chance de ser eu a vítima aumenta. Mas que posso fazer? Viver
temendo, andando assustado pelas ruas? Espero que não. Pelo menos não costumava
ser assim. Mas faz tanto tempo que não saio que, de repente minha neurose tenha
aumentado. Veremos amanhã. Hoje veremos “The Girl On The Train” em cartaz no
quarto com mais bonecos de todo o Recife, aposto. Se bem que tinha um namorado
de uma menina do CAPS que tinha um bocado de bonecos também. Não devo ser o
único, então, retiro a minha aposta. Mas certamente eu sou um dos que tem mais
bonecos. Pode ser que haja alguém que tenha mais bonecos de ¼ que eu, mas se
contar todas as pequenas que tenho, dá um mói. De games e DVDs eu devo estar no
top 500 do Recife. Somando uma coisa e outra, digo. Bom. Isso é uma comparação
besta danada. Não há nada de bonito em ser um acumulador. E já são 20h03. Vou
assistir o filme. Depois, se mamãe não encrencar, volto aqui. Senão, só amanhã
depois do CAPS. Se meu Wii U não chegar! Hahahahahaha. ß Riso tenso.
Recife, 25 de janeiro de 2017.
Apareceu no tracking do Wii U duas mensagens muito escrotas
datando de ontem: a primeira, emitida às 10h39 diz “Saiu para entrega ao
destinatário”; a segunda, às 11h46 diz “Cancelada a última informação”. Parece
piada. E nada de Wii U até agora. Quando voltava do CAPS, vi a van do SEDEX
para no prédio anterior ao nosso. Mas isso já faz uma hora. Pedi para que o
porteiro me avisasse caso chegasse alguma caixa para mim e até agora nada,
logo, não entregaram a porra do meu console hoje. Como eu disse, cada dia útil
que nasce, é um dia de esperança renovada e decepção cada vez maior. Gostei do
filme “The Girl On The Train”, mistério com drama com direito a abusos de todas
as formas. Sugeri a mamãe, mas talvez seja um filme pesado demais para ela,
embora nem seja tão pesado assim. Não há cenas chocantes, mas há sugestões
fortes no filme. Acima da média. Achei melhor, bem melhor que Jack Reacher
Never Go Back. Deve ser um filme especialmente tocante para mães e mulheres em
geral. Afinal o filme revolve à vida de três mulheres. Todas com seus defeitos
e neuroses. A trama fica interessante pelos diversos pontos de intersecção
entre os seus personagens. É uma boa diversão. O livro deve ser eletrizante de
ler. Como filme centrado em mulheres, é dirigido por uma mulher, boa diretora,
por sinal, nunca tinha ouvido falar. Também não me ligo em nome de diretores,
tirando os nomes dos medalhões do cinema. Sei que, apesar de mulher, ela não
alivia a mão, mesmo que o fato mais mórbido seja apenas sugerido. Mas não é
necessária a cena explicita para gerar impacto no espectador.
O CAPS hoje não foi muito bom. Para mim, pelo menos. O grupo
AD foi de toques, tocar e ser tocado pelo outro. Como há muito não sou tocado
por ninguém, me gerou imenso desconforto a proposta, a ponto de pensar seriamente
em deixar a sala na hora em que eu fosse o que tocaria. Mas me deixei levar
pelas circunstâncias e mal e porcamente, embora a receptora tenha dito que foi
bom e relaxante, fiz lá os meus toques, sem a mesma delicadeza e criatividade dos
toques com os quais fui acolhido primeiramente. De toda sorte foi uma
experiência ao mesmo tempo agradável e desagradabilíssima, portanto, negativa.
O pior é que todos no grupo acordaram em novas sessões corporais, menos eu. Fui
voto vencido, infelizmente e, sabe-se lá quando, serei submetido à nova prova
de fogo. Se começar a ser muito frequente esse negócio de tocar e ser tocado
pelo outro, eu vou reclamar. Ou me acostumar, sei lá. Acho que a expectativa
das terapeutas é a de que me acostume. Acho que estão com expectativas demais.
Achei o sorriso de uma nova estagiária cativante, mesmo que imperfeito,
fantasiei sobre ela ser a minha próxima mulher, embora nem faça muito o meu
gênero. Mas algum brilho nela eu vi. Algo que fez meus olhos brilharem, digo.
Espero que tenhamos tempo para conversar algum dia. Queria repartir com ela, discípula
de Jung, sobre a minha teoria do novo arquétipo surgido com a tecnologia cada
vez mais avançada que temos hoje e o medo desse arquétipo refletido na cultura
popular de massa.
21h04. Depois de um cochilo a minha ideia de sugerir um novo
arquétipo à psicóloga jungiana já me parece completamente imbecil e nonsense. Não sei como o sono consegue
fazer essas coisas com as minhas aspirações. O pior é que nem senti que peguei
no sono profundamente. Para mim foi só um deitar e relaxar profundo. Sem perda
da consciência. Mas deve ter havido momentos em que caí no sono, sim. Muito
leve, mas caí. De toda forma, foi o suficiente para me desmotivar a ter tal
conversa. Se bem que relembrando a temática aqui começo a esquentar os tamborins
de novo e me animar a puxar tal assunto com ela. Encontrei com a dona da Vila
Edna e já me convidei para, no próximo domingo, caso haja algo na casa dela,
aparecer por lá. Isso se meu Wii U não chegar. Ou até se ele chegar. Estou
precisando de socialização. Ainda mais com gente tão querida quanto eles. Que
família. Tenho uma forte identificação que às vezes questiono se não há também
um pouco de transferência. Na verdade, creio que há transferência em todas as
relações humanas. Não digo só dos desejos e dores primordiais, mas
transferências emocionais mais ou menos elaboradas como um todo. A relação se
dá por meio da transferência. O homem se apega ao cachorro porque enxerga algo
de seu nele, algo de humano na alma canina. Ou algo que lhe falta nas demais
relações ou em si mesmo, como fidelidade, alegria, respeito, obediência,
inteligência, carinho, amor etc. Digo isso porque já senti amor por uma cadela,
não o amor erótico acredito, mas um amor paternal por ela, e via no animal
diversas qualidades virtuosas. E sentia que ela nutria real afeto por mim.
Sinto uma saudade imensa da minha Poeira, que o meu vício e minha mãe levaram
de mim. Ou seja, em verdade, da qual eu me privei por fazer escolhas erradas
nas horas erradas. Aliás, as escolhas erradas, tornam as horas erradas. De
qualquer forma assumo total responsabilidade pela minha separação daquele ser
tão amado por mim. Assim como assumo total responsabilidade pela minha separação
da minha ex-mulher. Pelo mesmo uso de drogas, melhor dizendo, da cola. A
maconha e o álcool eram permitidos dentro da nossa relação. Só que não tínhamos
dinheiro para o álcool, só para a massa, a cerveja a gente arregrava nos
encontros de final de semana com os amigos dela. Bons tempos que os anos não
trazem mais. Mas há muito ainda a ser vivido. Não sei bem o quê, mas há. Agora
toda a minha expectativa e angústia se voltam para a chegada de um videogame.
Há o Sai Dessa Noia que começa a se afigurar no horizonte e há o final de
semana com meu primo que é sempre a promessa de algo bom que geralmente eu não
concretizo porque não me chego nas mulheres. Talvez porque não me ache merecedor
delas. Talvez pelo medo do novo, da ruptura com a minha zona de conforto. Certamente
não por medo de me machucar. Meu coração já foi machucado demais e está
escolado na dor da perda. Talvez por excesso de timidez, que denota insegurança
e consequente baixa autoestima. Admito todas as possibilidades e acredito que
todas se somem para que eu não me aproxime do sexo oposto, que prefiro chamar
de sexo complementar. Pelo menos pela minha orientação sexual. Não sei a
palavra mais politicamente correta é “orientação” sexual, quem sabe disso é uma
prima minha, mas não estou com disposição de perguntar a ela. E acho que essa
palavra, se equivocada, não vá ferir muito as sentimentalidades de outros com
orientações sexuais diferentes das minhas. Assim espero. Como espero que meu
Wii U chegue amanhã. Ah, como espero por isso. Mas confesso que essa esperança
mingua a cada novo dia. Principalmente depois da palhaçada de hoje no site de
acompanhamento da encomenda. Ainda não entendo por que cancelaram a entrega.
Está tudo cada vez mais nebuloso e estranho, para dizer o mínimo. Minha mãe já
acha que eu estou “entrando em depressão” por causa disso. Pessoas se frustram.
Eu sou uma pessoa. E tenho minhas razões, bastante prementes, dado o meu amor
por games, de estar frustrado com o que está acontecendo. Como qualquer pessoa
ficaria com algo que estivesse esperando muito e essa coisa não chegasse ou
acontecesse na data prevista, se é que vai chegar em algum momento. Eu sei que,
de alguma forma, eu vou ter que conseguir um Wii U, pois tenho uma batelada de
jogos de Wii U e não vou simplesmente revendê-los. Quero jogá-los. Todos eles.
Degustar um a um. Como quem se delicia com suntuoso banquete composto de seus
pratos prediletos. E a melhor parte é que não se sacia, não fica empanzinado, sempre
há espaço para o próximo prato. Vou começar pelos mais deliciosos que são o que
vem instalado no sistema e o outro que comprei para ter o que jogar antes dos
meus jogos virem dos EUA. Se vierem agora em março. Se conseguir um Wii U até
março. Putz. Já estou falando de videogame de novo. Estava há pouco falando nos
sentimentos caninos e em amores perdidos ou nunca conquistados, como fui
descambar para o assunto do videogame de novo?
Saindo um pouco desse recorrente assunto. Minha mãe pegou
uma lista de psicólogos(as) sugeridos pelo CAPS para ela fazer terapia. E eu
também. Espero que Luíza esteja entre eles. Gostaria que ela fosse minha nova
terapeuta. De alguma forma o meu cada vez mais ex-psicólogo ficou meio que
estigmatizado com o internamento naquele lugar insano. E achei que eu não
estava mais conseguindo me abrir ou ele extrair de mim nada de muito útil para
ambos. As consultas se tornaram superficiais, rasteiras. Pelo menos esse é o
meu sentimento, que deveria ter repartido com ele. Não importa. Não estava e
não estou com vontade de fazer terapia. Acho que minha mãe poderia respeitar
isso no momento. Espero que ela esqueça do assunto e só volte a trazê-lo à
baila quando ela própria for iniciar a sua terapia. Ou seja, lá para abril.
Tomara. Se sentir necessidade de uma intervenção antes, peço. Mas deveriam
respeitar o meu tempo, acredito. Sei que a terapia é salutar para mim, mas não
sinto necessidade agora. Irei por obrigação. Não é a forma como queria começar
uma terapia. Por obrigação. Quero começa-la por se fazer necessária para mim.
Por uma vontade intrínseca, não extrínseca.
Minhas unhas estão grandes. Disse que iria cortá-las hoje,
mas deixarei para cortá-las amanhã. Está escuro e a luz da varanda é muito
fraca. Corto as minhas unhas em cima das plantas da minha mãe, para não
cortá-las e deixá-las espalhadas pelo chão. Acredito que lá elas de alguma
forma serão sorvidas pelo solo e o cálcio será absorvido pelas plantas. Se bem
que, pensando bem, isso não deve acontecer, não creio que as unhas sejam de tão
fácil decomposição. Sei lá. É o que faço. Melhor do que deixar unhas espalhadas
pela sala. E quando vou cortar unhas, nunca vejo as anteriores por lá. Não seio
que se dá, mas elas somem. Talvez ao aguarem as plantas o movimento das águas
faça as unhas serem encobertas pela terra. E tanto se me dá. Continuarei com a
mesma prática, até que força maior se alevante.
22h34. Queria que meu padrasto fosse dormir porque eu já
quero dormir e gostaria muito de fumar um cigarro antes de ir para cama. Mas
ele pode sentir o cheiro no corredor, afinal cigarro impregna mesmo que eu fume
no hall, o cheiro gruda na gente e o hálito permanece forte por longos minutos.
Então incensaria todo o trajeto por onde passaria. Ou passarei, se ele for
dormir dentro de meia hora.
Enquanto isso, baforar é a solução. Talvez hoje,
infelizmente, seja a solução até a hora de eu ir dormir. Pelo menos o disco do
Radiohead tem um som tão diluído, tão inofensivo, que até a primeira música que
seria a mais barulhenta não empata os ouvidos mesmo estando relativamente alta.
Será que o disco marcará algum momento da minha vida? Um micro-pedaço? Este
pedaço de expectativa e frustração em relação ao meu novo videogame? Sei lá.
Cada vez sei menos das coisas. E cada vez me importo menos com isso. Sei que
estou com as unhas grandes. Sei que quero o Wii U. Não sei se ainda sei
namorar. Sei que queria estar com Poeira até hoje. Não sei se queria estar com
a Gatinha até hoje, pois talvez isso representasse a não existência da pensão,
que é o que me dá mais paz de espírito nessa vida. Bebi o último copo de Coca
quase de um gole só, perdido que estava nas minhas ideias, esqueci que era o
último. Droga. Mas é a vida. E continua sendo bonita apesar disso. Sem
depressão, angústia e desespero, para mim está bom. Com as cobranças de mamãe
diminuídas, fica melhor ainda. Espero que ela continue assim até o fim dos meus
dias. Ou dos dela. Queria muito morrer antes da minha mãe. Se bem que esta
vontade já foi mais forte. Não troco de disco por pura preguiça. E por falta de
inclinação para outro som. Sei que amanhã, e agora quase todos os dias da
semana, eu caminharei ouvindo as minhas músicas prediletas no iPod. O que será
também uma repetição porque há talvez um ano ou mais eu mantenho basicamente a
mesma seleção. E não vejo porque mudá-la, visto que me agrada. Mas é uma
repetição mais esparsa, pois no iPod há cerca de 200 músicas contra 12 do CD. O
psicólogo que orientou o grupo de arte-terapia hoje no CAPS pedia para que nos
concentrássemos na nossa respiração, no nosso caminhar e numa terceira coisa,
tudo ao mesmo tempo. Infelizmente eu não sou multifuncional e não consigo me
concentrar em mais de uma coisa ao mesmo tempo. É até uma contradição já que
concentrar sugere foco e foco sugere que se concentre em uma coisa apenas, ou
conjunto de coisas similares, como sons, mas não em coisas totalmente
desconexas como respiração, caminhar e acho que no olhar das outras pessoas.
Por sinal, quando comandado a olhar para as demais pessoas, olhei por pouco
tempo, voltou-me covardia de olhar nos olhos do outro. É essa introspecção
crescente, acho eu, que me desabituou a olhar nos olhos de estranhos, ainda
mais quando comandado para tal, quando não é uma coisa que parte
espontaneamente de mim esse olhar. Espero que o meu sovaco não fique fedendo
como ficou hoje. Acho que estou com sovaqueira novamente. Também estou usando
um desodorante meio peba, eu acho. Chama-se “Senador”. O nome já não é lá coisa
em que se confie, mas era o único de bisnaga que havia na farmácia. E eu
escolhi o Senador “Premium”, o que promete 24 horas de proteção. Bem, não foi o
que ocorreu. Também não tomei banho hoje pela manhã, pois havia tomado um na
noite anterior perto de ir dormir. É minha estratégia para poupar tempo no dia
seguinte e poder dormir mais. 23h09. Acho que meu padrasto se retirou. Não
tenho certeza. Averiguarei. A dicção de Thom Yorke é péssima, li na letra que
ele canta “broken hearts make it rain” mas poderia estar dizendo “move it on
stingrays” que daria no mesmo. Aliás era o que pensava que dizia antes de ler a
letra. Agora percebo mais em algumas das inúmeras repetições que faz dessa
frase na música que ele canta o refrão descrito no site. Mas via de regra o que
ele canta para mim que não sou fluente em inglês é ininteligível. Que droga que
a Coca acabou, vou ter que apelar para água com gelo. Algo insípido como o
Radiohead gradativamente se torna. Ouvi hoje “My Iron Lung” no iPod e, meu
deus, que diferença. E olhe que esse CD tem o auxílio luxuoso de cordas. Mesmo
assim é algo como comida vegana, eu diria. Acho que só presta ouvindo realmente
alto, o que gera um conflito, pois os graves do meu som fazem a mesa em que ele
está tremer e o CD pular. Som merdel eu comprei. Mas era o que eu podia pagar e
que não parecia uma nave espacial cheia de luzes e traços agressivos. Esses são
caríssimos por sinal. Acho que tenho que ir na rua que o meu ex-chefe me
indicou que vende sons usados e trocar o meu por um dos antigões que sustentavam
o tranco. Queria um carrossel de cinco CDs, para dar um pouco de diversidade ao
ecossistema musical do meu quarto. Há coros também no CD, mas é tudo muito
aguado. Por falar em água, vou encher o meu copo do solvente universal.
23h24. Seis páginas já. Realmente me torno mais prolixo a
cada dia. Meu padrasto já se retirou, poderei fumar o meu cigarro de boa noite.
Vou logo ligar o ar. Pronto. Ah, a agência onde trabalhei a maior parte da minha
vida profissional fez 20 anos, o que quer dizer que estar perto de eu fazer 20
anos de formado. É, é no meio do ano que vem. Caramba como a vida passa
depressa. O CD do Radiohead já vai acabar de novo. Não sei se tenho saco de
ouvir mais uma vez. Acho que vou ligar o meu Spotify particular aqui no
computador ou ficar no silêncio, o que, em verdade, prefiro. Estou meio avesso
a sons hoje. Prefiro a calmaria do silêncio.
Água já acabou. Vou encher o copo de novo pois há muito gelo ainda. Bebo
água ainda mais rápido que Coca.
23h34. O silêncio se vez, agora só ouço o barulho das teclas
e do ar-condicionado. É um silêncio aconchegante. Eu não sei, eu peguei meio
que um abuso de um psicólogo do CAPS, acho que ele se tornou muito pernóstico,
se acha muito importante, exala uma certa empáfia. Pode ser tudo da minha
cabeça, mas sinto isso nos pequenos detalhes. No todo, não. Mas eu me atenho a
detalhes. Ele gosta de mandar, de ser controlador. De ser disciplinador. E eu
odeio disciplina. Já há a disciplina de ter que comparecer quase todo dia lá e mais
no Manicômio, como é o caso amanhã. Sabe de uma coisa, deixa esse assunto pra
lá. Que assunto chato e besta do créu. Fiz par na oficina de arte-terapia com
um garoto bipolar em depressão. Tentei demonstrar-lhe, pelo meu estado de
espírito atual, que há saída sim para a depressão e que nunca se deve desistir
que o final dela chega, como chegou para mim. Não sei se eu tive sorte, aliás,
sorte eu tive muita, pois me livrei do principal causador de todas as minhas mazelas
que era o meu emprego, por isso digo que a pensão é o que garante a minha paz
de espírito. Mas mesmo antes de trabalhar, eu já odiava a minha vida e queria
morrer. E isso passou. Não quero mais morrer. Quero viver, pois a vida se afigura
agora de uma maneira agradável e aprazível para mim, só falta eu aprender a me
gostar. Ou talvez eu goste tanto de mim, que esteja me tornando esta pessoa
isolada em si mesma e egoísta ao extremo. Acho que ao extremo é uma hipérbole,
mas não tenho mais saco para cordialidades desnecessárias. Estou mais seco e
mais amargo, como vinho quando envelhece, creio. Não saco nada de vinhos, então
não sei se a metáfora é coerente. Vinho que tomei na minha vida foi Carreteiro
e um outro vinho doce que uma vez minha tia me serviu quando morava em Maceió.
Esse era delicioso. Acho que era de uva verde, pois era quase transparente
levemente amarelo-esverdeado e doce, bem doce. Foi uma noite memorável, quando
finalmente abri o jogo sobre Clementine e ela disse que na família estava cheio
de casos assim. Infelizmente, não foi o meu caso. De Clementine só recebi
descaso. Mas isso são águas passada e não vão mais mover nenhum moinho. Acho
que meu destino é ser só mesmo. Pensei em fazer a barba, mas não encontro
motivação para esse tipo de vaidade. Acho que farei na sexta, pois
provavelmente há saída programada e quero ir mais apresentável. Na vã esperança
de que algo no campo afetivo vá acontecer. Como a vã esperança de o Wii U
amanhã renascerá. Pô me deixaram griladas essas mensagens contraditórias de “saída
para entrega” e “cancelada a opção anterior”. Queria saber o que há por trás
disso. Na verdade, tudo o que quero – de material – no momento é que o Wii U
chegue intacto à minha casa. Estou me sentindo levemente melancólico, mas isso
pode ser eu psicossomatizando o que mamãe disse hoje. Ou pode ser sono. Acordei
muito mais cedo que de costume. Vou revisar isso e postar. Depois acho que
perambulo um pouco pela internet e vou dormir. Nossa! 0h01! Preciso agilizar o
processo.
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