quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

NADA DE Wii U, CAPS E OUTRAS COISAS DE IGUAL IRRELEVÂNCIA

Recife, 24 de janeiro de 2017

Vendo a letra de “Present Tense” do Radiohead, me deu vontade de escrever. Ao que tudo indica serei readmitido no CAPS amanhã. Ou seja, vou voltar a acordar cedo. E, para piorar as coisas, meu Wii U não chegou. Então não aproveitei a folga que me deram para jogar, folga esta que foi mais rápida que na readmissão anterior. Estava gostando das férias de responsabilidades terapêuticas, de acordar de uma ou duas da tarde. De ir dormir as duas e meia da manhã. De seguir o meu relógio biológico que vai agora sofrer uma puta mudança de fuso-horário. Pediram para mamãe ir lá. Vou ver se consigo que ela já agende uma psicóloga ou psicólogo para ela amanhã. Seria o bicho. Muito legal mesmo se ela saísse de lá com uma consulta já marcada para abril, que eu acho que é quando todo o processo de quimioterapia vai ter terminado. Mandei uma reclamação para os Correios sobre o Wii U e a atendente disse que mandou mais uma notificação de urgência para o meu caso, creio que para o CEE daqui, que é onde creio que a encomenda esteja, segundo os registros dos próprios Correios. Quem me dera chegasse essa semana. Não queria passar outra semana de expectativas e frustações. É muito chato. Todo dia eu acho que é o dia e chega o final da tarde e é outra decepção. Amanhã, esse mesmo renascer e morrer da expectativa vai acontecer. E fico já preocupado de os caras do CEE ficarem putos com a cobrança e tratarem com brutalidade uma encomenda tão frágil e o Wii U chegar quebrado. Tomara que não. Mas existe desse tipo de pessoa no mundo, muitas delas no funcionalismo público. Por mais que essa febre de concursos esteja fazendo com que pessoas mais capacitadas e mais comprometidas, mais esclarecidas, ocupem as vagas. Não sei se isso é regra ou exceção, mas percebo os funcionários mais dispostos a ajudar que tempos atrás.

19h29. Fui pegar Coca e perdi o fio da meada. De toda sorte disse o que tinha de dizer sobre o funcionalismo público. Vide as operações como a Lava-Jato. Elas são a prova cabal de que algo mudou nos quadros do funcionalismo público. Para melhor. Muito melhor.

Peguei o novo celular e WhatsApp de Nina. Ela me passou pelo Facebook. É bem capaz de voltar a falar comigo como antes. Mas geralmente ela só falava quando estava na pior. Eu era o ombro amigo e conselheiro fiel. Não o melhor dos papéis a desempenhar, principalmente em relação a alguém que você deseja eroticamente falando, mas é o papel que me cabe nesta encarnação. Por falar nela, vou ver se assisto hoje “The Girl On The Train”, filme baseado no livro que ela estava lendo. 19h36. Pronto, já coloquei legenda e estou passando para o HD externo. Preciso assistir logo, pois mamãe vai me pressionar para eu dormir cedo hoje por causa do CAPS amanhã. Saco. Tenho que pensar positivo. É mais uma oportunidade de socialização. Aliás, vai ser a principal fonte de socialização da minha vida a partir de agora. E o melhor: ao contrário da outra fonte de socialização que tinha – o trabalho – não me será um grande fator de estresse. A não ser durante o período de readaptação. Espero que me deixem utilizar o serviço com sempre o fiz nos últimos anos, qual seja, participando dos grupos AD e utilizando o resto do tempo para conversar com as psicólogas de plantão. Geralmente as estagiárias, pois estas me deixam mais à vontade, não sinto a intimidação do papel de psicóloga pesando sobre elas e de alguma forma bloqueando o meu discurso ou me fazendo pensar antes de falar como se dá com as psicólogas de fato da casa. O filme já foi copiado faz tempo, então escreverei até dar 20h. São 19h44. Talvez até 20h30, se conteúdo me vier. Mas sempre vem. Hoje foi o dia da pressão sobre o Wii U. Primeiro falei com Luiz da Brasil Games pelo WhatsApp que ficou de me dar retorno e não retornou nada e depois com os Correios. Vamos ver no que é que dá. Seria um dia deveras diferente amanhã com CAPS e Wii U na minha vida. Uma pequena revolução cotidiana. Bom, tudo é possível. Inclusive extravio de mercadoria. Mas não pensemos no pior. Amanhã vou pegar sol na minha caminhada ouvindo músicas pelo meu iPod, como faço quando vou ou volto do CAPS. Todos estão reclamando da violência e a possibilidade de assalto existe, mas não vou me negar este salutar prazer. Tenho mais medo que me roubem o celular, pois nele há os aplicativos do eBay, do PayPal, da Amazon, do cartão de crédito de mamãe e do Bardesco. Dá vontade de nem levar. Mas mamãe não vai gostar muito dessa opção. É o risco. É uma roleta andar pelas ruas. Um dia dá o meu número e eu sou assaltado. A cada dia que se passa, a chance de ser eu a vítima aumenta. Mas que posso fazer? Viver temendo, andando assustado pelas ruas? Espero que não. Pelo menos não costumava ser assim. Mas faz tanto tempo que não saio que, de repente minha neurose tenha aumentado. Veremos amanhã. Hoje veremos “The Girl On The Train” em cartaz no quarto com mais bonecos de todo o Recife, aposto. Se bem que tinha um namorado de uma menina do CAPS que tinha um bocado de bonecos também. Não devo ser o único, então, retiro a minha aposta. Mas certamente eu sou um dos que tem mais bonecos. Pode ser que haja alguém que tenha mais bonecos de ¼ que eu, mas se contar todas as pequenas que tenho, dá um mói. De games e DVDs eu devo estar no top 500 do Recife. Somando uma coisa e outra, digo. Bom. Isso é uma comparação besta danada. Não há nada de bonito em ser um acumulador. E já são 20h03. Vou assistir o filme. Depois, se mamãe não encrencar, volto aqui. Senão, só amanhã depois do CAPS. Se meu Wii U não chegar! Hahahahahaha. ß Riso tenso.


Recife, 25 de janeiro de 2017.

Apareceu no tracking do Wii U duas mensagens muito escrotas datando de ontem: a primeira, emitida às 10h39 diz “Saiu para entrega ao destinatário”; a segunda, às 11h46 diz “Cancelada a última informação”. Parece piada. E nada de Wii U até agora. Quando voltava do CAPS, vi a van do SEDEX para no prédio anterior ao nosso. Mas isso já faz uma hora. Pedi para que o porteiro me avisasse caso chegasse alguma caixa para mim e até agora nada, logo, não entregaram a porra do meu console hoje. Como eu disse, cada dia útil que nasce, é um dia de esperança renovada e decepção cada vez maior. Gostei do filme “The Girl On The Train”, mistério com drama com direito a abusos de todas as formas. Sugeri a mamãe, mas talvez seja um filme pesado demais para ela, embora nem seja tão pesado assim. Não há cenas chocantes, mas há sugestões fortes no filme. Acima da média. Achei melhor, bem melhor que Jack Reacher Never Go Back. Deve ser um filme especialmente tocante para mães e mulheres em geral. Afinal o filme revolve à vida de três mulheres. Todas com seus defeitos e neuroses. A trama fica interessante pelos diversos pontos de intersecção entre os seus personagens. É uma boa diversão. O livro deve ser eletrizante de ler. Como filme centrado em mulheres, é dirigido por uma mulher, boa diretora, por sinal, nunca tinha ouvido falar. Também não me ligo em nome de diretores, tirando os nomes dos medalhões do cinema. Sei que, apesar de mulher, ela não alivia a mão, mesmo que o fato mais mórbido seja apenas sugerido. Mas não é necessária a cena explicita para gerar impacto no espectador.  

O CAPS hoje não foi muito bom. Para mim, pelo menos. O grupo AD foi de toques, tocar e ser tocado pelo outro. Como há muito não sou tocado por ninguém, me gerou imenso desconforto a proposta, a ponto de pensar seriamente em deixar a sala na hora em que eu fosse o que tocaria. Mas me deixei levar pelas circunstâncias e mal e porcamente, embora a receptora tenha dito que foi bom e relaxante, fiz lá os meus toques, sem a mesma delicadeza e criatividade dos toques com os quais fui acolhido primeiramente. De toda sorte foi uma experiência ao mesmo tempo agradável e desagradabilíssima, portanto, negativa. O pior é que todos no grupo acordaram em novas sessões corporais, menos eu. Fui voto vencido, infelizmente e, sabe-se lá quando, serei submetido à nova prova de fogo. Se começar a ser muito frequente esse negócio de tocar e ser tocado pelo outro, eu vou reclamar. Ou me acostumar, sei lá. Acho que a expectativa das terapeutas é a de que me acostume. Acho que estão com expectativas demais. Achei o sorriso de uma nova estagiária cativante, mesmo que imperfeito, fantasiei sobre ela ser a minha próxima mulher, embora nem faça muito o meu gênero. Mas algum brilho nela eu vi. Algo que fez meus olhos brilharem, digo. Espero que tenhamos tempo para conversar algum dia. Queria repartir com ela, discípula de Jung, sobre a minha teoria do novo arquétipo surgido com a tecnologia cada vez mais avançada que temos hoje e o medo desse arquétipo refletido na cultura popular de massa.

21h04. Depois de um cochilo a minha ideia de sugerir um novo arquétipo à psicóloga jungiana já me parece completamente imbecil e nonsense. Não sei como o sono consegue fazer essas coisas com as minhas aspirações. O pior é que nem senti que peguei no sono profundamente. Para mim foi só um deitar e relaxar profundo. Sem perda da consciência. Mas deve ter havido momentos em que caí no sono, sim. Muito leve, mas caí. De toda forma, foi o suficiente para me desmotivar a ter tal conversa. Se bem que relembrando a temática aqui começo a esquentar os tamborins de novo e me animar a puxar tal assunto com ela. Encontrei com a dona da Vila Edna e já me convidei para, no próximo domingo, caso haja algo na casa dela, aparecer por lá. Isso se meu Wii U não chegar. Ou até se ele chegar. Estou precisando de socialização. Ainda mais com gente tão querida quanto eles. Que família. Tenho uma forte identificação que às vezes questiono se não há também um pouco de transferência. Na verdade, creio que há transferência em todas as relações humanas. Não digo só dos desejos e dores primordiais, mas transferências emocionais mais ou menos elaboradas como um todo. A relação se dá por meio da transferência. O homem se apega ao cachorro porque enxerga algo de seu nele, algo de humano na alma canina. Ou algo que lhe falta nas demais relações ou em si mesmo, como fidelidade, alegria, respeito, obediência, inteligência, carinho, amor etc. Digo isso porque já senti amor por uma cadela, não o amor erótico acredito, mas um amor paternal por ela, e via no animal diversas qualidades virtuosas. E sentia que ela nutria real afeto por mim. Sinto uma saudade imensa da minha Poeira, que o meu vício e minha mãe levaram de mim. Ou seja, em verdade, da qual eu me privei por fazer escolhas erradas nas horas erradas. Aliás, as escolhas erradas, tornam as horas erradas. De qualquer forma assumo total responsabilidade pela minha separação daquele ser tão amado por mim. Assim como assumo total responsabilidade pela minha separação da minha ex-mulher. Pelo mesmo uso de drogas, melhor dizendo, da cola. A maconha e o álcool eram permitidos dentro da nossa relação. Só que não tínhamos dinheiro para o álcool, só para a massa, a cerveja a gente arregrava nos encontros de final de semana com os amigos dela. Bons tempos que os anos não trazem mais. Mas há muito ainda a ser vivido. Não sei bem o quê, mas há. Agora toda a minha expectativa e angústia se voltam para a chegada de um videogame. Há o Sai Dessa Noia que começa a se afigurar no horizonte e há o final de semana com meu primo que é sempre a promessa de algo bom que geralmente eu não concretizo porque não me chego nas mulheres. Talvez porque não me ache merecedor delas. Talvez pelo medo do novo, da ruptura com a minha zona de conforto. Certamente não por medo de me machucar. Meu coração já foi machucado demais e está escolado na dor da perda. Talvez por excesso de timidez, que denota insegurança e consequente baixa autoestima. Admito todas as possibilidades e acredito que todas se somem para que eu não me aproxime do sexo oposto, que prefiro chamar de sexo complementar. Pelo menos pela minha orientação sexual. Não sei a palavra mais politicamente correta é “orientação” sexual, quem sabe disso é uma prima minha, mas não estou com disposição de perguntar a ela. E acho que essa palavra, se equivocada, não vá ferir muito as sentimentalidades de outros com orientações sexuais diferentes das minhas. Assim espero. Como espero que meu Wii U chegue amanhã. Ah, como espero por isso. Mas confesso que essa esperança mingua a cada novo dia. Principalmente depois da palhaçada de hoje no site de acompanhamento da encomenda. Ainda não entendo por que cancelaram a entrega. Está tudo cada vez mais nebuloso e estranho, para dizer o mínimo. Minha mãe já acha que eu estou “entrando em depressão” por causa disso. Pessoas se frustram. Eu sou uma pessoa. E tenho minhas razões, bastante prementes, dado o meu amor por games, de estar frustrado com o que está acontecendo. Como qualquer pessoa ficaria com algo que estivesse esperando muito e essa coisa não chegasse ou acontecesse na data prevista, se é que vai chegar em algum momento. Eu sei que, de alguma forma, eu vou ter que conseguir um Wii U, pois tenho uma batelada de jogos de Wii U e não vou simplesmente revendê-los. Quero jogá-los. Todos eles. Degustar um a um. Como quem se delicia com suntuoso banquete composto de seus pratos prediletos. E a melhor parte é que não se sacia, não fica empanzinado, sempre há espaço para o próximo prato. Vou começar pelos mais deliciosos que são o que vem instalado no sistema e o outro que comprei para ter o que jogar antes dos meus jogos virem dos EUA. Se vierem agora em março. Se conseguir um Wii U até março. Putz. Já estou falando de videogame de novo. Estava há pouco falando nos sentimentos caninos e em amores perdidos ou nunca conquistados, como fui descambar para o assunto do videogame de novo?

Saindo um pouco desse recorrente assunto. Minha mãe pegou uma lista de psicólogos(as) sugeridos pelo CAPS para ela fazer terapia. E eu também. Espero que Luíza esteja entre eles. Gostaria que ela fosse minha nova terapeuta. De alguma forma o meu cada vez mais ex-psicólogo ficou meio que estigmatizado com o internamento naquele lugar insano. E achei que eu não estava mais conseguindo me abrir ou ele extrair de mim nada de muito útil para ambos. As consultas se tornaram superficiais, rasteiras. Pelo menos esse é o meu sentimento, que deveria ter repartido com ele. Não importa. Não estava e não estou com vontade de fazer terapia. Acho que minha mãe poderia respeitar isso no momento. Espero que ela esqueça do assunto e só volte a trazê-lo à baila quando ela própria for iniciar a sua terapia. Ou seja, lá para abril. Tomara. Se sentir necessidade de uma intervenção antes, peço. Mas deveriam respeitar o meu tempo, acredito. Sei que a terapia é salutar para mim, mas não sinto necessidade agora. Irei por obrigação. Não é a forma como queria começar uma terapia. Por obrigação. Quero começa-la por se fazer necessária para mim. Por uma vontade intrínseca, não extrínseca.

Minhas unhas estão grandes. Disse que iria cortá-las hoje, mas deixarei para cortá-las amanhã. Está escuro e a luz da varanda é muito fraca. Corto as minhas unhas em cima das plantas da minha mãe, para não cortá-las e deixá-las espalhadas pelo chão. Acredito que lá elas de alguma forma serão sorvidas pelo solo e o cálcio será absorvido pelas plantas. Se bem que, pensando bem, isso não deve acontecer, não creio que as unhas sejam de tão fácil decomposição. Sei lá. É o que faço. Melhor do que deixar unhas espalhadas pela sala. E quando vou cortar unhas, nunca vejo as anteriores por lá. Não seio que se dá, mas elas somem. Talvez ao aguarem as plantas o movimento das águas faça as unhas serem encobertas pela terra. E tanto se me dá. Continuarei com a mesma prática, até que força maior se alevante.

22h34. Queria que meu padrasto fosse dormir porque eu já quero dormir e gostaria muito de fumar um cigarro antes de ir para cama. Mas ele pode sentir o cheiro no corredor, afinal cigarro impregna mesmo que eu fume no hall, o cheiro gruda na gente e o hálito permanece forte por longos minutos. Então incensaria todo o trajeto por onde passaria. Ou passarei, se ele for dormir dentro de meia hora.

Enquanto isso, baforar é a solução. Talvez hoje, infelizmente, seja a solução até a hora de eu ir dormir. Pelo menos o disco do Radiohead tem um som tão diluído, tão inofensivo, que até a primeira música que seria a mais barulhenta não empata os ouvidos mesmo estando relativamente alta. Será que o disco marcará algum momento da minha vida? Um micro-pedaço? Este pedaço de expectativa e frustração em relação ao meu novo videogame? Sei lá. Cada vez sei menos das coisas. E cada vez me importo menos com isso. Sei que estou com as unhas grandes. Sei que quero o Wii U. Não sei se ainda sei namorar. Sei que queria estar com Poeira até hoje. Não sei se queria estar com a Gatinha até hoje, pois talvez isso representasse a não existência da pensão, que é o que me dá mais paz de espírito nessa vida. Bebi o último copo de Coca quase de um gole só, perdido que estava nas minhas ideias, esqueci que era o último. Droga. Mas é a vida. E continua sendo bonita apesar disso. Sem depressão, angústia e desespero, para mim está bom. Com as cobranças de mamãe diminuídas, fica melhor ainda. Espero que ela continue assim até o fim dos meus dias. Ou dos dela. Queria muito morrer antes da minha mãe. Se bem que esta vontade já foi mais forte. Não troco de disco por pura preguiça. E por falta de inclinação para outro som. Sei que amanhã, e agora quase todos os dias da semana, eu caminharei ouvindo as minhas músicas prediletas no iPod. O que será também uma repetição porque há talvez um ano ou mais eu mantenho basicamente a mesma seleção. E não vejo porque mudá-la, visto que me agrada. Mas é uma repetição mais esparsa, pois no iPod há cerca de 200 músicas contra 12 do CD. O psicólogo que orientou o grupo de arte-terapia hoje no CAPS pedia para que nos concentrássemos na nossa respiração, no nosso caminhar e numa terceira coisa, tudo ao mesmo tempo. Infelizmente eu não sou multifuncional e não consigo me concentrar em mais de uma coisa ao mesmo tempo. É até uma contradição já que concentrar sugere foco e foco sugere que se concentre em uma coisa apenas, ou conjunto de coisas similares, como sons, mas não em coisas totalmente desconexas como respiração, caminhar e acho que no olhar das outras pessoas. Por sinal, quando comandado a olhar para as demais pessoas, olhei por pouco tempo, voltou-me covardia de olhar nos olhos do outro. É essa introspecção crescente, acho eu, que me desabituou a olhar nos olhos de estranhos, ainda mais quando comandado para tal, quando não é uma coisa que parte espontaneamente de mim esse olhar. Espero que o meu sovaco não fique fedendo como ficou hoje. Acho que estou com sovaqueira novamente. Também estou usando um desodorante meio peba, eu acho. Chama-se “Senador”. O nome já não é lá coisa em que se confie, mas era o único de bisnaga que havia na farmácia. E eu escolhi o Senador “Premium”, o que promete 24 horas de proteção. Bem, não foi o que ocorreu. Também não tomei banho hoje pela manhã, pois havia tomado um na noite anterior perto de ir dormir. É minha estratégia para poupar tempo no dia seguinte e poder dormir mais. 23h09. Acho que meu padrasto se retirou. Não tenho certeza. Averiguarei. A dicção de Thom Yorke é péssima, li na letra que ele canta “broken hearts make it rain” mas poderia estar dizendo “move it on stingrays” que daria no mesmo. Aliás era o que pensava que dizia antes de ler a letra. Agora percebo mais em algumas das inúmeras repetições que faz dessa frase na música que ele canta o refrão descrito no site. Mas via de regra o que ele canta para mim que não sou fluente em inglês é ininteligível. Que droga que a Coca acabou, vou ter que apelar para água com gelo. Algo insípido como o Radiohead gradativamente se torna. Ouvi hoje “My Iron Lung” no iPod e, meu deus, que diferença. E olhe que esse CD tem o auxílio luxuoso de cordas. Mesmo assim é algo como comida vegana, eu diria. Acho que só presta ouvindo realmente alto, o que gera um conflito, pois os graves do meu som fazem a mesa em que ele está tremer e o CD pular. Som merdel eu comprei. Mas era o que eu podia pagar e que não parecia uma nave espacial cheia de luzes e traços agressivos. Esses são caríssimos por sinal. Acho que tenho que ir na rua que o meu ex-chefe me indicou que vende sons usados e trocar o meu por um dos antigões que sustentavam o tranco. Queria um carrossel de cinco CDs, para dar um pouco de diversidade ao ecossistema musical do meu quarto. Há coros também no CD, mas é tudo muito aguado. Por falar em água, vou encher o meu copo do solvente universal.

23h24. Seis páginas já. Realmente me torno mais prolixo a cada dia. Meu padrasto já se retirou, poderei fumar o meu cigarro de boa noite. Vou logo ligar o ar. Pronto. Ah, a agência onde trabalhei a maior parte da minha vida profissional fez 20 anos, o que quer dizer que estar perto de eu fazer 20 anos de formado. É, é no meio do ano que vem. Caramba como a vida passa depressa. O CD do Radiohead já vai acabar de novo. Não sei se tenho saco de ouvir mais uma vez. Acho que vou ligar o meu Spotify particular aqui no computador ou ficar no silêncio, o que, em verdade, prefiro. Estou meio avesso a sons hoje. Prefiro a calmaria do silêncio.  Água já acabou. Vou encher o copo de novo pois há muito gelo ainda. Bebo água ainda mais rápido que Coca.


23h34. O silêncio se vez, agora só ouço o barulho das teclas e do ar-condicionado. É um silêncio aconchegante. Eu não sei, eu peguei meio que um abuso de um psicólogo do CAPS, acho que ele se tornou muito pernóstico, se acha muito importante, exala uma certa empáfia. Pode ser tudo da minha cabeça, mas sinto isso nos pequenos detalhes. No todo, não. Mas eu me atenho a detalhes. Ele gosta de mandar, de ser controlador. De ser disciplinador. E eu odeio disciplina. Já há a disciplina de ter que comparecer quase todo dia lá e mais no Manicômio, como é o caso amanhã. Sabe de uma coisa, deixa esse assunto pra lá. Que assunto chato e besta do créu. Fiz par na oficina de arte-terapia com um garoto bipolar em depressão. Tentei demonstrar-lhe, pelo meu estado de espírito atual, que há saída sim para a depressão e que nunca se deve desistir que o final dela chega, como chegou para mim. Não sei se eu tive sorte, aliás, sorte eu tive muita, pois me livrei do principal causador de todas as minhas mazelas que era o meu emprego, por isso digo que a pensão é o que garante a minha paz de espírito. Mas mesmo antes de trabalhar, eu já odiava a minha vida e queria morrer. E isso passou. Não quero mais morrer. Quero viver, pois a vida se afigura agora de uma maneira agradável e aprazível para mim, só falta eu aprender a me gostar. Ou talvez eu goste tanto de mim, que esteja me tornando esta pessoa isolada em si mesma e egoísta ao extremo. Acho que ao extremo é uma hipérbole, mas não tenho mais saco para cordialidades desnecessárias. Estou mais seco e mais amargo, como vinho quando envelhece, creio. Não saco nada de vinhos, então não sei se a metáfora é coerente. Vinho que tomei na minha vida foi Carreteiro e um outro vinho doce que uma vez minha tia me serviu quando morava em Maceió. Esse era delicioso. Acho que era de uva verde, pois era quase transparente levemente amarelo-esverdeado e doce, bem doce. Foi uma noite memorável, quando finalmente abri o jogo sobre Clementine e ela disse que na família estava cheio de casos assim. Infelizmente, não foi o meu caso. De Clementine só recebi descaso. Mas isso são águas passada e não vão mais mover nenhum moinho. Acho que meu destino é ser só mesmo. Pensei em fazer a barba, mas não encontro motivação para esse tipo de vaidade. Acho que farei na sexta, pois provavelmente há saída programada e quero ir mais apresentável. Na vã esperança de que algo no campo afetivo vá acontecer. Como a vã esperança de o Wii U amanhã renascerá. Pô me deixaram griladas essas mensagens contraditórias de “saída para entrega” e “cancelada a opção anterior”. Queria saber o que há por trás disso. Na verdade, tudo o que quero – de material – no momento é que o Wii U chegue intacto à minha casa. Estou me sentindo levemente melancólico, mas isso pode ser eu psicossomatizando o que mamãe disse hoje. Ou pode ser sono. Acordei muito mais cedo que de costume. Vou revisar isso e postar. Depois acho que perambulo um pouco pela internet e vou dormir. Nossa! 0h01! Preciso agilizar o processo.

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