segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Casamento





A noiva parecia uma fada, o noivo parecia nervoso. O amigo-irmão era uma manteiga derretida como padre e como sempre. Em volta, várias mesas com cadeirinhas brancas de madeira, muitas garrafas com inúmeras flores de todas as cores e tamanhos e, em volta delas, plantas, muitas plantas, num jardim onde tudo exalava aquela alegria superior de amar, de pessoas amadas se reunindo para celebrar a vida e reafirmar uma união. Do noivo, finalmente conheci a família, vinda do Rio, e me peguei pensando como seria doloroso para mim ter a minha sempre tão distante. Ele vive isso há muitos anos e nunca tinha me dado conta antes daquele bonito reencontro. Os pais da noiva, sempre muito presentes, me receberam tão bem que achei que talvez o carinho que eles têm por mim seja proporcional ao enorme amor que tenho por eles.

No início, ficamos o amigo-padre, o meu primo, sua namorada e eu no corredor de chegada dos convidados, o que me deixou encabulado, posto que cumprimentar desconhecidos – nossos amigos não são muito pontuais, como descobri – não é das atividades mais divertidas para alguém avesso a formalidades. Consegui escapulir daquele local pouco estratégico e deixei-me estar apreciando o ambiente bucólico e descontraído para um casamento, me encantando com as mulheres e moças que chegavam e, quando dei por mim, já havia bastante gente e a celebração do matrimônio, totalmente diferente de todas as outras que presenciei, começava. Foi rápida, divertida, emocionada e com músicas. Consegui, de longe ver o amigo-padre e a mãe da noiva fazendo suas declarações e, de relance, o beijo dos noivos. A maioria dos amigos chegou durante a cerimônia e foi uma visão muito feliz ver o crescente número de rostos conhecidos colorindo a tarde que findava. Festa começada, copo de uísque na mão, fui, pouco a pouco, falando com cada uma daquelas pessoas queridas que o tempo e o espaço havia separado de mim. Na maioria dos casos, tal separação em nada mudou o afeto. Em alguns outros, a distância aumentou a intensidade da emoção para dimensões inesperadas e, em poucos deles, houve um decréscimo de apreço, uma certa rispidez e talvez rancor.

Descobri que várias daquelas pessoas que tanto admiro e gosto liam este blog, o que me deixou perplexo, mas não a ponto de me sentir intimidado. Reencontros levaram à rememoração de histórias do arco da velha, como se voltássemos a ser crianças ou adolescentes aventureiros por alguns gloriosos minutos. Foi incrivelmente bom estar ali no meio deles todos – e estavam realmente quase todos eles – como nos velhos tempos, quando o senhor de todas as sinas era mais jovem e corria mais solto.

Até Clementine apareceu por lá, para a minha surpresa. Interessante foi que, não fosse ela quem é, teria me passado despercebida, como uma garota normal, sem muita graça até, ao contrário da irmã da noiva e de Marcela, que estavam deslumbrantes e atraíam inevitavelmente olhares. Descobri que um dos meus amigos também tem uma forte queda por Clementine, o que não deixa de ser irônico e revela, dentre os muitos, mais um ponto importante de afinidade entre nós. Se ele ficasse com Clementine, confesso que ficaria feliz. Pelos dois.

Mas eis que, quando tudo ia bem e eu estava apenas moderadamente embriagado, me comportando bem e amando meus amigos, apareceu uma bola no meio do caminho. E aí eu bodeei geral. Minha pressão baixou, sei lá. Só queria tomar um banho e me deitar. Meus amigos insistiram para que eu permanecesse na festa e resisti até onde pude. Mas foi mais forte que eu. Me levantei e fui para o prédio – a alguns poucos passos da casa dos pais da noiva. Sentei numa das cadeiras que ficam em volta da piscina – que estava interditada – e pensei: “se subir, a noite acaba, minha mãe não me deixará sair de novo. Mas ficar nesse bode lá na festa também não vale a pena. Mas uma festa dessa com tanta gente querida só acontece uma vez na vida. A solução é tomar um banho no chuveirão aqui do prédio e ver se meu estado melhora. Tomo só de cueca, que é só me secar um pouco aqui ao relento, vestir a roupa e voltar para lá... se não melhorar, vou para casa.”

Foi o que fiz. Tirei a roupa, fui pra debaixo do chuveirão tomar aquele banho gelado de lavar a alma. Não sei quanto tempo passei lá. 15, 20 minutos, meia hora. Só sei que me molhei e cantei, cantei. Nem sei como eu cantei assim. Djavan, Los Hermanos, U2 e sei lá mais o quê, que eu estava muito doido. Quando achei que meu estado havia melhorado, saí e sentei para secar. Foi quando ouvi tocar no casamento Cocaine, de Eric Clapton. Me pareceu deveras apologético. Até porque eu acho que havia uma certa repetição da palavra cocaine que na versão original não existia. De qualquer forma e não por causa da música, o bode assolou de novo e voltei para o chuveiro já pensando em desistir. Mas a água gelada e a certeza de estar deixando um momento raro me escapar pelos dedos me fizeram mudar de idéia. Quando coloquei a roupa, foi como se houvesse vestido uma armadura e estivesse pronto para a guerra de novo. Voltei.

Fiquei muito contente em quão contente meus amigos ficaram com o meu retorno. Me senti querido. Óbvio que, enquanto eu já estava quase de cara depois de tanta água na cabeça, todo o resto estava muito mais louco que antes. Meu primo me deu demonstrações de amor que nunca esperaria dele, o que também me fez me sentir muito bem. Por sinal, nunca o tinha visto tão libertamente alegre e animado. Foi massa. Todos estavam num astral altíssimo. Ele me chamou para dançar um New Order, no que prontamente atendi e aproveitei um pouco o dancing. Meu outro primo era o DJ – junto com um dos irmãos da noiva – e ele conseguiu manter a galera animada o tempo todo. Não tive oportunidade de saborear a cerveja fabricada pelo outro irmão da noiva, mas aguardo ansioso por convites. Adorei as vieiras e o queijo parmesão com um molho doce, me arrependi de não ter experimentado mais nada do extenso e requintado menu. Mas bebendo uísque eu perco a fome. No final da noite, fomos pegar a esposa de um amigo no bar e ele, para o meu amusement, ficou arengando com as amigas heavy drinkers dela. Cara de pau.

XXXXX

Menina da Lua
Renato Mota

Leve na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d’água
Menina da lua

Quero te ver clara
Clareando a noite intensa deste amor
O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura

Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudo
O teu tear
Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar

Leva na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d’água
Menina linda

Essa foi uma das músicas que embalou a cerimônia. Acredito que ela exprima de forma muito mais completa que o meu texto a beleza e o amor que pairavam no ar.

Um comentário:

  1. Mostrei a painho e mainha. não preciso nem falar do prazer em ler teu relato. beijos grandes. xanda.

    ResponderExcluir