sábado, 24 de junho de 2017

PRIMEIRO DIA DE FILMAGEM

14h26. Meu amigo cineasta disse que vai se atrasar e chegar às 15h. Teve que ficar mais tempo que planejava na casa da sogra. Ele parece estar levando esse projeto realmente a sério. Não arrumei o meu quarto, nem arrumaria mesmo, para dar uma ideia o mais real possível de como é o meu cotidiano. Mas confesso que dormi esses dias só com lençol, sem edredom, para a cama não ficar muito desarrumada e coloquei uma camisa menos ozzy do que a que estava usando, que mais parece um vestido, pois pertenceu a um interno esquizofrênico supergordo do Manicômio, quando este surtou e começou a me dar todas as suas roupas. Obviamente devolvi a maioria ao seu irmão igualmente gordo, mas mais são à época, embora tenha mantido três para mim, que uso até hoje por serem bastante confortáveis. Acho que hoje é o aniversário de Maria, a babá que me criou. Ela não está em casa, chegará no final da tarde, quando minha tia disse que me ligaria pelo Skype. Não sei porque o meu vídeo não funcionou, só conseguia ver o vídeo da minha tia. 14h35. Vou pegar um copo de Coca.

14h37. Meu primo-irmão não vai mais para a Casa Astral, arrumou lugar na casa de um amigo nosso em Gravatá e vai para lá. Me convidou, mas, além de ter a suposta filmagem eu não estou preparado nem financeiramente nem espiritualmente para passar três dias num ambiente estranho. Se bem que eu poderia levar o computador, mas, enfim, não vou. Acho que ele já deve ter zarpado. Não gostei que a postagem do meu blog, que só publico em grupos de escritores, tenha aparecido, não sei por que cargas d’água, na minha página principal. Não quero que meus amigos leiam. Pois aí sentiria a necessidade de ser mais cauteloso. De medir palavras e temas abordados. O que é um saco. Espero que não ocorra mais. Não entendo de Facebook e porque isso se deu, mas vou tentar apagar o a postagem de lá.

14h53. Apaguei e me perdi no Facebook, principalmente lendo um trecho de Foucault que uma querida amiga publicou. Me identifiquei um pouco, pelo pouco que entendi, pois o que faço aqui senão uma constante investigação de mim e do pequeno mundo que me cerca? A diferença é que estou me isolando cada vez mais, deixando de ser um ser social. Isso me incomoda, mas confesso que meu espírito não é mais de baladas, mas de um vinho com os amigos. Eu na Coca, é claro. Odeio vinho, por sinal. 14h56. Já deixei a porta do quarto aberta e tirei o som para ouvir a possível chegada do meu amigo cineasta. Incrivelmente, não estou ansioso com as filmagens. Estou mais ansioso em ir para a Casa Astral sozinho hoje. Para ser sincero, não sinto a mínima inclinação de fazê-lo. Talvez nem vá. Ainda mais com esse tempo incerto, esse chove e para. Vou pegar Coca. 14h59.

15h01. Foi só falar, começou a chover de novo. Acho que não vou. Casa Astral não combina com chuva para mim. Confesso que não faço, mais das vezes, uma investigação muito aprofundada sobre mim como deve sugerir Foucault. Mas faço o que me dá prazer e pouco se me dá se é superficial ou profundo. Escrevo pelo simples prazer de escrever e isso me basta. Não sou filósofo – talvez me torne um pouco mais após ler “O Mundo de Sofia” – sou apenas eu. Eu e meu Word, que, por sinal, não travou, apenas ficou com a tarja vermelha indicando falha de ativação no topo do programa como havia comentado em outro post. Graças. Vai ficar feio no filme, o escritor ter uma cópia pirata de sua ferramenta de trabalho, mas é o que é. E não vou gastar 400 reais para mudar isso. Nem tenho tempo para tal feito. Meu amigo deve estar chegando a qualquer momento. Minha mãe e meu padrasto dormem ou cochilam, sei lá. A cozinheira já foi, então me sinto meio que só em casa. O problema é que minha mãe trancou a despensa e a Coca está no fim. Acho que, no máximo, dá para dois copos. Claro que oferecerei um ao meu amigo, o que me deixará apenas com mais um copo para beber até que decidam sair do quarto. Se o desespero bater, bato na porta e peço a chave para pegar outra. Vou limpar meus óculos, estão muito sujos e atrapalhando a minha visão. 15h12.

15h24. Não tenho muito o que dizer no momento. Acho que vou dar uma olhada no Facebook do meu alter ego de bonecos.

15h29. Meu amigo cineasta me mandou um WhatsApp. Está subindo.

16h14. Ele trouxe um equipamento bem profissional para a filmagem. Demorou até agora para montar tudo. Há luzes até, para compensar a iluminação deficitária dessa tarde chuvosa. Engraçado, não estou muito intimidado com a câmera. Talvez por ser o meu amigo filmando. Ou porque ele botou de um ângulo muito baixo, se bem que quando eu olho para baixo, para o teclado, eu o vejo com o canto dos olhos. É uma experiência. Eu não sei bem o que escrever estão me reservarei a registrar as minhas impressões desse momento. Queria que ele mencionasse a Singularidade nos textos que fosse selecionar do meu blog, mas darei a ele total liberdade para escolher o que quiser. Afinal é o filme dele. O que me desagrada é o fato de simularmos que é meu aniversário. Queria que fosse o mais real possível. Que fosse o dia de hoje, 23 de junho de 2017. O início desse um ano de filmagem. Esporádica, pois é raro ele vir aqui.

16h27. Tivemos uma pequena conversa sobre cinema. Sobre Hitchcock, para ser mais específico. Sobre a diferença entre suspense e terror. Suspense é quando o espectador sabe que há uma bomba embaixo da mesa onde a família janta e não se sabe se ela vai explodir ou não. No terror nem o espectador nem a família sabem que há uma bomba embaixo da mesa e supreendentemente a mesa explode. Gostei da definição e não teria como não gostar vinda de um dos maiores mestres do cinema, que começou, segundo o meu amigo, fazendo cartelas de cinema mudo, as letrinhas e tudo o mais. Mas agora parece que a filmagem começou para valer. Estou um pouco intimidado, mas seguirei escrevendo, dentro do meu espaço protegido que são essa tela e essas letras. Espero não cometer muitos erros de digitação. Bom, acabei de encher o Vaporfi, para dar mais dinâmica à narrativa. Hahahahaha. Estou fumando, e escrevendo. Se fosse para ficar real mesmo, eu teria que botar Infected Mushroom para tocar, pois é o que sempre faço. Minha cabeça não sabe mais o que dizer no momento, mas tenho que pensar em alguma coisa, para que a filmagem tenha alguma continuidade. Ele mexe na câmera. Eu tento fingir que não há uma apontada para mim. A iluminação que ele pôs é muito semelhante à do quarto. Porém assim, com mais luz, me é mais agradável. Ele mudou a câmera de posição, não faço a mínima ideia do que esteja captando agora ou se ainda vai captar. Minha mãe trouxe o disco de Mallu para cima. Gostaria que ela o mantivesse no carro e ouvisse. Vai ver que não gostou. Espero que dê mais uma chance. Ou duas ou três. Mas presente dado, missão cumprida. Não posso fazê-la escutar o que não lhe agrada. Tudo bem que seria legal se ela curtisse o presente, mas pouco se me dá. A felicidade dela ao recebê-lo foi o suficiente. Espero que tenha mais sorte com as minhas amigas psicólogas.

16h43. Tenho a câmera bem perto de mim nesse momento. Estou fazendo o máximo para parecer normal. Graças aos céus tenho o meu computador para me distrair. Essa é a minha principal forma de distração. É meu escape. É o que preenche o meu vazio existencial. É a minha vida, enfim. Eu passo os dias a escrever ininterruptamente, por mais que nesses últimos dias esteja retomando o hábito de ver filmes e tentando acompanhar o noticiário sobre os escândalos da política nacional. Estou com vontade de ir pegar mais Coca e é o que vou fazer.

16h53. Deveria poupar assunto, mas não vou. O meu amigo cineasta foi conversar com a minha mãe e meu padrasto na varanda. Por algum motivo sinto um bloqueio em participar da conversa. Acredito que, se me sentar lá, eu vou prolongar ainda mais a conversa e empatar as filmagens.

16h58. Ele voltou. Alterou as luzes para compensar a tarde que vai caindo bruscamente. Não é realmente o melhor período do ano para luzes, visto que o tempo anda num constante nublado. Estou curioso para ver como ele vai extrair conteúdo visual de um homem que escreve. Um homem, não, um adolescente num corpo de 40 anos. Um quase ancião que se recusa a crescer. A minha vida como ele vai ver não tem muita variedade.

17h05. Conversamos um pouco agora sobre autodepreciação, e autopiedade. Meu padrasto vai descobrir que eu fumo Vaporfi no quarto, porque depois de pronto vai querer ver o filme.

17h20. Acabei de falar com Maria, desejando-lhe feliz aniversário. O meu amigo disse que foi um take bom. Que bom, espero que se utilize da conversa. Eu ia escrever o que eu ia falar para ele, que doideira, deu um tilt na minha cabeça. Hahahahahaha. Queria que ele captasse detalhes do meu quarto para ilustrar a minha vida. O meu quarto-ilha. Estamos conversando.

Um filme sobre um homem que escreve. Que dinamismo isso terá? Pelo menos, com as nossas conversas talvez haja algum tipo de depoimento, de conteúdo falado que acrescente algo à narrativa. É impressionante, a quantidade de filmagem que um cartão de memória desses pode armazenar. Estamos filmando há cerca de uma hora, hora e meia, com algumas interrupções, é vero, mas mesmo assim. Pensei que era uma coisa que acabava em minutos. Bom, mas continuemos escrevendo, divaguei agora. A coisa é que acabou meu copo de Coca e eu preciso de outro, mas temo que meu amigo cineasta, que agora está na frente da porta, encerre as gravações. Paramos uma vez mais para conversar, talvez ele vá para a Casa Astral, o que seria uma ótima para mim, pois teria alguém com quem interagir lá. Alguém muito amado e querido cuja presença é uma raridade nos dias de hoje. Lembro de nós bem mais jovens, no carro do meu tio, indo para o cinema, quando a turma do prédio toda morava aqui e éramos muito unidos. Período ótimo da vida. Tirando alguns percalços com a minha segunda namorada. Culpa minha, obviamente, ela era totalmente apaixonada por mim, eu é que não soube retribuir esse amor exigente. Ele mudou a câmera de lugar de novo, aproximou de mim uma vez mais. Está bem na minha cara agora. Aparentemente, eu sou um ator natural, pois estou conseguindo fazer de conta que a câmera não está aqui. Por outro lado, ela está completamente presente no texto. Isso meio que dilui a minha vontade de olhar para ela. Estou digitando e ele deu um tapa agora bem na minha cara, que susto danado eu levei. Essa foi até engraçada. Meu amigo está conversando, não consigo me concentrar na escrita, o que não é ruim, é ótimo, mas acho que não é isso que ele quer captar com a câmera, acho que ele quer me captar escrevendo. Ele estava me mostrando um jogo de basquete no celular incrivelmente bem feito e desenvolvido pela 2K que é uma grande desenvolvedora de games para videogames.

19h12. Ele foi embora. Vai para a Casa Astral. E vem aqui me pegar. Perfeito. Espero só que cheguemos antes de lotar, pois acho que hoje vai lotar. A não ser que chuva espante o público. Ele disse que eu posso falar, não preciso só digitar. Que bom. Eu acho. Isso acrescenta algum conteúdo a uma coisa que de outra forma seria muito estéril. Ele quer a coisa bem real. Massa, estamos em sintonia em relação a isso. Mas falar acho uma boa ideia, se me der na telha, é claro. Não me daria nesse exato momento, pois o meu eu antissocial está se manifestando. Estou com sono. Por mim tiraria um cochilo antes de ir para o forró. Acho até que daria tempo, mas não quero arriscar e pegar em sono profundo, não ouvindo o aviso do WhatsApp dele dizendo que está vindo. Não posso me esquecer de levar o meu copo rosa, é essencial para o meu aproveitamento da festa. Preciso comprar uma carteira de cigarros também para a noite. Queria achar o meu sapato antigo.

19h38. Achei meu sapato, atendi a três telefonemas (minha avó, engano e telemarketing) e comi quase todo o resto do bolo de milho (é bem verdade que havia muito pouco bolo de milho restante). Estou com sono, quase fazendo um café para mim. Ainda não assimilei a experiência da filmagem, está tudo ainda muito novo para mim. Mas confesso que achei que olharia inevitavelmente para a câmera e, para a minha surpresa, se olhei foram algumas vezes por microssegundos.

19h56. Estou sem saco de ir para a Casa Astral, mas vou, pois a companhia do meu amigo vale a pena. Vou ligar um pouco o ar. Ou abro a janela? Vou abrir a janela. Está chovendo. Que ozzy. Talvez com essa chuva até desistam da Casa Astral. Estou com vontade de fumar um cigarro de verdade. Mas vou segurar no Vaporfi mesmo. 20h09. Ao pensar em mandar o diário do Manicômio para um concurso literário eu percebo o quanto me envergonho dele. Quanto acho bobo e sem substância. E tedioso. E repetitivo. Não acho que Mallu tenha muito apego pela filha, pela forma como fala da criança. Me lembrou como me referiria a uma. Hahahahaha. Posso estar redondamente enganado. Espero estar. Como miraculosamente eu poderia me tornar um pai maravilhoso. Não, essa parte não aconteceria. Não acontecerá. Não tenho paciência. Não vai ser nessa encarnação que me reproduzirei. Já tenho problemas demais para carregar só a mim pelo mundo, que dirá com uma criança. É muita responsabilidade para quem tem ojeriza, repúdio a responsabilidade. E com a vida sexual que eu tenho as chances de algum acidente acontecer são mínimas. Hahahahaha.

20h43. Acho que se formos nesse horário, pegaremos uma fila para entrar, se conseguirmos entrar at all. Vamos ver o que rola, estou nas mãos do destino. Do destino do meu amigo cineasta e sua esposa. Estou sem inspiração para escrever. Geralmente frases com essa me dão um gás para escrever, mas o problema é que estou com sono e já disse muito hoje. Vou dar uma olhada no Facebook dos bonecos.

22h33. O destino – e não, não foi o casal – não quis que eu fosse para a Casa Astral, quando chegamos lá, os ingressos estavam esgotados. Amigos deles haviam comprado os ingressos para eles, mas não contavam obviamente comigo, então nem desci do táxi, voltei. Não tem problema acho que, com essa chuva e lotado, o evento não iria fazer a minha praia mesmo. O que valeria era a companhia do meu amigo, da qual privarei amanhã num encontro que é muito mais a minha cara, pois será cheio de amigos e conhecidos. Espero que amanhã faça sol. Ou que pelo menos não chova. Muito. O que me resta fazer é escrever aqui ou ver um filme. Por enquanto fico com a primeira opção. Confesso que estou aliviado por não enfrentar o inferno Astral. Gostou do trocadilho? Infame, eu sei. Hahahahaha. A chuva deu uma trégua. Ainda bem para eles, coitados, estão no meio da maior muvuca, para comprar cerveja deve estar um inferno. Espero que aproveitem alguma coisa. É uma rotina corrida danada a deles nessas viagens relâmpago, mil e um eventos para ir com curtíssimo intervalo de tempo entre eles. Adoro ouvir o meu iPod. Coloquei plugado no som para que descarregue logo e eu possa colocar para carregar e levá-lo amanhã completamente carregado para o evento. Gostaria muito que as minhas amigas psicólogas fossem. Parece que vai ser nas Graças e elas moram perto e conhecem a galera. É difícil, mas não impossível. Talvez tenham viajado, não sei. Novamente, o destino dirá. Já me bastam as pessoas que sei que irão. Ainda pensando sobre a filmagem e o fato de poder falar durante ela. É uma oportunidade curiosa que não sei como utilizarei e se utilizarei. Teremos um ano para captar isso. Um ano é bastante tempo. A depender de quantos encontros se deem nesse intervalo. Nossa, adoro o meu iPod, só músicas que eu amo, agora “Breathe”, B-side do Cure. Poderia, eita o “poderia” foi a palavra de número 2777, que coincidência eu ter olhado. 22h51. O iPod já está sinalizando “battery low”, com a voz de um cara que não sei por que não puseram de mulher. Ou a opção de escolher entre um gênero ou outro. Ainda mais para dar uma notícia chata dessas quando não se tem onde carregar o iPod, o que não é o meu caso agora, claro. Mas seria se eu estivesse na festa. “Blue Moon Revisited” do Cowboy Junkies. Uma das baladas mais perfeitas já gravadas, na minha modestíssima e inculta opinião. Eu que não conheço muitas baladas. Baladas para dançar junto, digo. Para falar a verdade só conheço essa e “As The World Falls Down” de David Bowie, que também consta no iPod. “O Vento” do Los Hermanos. Adoro. Isso me lembra que tenho o documentário que comprei para assistir. Mas para isso teria que desmontar o Wii U ou o PS3 para plugar o Blu-ray player. E nem lembro mais se ele é bivolt ou não, nem se consigo enxergar as letrinhas na fonte dele, além de que desmontar o Wii U seria uma complicação. O monte de fios que tem aqui embaixo, vocês não têm ideia. Vou tirar uma foto. 23h06. Tirei. Vou bisbilhotar a internet um pouquinho.

Foco de incêndio?

23h11. A chuva castiga os Astrais. Que pena da galera. Espero que haja espaço dentro da casa e debaixo do toldo. E agora está caindo forte.

0h07. Fui comer e me deixei estar na internet. Não estou com mais disposição para escrever, acho que vem da saciedade da comida isso. Fico por aqui. Vou revisar para publicar.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário