segunda-feira, 12 de junho de 2017

DIGRESSÕES SOBRE A MORTE E OUTROS



Ao final de “Logan” – finalmente assisti com a minha mãe – fui assaltado por várias sensações familiares e boas, como se fossem premonições desconexas da minha morte. Ou assim percebi. Minha mãe tem sofrido bastante por conta da queimadura na axila. Ela acha que não vai durar muito. Verbalizou isso. Acha que está morrendo. Isso me preocupa. Queria que ela procurasse logo o psicólogo. Será que morrerei hoje? Seria surpreendente. Não me falta nada. Já cumpri o que tinha que fazer na aqui na Terra, é tudo uma espera pela morte agora. Claro que queria namorar novamente, com calma e cuidado, sem partir logo para o sexo. Mas posso morrer sem isso. Acho que tudo o que estou escrevendo é uma grande asneira. Ainda tenho tempo de vida. Mas foi estranha essa sensação de morte. Não sei porque me veio. Não gosto da sensação de morte de mamãe. Da minha, a acolho, mas não queria morrer agora. Queria digitar...

0h26. Fui fumar um cigarro de verdade no hall de serviço. Ouvi o elevador subindo e pensei que poderia ser Clementine. E não é que era de fato ela com o seu namorado? Seria curioso se fossem as últimas duas pessoas que me vissem vivo. Não sei que emoções despertariam neles, mas acho que poucas. Quase nenhuma, pois os vínculos são muito frágeis, quase inexistentes. Falam comigo por mera cortesia social. Estou com uma leve dor de cabeça, mas não acredito de fato que vá ter um derrame ou um ataque fulminante do coração e morrer no meio da noite. Amanhã será um domingo tedioso, prévia indesejada da segunda. E muitas segundas se seguirão até o meu fim. Não sei nem por que estou escrevendo tais delírios funestos. Acho que vou colocar Infected Mushroom para rolar. Nunca mais ouvi. Kurt Cobain deu um tiro na cabeça. Quantas vezes cogitei nessa possibilidade. Aliás, contratar alguém que fizesse o trabalho por mim. Nunca consegui. Faltou-me coragem. E não quero morrer agora. Embora a morte venha muitas vezes sem maiores avisos. Botar IM para ouvir.

0h40. Gostaria de saber por que essa sensação de morte me assaltou. Como uma série de microflashbacks de sensações prazerosas seguidas por uma intuição de que iria morrer. Seria uma pena morrer sem ter todos os meus bonecos dispostos no meu quarto reformado para recebê-los. Mas tudo isso torna-se irrelevante, pois da vida nada se leva. Gostaria de levar a cabo o projeto Aurora, se ainda houver Aurora em meu peito depois de tanto tempo. Acho que ainda vai haver. Como resquício de Clementine ainda há, ainda bem que de forma bem mais branda e menos pungente que no passado não tão distante. Mas não tenho por que falar da minha morte pois acho que essa não vai ser minha última noite na Terra. Ainda guardo esperanças de presenciar a Singularidade. Mas não muitas, elas foram abaladas pelas opiniões dos naysayers, sou facilmente impressionável por críticas. Elas sempre me parecem mais verídicas que argumentos positivos. Talvez por ter ouvido tantas de pessoas que tinham gigantesca ascendência sobre mim. Não sei bem o que estou escrevendo. Só sei que se tiver morte cerebral quero que meus órgãos sejam doados e se morrer de modo mais inútil gostaria que meu corpo fosse doado para uma Faculdade de Medicina para dissecação em aulas de anatomia. Em último caso, cremação. Não quero enterro. E quero que a Gatinha distribua meus bonecos e videogames para crianças carentes. Esse tom de despedida não condiz com a realidade, não é porque fui acometido dessas sensações e estou com dor de cabeça que a morte me ronda. Acredito que, se a ciência médica não evoluir, minha morte vá ser lenta, incapacitante e repleta de sofrimento. Não sei por que encasquetei com isso, mas tenho essa crença desde que comecei a fumar muito. E de ver parentes tendo ou morrendo por conta de câncer. Acho que é mal de família. Acredito que seja uma sina minha. Acho que vou digitar mais do caderno da internação. Não estou com disposição para escrever aspirações para a minha morte. Quando encher o saco, volto para cá. 0h56. Já é domingo e continuo vivinho da silva. Ao caderno, então.

1h46. Vou me preparar para dormir.

-x-x-x-x-

15h22. Como previ acordei vivo. A impressão de morte nada mais foi que isso, uma impressão. Não tenho almoçado. Isso para mamãe é um caso de evitar a “família”, ela e meu padrasto. Fato é que não estou com fome nenhuma. Fato também que acho que eles se dão melhor almoçando sós, pois conversam suas conversas entre si, eu seria um ser alienígena ao universo pessoal deles. Minha mãe está superiormente alegre hoje. Porque a queimadura em sua axila finalmente parece melhorar aos seus olhos e porque acho que tomou vinho. Que meu padrasto não saiba. É da política de saúde dele que ela nunca mais beba na vida. Acho severo demais de sua parte. Não posso botar o Spotify aqui, pois minha mãe o está usando na cozinha a partir do seu celular. Não possuímos conta família, apenas uma conta individual que ela usa do celular e eu do computador. Deixe que ela aproveite um pouco o serviço, eu o uso a imensa maioria do tempo. E ela está num astral tão bom, só diminuído pela minha ausência no almoço.

15h40. Guardei parte do almoço na geladeira a pedido dela. Ela achou que eu apareci na cozinha logo após o almoço deles para comer. Eu reiterei sinceramente que não estava com fome. Mas ela acertou que só me arrisquei a ir para a cozinha quando ouvi meu padrasto se fechar em seu escritório, ou seja, quando haviam acabado o almoço.

16h05. Acho que vou assistir um filme “Life” que é classificado como horror e sci-fi no site que baixo. Acho que a produção deve ser bem cuidada, o que conta muito em filmes de ficção científica, dados os atores envolvidos. A nota o IMDb foi baixa, mas a de “Logan” foi alta, entretanto, ficou aquém das minhas expectativas, mais altas ainda. Fiquei decepcionado e não consegui realmente criar um vínculo afetivo com os personagens, o que é essencial para a boa apreciação da película. Meu pai é que costumava chamar filmes de “película”, acho que hoje nem usam mais isso, é tudo digital. Mas deu para entender, eu creio. Falava sobre morte. E velhice me assombra muito mais do que morte. Vejo minha mãe, debilitada por diversas razões da velhice e isso me assusta. Não incapacitada, mas debilitada. Não sei quantos anos restam de uma coisa para a outra. Tudo isso me assusta deveras, e temo pela minha velhice. Pela minha incapacidade, pela minha dependência. Por contrair, por exemplo, um enfisema pulmonar. Acredito na evolução da medicina e nela deposito todas as minhas fichas. Porém, é bom lembrar que a evolução da medicina é guiada pelo interesse da superpoderosa indústria farmacêutica. Que pode ao mesmo tempo acelerar alguns desenvolvimentos e brecar outros, por serem soluções mais baratas, logo menos lucrativas, para os males de saúde que afligem a humanidade. Só vejo solução para o fim dessa máfia com o advento da Singularidade. Mas talvez não veja isso, por ser uma ficção ou por surgir após a minha morte. Novamente não acho problemático deixar de existir, vejo problema no modo como deixarei de existir. Que pode ser lento, sofrido e doloroso.

16h30. Não quero que reformem o meu banheiro. O do meu padrasto, ou do ex-quarto da minha irmã, como queiram, já apresenta algum tipo de vazamento, pois já vi duas vezes a água saindo do banheiro e adentrando o chão do quarto. Não sei se é por causa da cortina que está curta, mas fato é que o meu banheiro não apresenta vazamento nenhum há mais de 20 anos. E não quero que isso mude. Gosto do meu banheiro do jeito que está. Quero que permaneça assim. O meu quarto já são outros quinhentos. Não quero mudar o piso tampouco, mas preciso de prateleiras adequadas para exibir minha coleção. O elefante branco que amealhei para mim. A verdade é que queria viver aqui nesse apartamento até a minha morte. Mas isso me parece cada vez mais uma impossibilidade. A que se me afigura é viver nos EUA quando a minha mãe se for. Isso não é um futuro que observe como agradável, visto que tenho toda a minha rede social aqui. Minha vida toda é fincada aqui em solo recifense. Ir para um país estranho viver com a família nuclear do meu irmão não é algo que me apeteça. Pois meu isolamento social não vai ser escolha minha, me será forçado. E inescapável. Aqui, tenho minhas saídas, tenho o CAPS, tenho amigos, colegas, conhecidos, família. Sei lá, é uma coisa que evito pensar, mas que vai e vem me assalta e me incomoda tremendamente. Não posso forçar meu irmão a mudar o seu destino para se alinhar ao meu. É muito mais simples e fácil o inverso. E irei sem reclamar. Mas provavelmente, não querendo ser trágico nem nada, cairei em depressão profunda com esta nova realidade. Como caí quando tive que me mudar de São Paulo para Recife sem conhecer ninguém aqui e tendo minha família distante de mim. Foi uma transição difícil e pensava em morrer todos os dias. Só se fez aceitável quando me mudei para cá, para este prédio e formamos uma turma superunida e onde conheci o amor e o desamor com minhas duas primeiras namoradas. Aprendi muito aqui. Depois houve a turma da faculdade, com quem muitíssimo esporadicamente me encontro. Encontrar com eles agora me assusta, pois não tenho intimidade mais nenhuma com a turma, cada um que tenha construído sua vida da forma que lhe foi possível, mas acho que colocaria todo o receio de lado se a ocasião se apresentasse. Eu poderia postar no Facebook uma mensagem dizendo algo como “Que tal um reencontro da turma de Publicidade da UFPE? Já faz tempo, né?”. Mas não farei isso, algo maior me impede. Minha mãe me mandou um e-mail da pré-venda dos ingressos da nova turnê do U2. Confesso que não estou nenhum pouco animado a ir. Acho que não vou, para ser sincero. É em São Paulo e talvez pudesse ficar na casa do meu amigo cineasta, mas admito que me falta a motivação para tanto. Ainda mais que terei acabado de chegar da viagem da Alemanha, que também não me agrada nem um pouco, para emendar em outra que não me fede nem cheira, ou se cheira, o odor não me agrada. Afora isso, os ingressos devem ser uma fortuna, os da área VIP, onde queria ficar, se fosse, provavelmente se esgotam em minutos e a verdade é que não estou com vontade de reencontrar Bono e companhia. Posso queimar a boca e à meia-noite estar com mamãe em seu computador comprando o ingresso, mas não me vejo nessa cena por enquanto. Pior que mamãe quer ir talvez para os EUA no final do ano para visitar o meu irmão, no meio da maior neve. Não queria isso também, por mais que seja uma oportunidade de trazer bonecos para o Brasil. Mas ir só por essa causa frívola não me apetece. Nossa, já estou na terceira página desse monte de nada que escrevo. Isso vai sempre me impressionar.

17h12. Peguei um copo de Coca. O estoque de gelo durará muito mal para hoje. Meu padrasto está na sala, logo não posso fumar um cigarro de verdade, o que anseio desde que acordei. Mas o título do post é digressões sobre a morte. Eu nem sei o que significa direito digressões, mas achei que a palavra cabia, desde que trate sobre a morte. Ficarei espantado, abestalhado se, depois de morrer, o meu eu continuar existindo. Se for como os espíritas pregam, eu não deverei “despertar” em um plano muito evoluído. Mas não acredito nessas crendices. Acredito que a mente humana tem potencialidades desconhecidas e que isso deve servir de justificativa para as experiências místicas de que muitos falam. Conversamos sobre o chá do daime e que foi uma experiência transformadora para o meu amigo que disse que tomou, porém ele disse que para quem é viciado ou está com a vida meio conturbada a viagem pode ser bastante pesada. Eu continuo tendo curiosidade, por mais que não me sinta emocionalmente preparado para a experiência. Sei lá, a vida me levará ao encontro ou desencontro dessa substância. Fato é que não queria morrer sem experimentar algo realmente alucinógeno. Conhecer essa parte de mim que fica obscurecida pela plena consciência. Senti que esse meu amigo anda muito solitário, tanto é que pegou meu primo-irmão e alugou-lhe os ouvidos aparentemente falando de sua vida pessoal. Sugeriria a ele um psicólogo, mas ele, até onde sei, é um, que talvez esteja vivendo num isolamento tão grande quanto o meu, porém sem as palavras para desabafar. Sinto meu corpo já apresentando a flacidez que é peculiar a idade que ostenta e isso me enche de desgosto pelo meu físico. Ainda bem que tenho os genes corpulentos da família do meu pai e da minha mãe, então não ache que vá ficar tão flácido como muitos por aí. O meu sedentarismo, junto com o fumo é que me destroem. E não quero abdicar nem de um, nem do outro. Me são muito preciosos para o meu bem-estar nesse aqui e agora, por mais custosos que me sejam no futuro. Queria perder o meu bucho, mas esse parece grudado em mim com firmeza e minha dieta, que anda muito capenga, não consegue expurgá-lo. Não queria ir à Alemanha. As passagens já estão compradas e uma tem o meu nome. Saco. Não queria ter uma morte na qual o meu corpo ficasse todo despedaçado ou disforme, uma morte por acidente de trânsito, por exemplo, ou da queda de um avião, porém queria uma morte rápida e indolor como essas. Pelo menos acredito que sejam rápidas e indolores.

17h40. Liguei o celular agora e vi toda a movimentação da minha turma, afora a sexta, não participei ou participarei de mais nada. Meu primo-irmão foi para as “Diretas Já” no Marco Zero. Nem sei se ainda está rolando. Amanhã tenho CAPS e não estou com nenhuma disposição para sair, prefiro ficar aqui falando sobre morte. Que programão. Hahahahaha. Pior é que sei que me arrependerei de não ter ido, mas só lembrei de ligar o celular agora.

17h58. Me perdi no Facebook, mas parece que a festa das “Diretas Já” ainda está rolando, vi uma filmagem ao vivo do local. Deu até vontade de ir. Mas como encontrar meu primo-irmão lá? Eis a questão. Parece que está tranquilo e não tão lotado quando poderia julgar. Eu tenho medo de onde a onda feminista vá parar. Temo que possa gerar uma antipatia das mulheres em relação aos homens, o que não é legal. As meninas daqui já são tão frescas, como o meu primo-irmão diz, imagina que olhar para a bunda da menina, para os peitos da menina é desrespeito agora. Algo que é intrínseco ao homem, na minha opinião, da mesma forma que a as fêmeas escolhem o pavão pela cauda. Não posso crer que olhar seja um ato de machismo, assim estamos criando um abismo social entre homens e mulheres. Elas estão criando. Se não querem ser olhadas por que não vestem burcas? Não gosto nem de tocar nesses assuntos polêmicos aqui porque posso perder leitoras. As únicas duas que sei que tenho. Talvez eu é que seja o machista da história e esteja desacostumado com os novos tempos. Antigamente quando me achava pior do que a bosta do cavalo do bandido, evitava olhar para as pessoas, olhava sempre para o chão. Agora que consigo olhar no mais das vezes para as pessoas, e aí incluem-se as do sexo feminino, não posso reparar nos detalhes que me agradam? A visão é o sentido mais importante para mim. É o que empresta mais sentido à vida, principalmente observar o que é belo. E muitas vezes acho peitos e bundas belos. Que mal há nisso? Se quiserem olhar minha bunda, meu bucho, minha cara, com intuito sexual ou não, não vejo problema algum nisso, mas o feminismo está indo por aí e acho isso de uma rigidez ideológica perigosa, que tende a afastar mulheres de homens. Vai ver que é a natureza se encarregando de controlar o crescimento populacional dos humanos com extremismos sociais, sei lá. Ainda bem que a parte que primeiro me agrada numa garota é o rosto, mas confesso que logo depois é inevitável uma análise do conjunto. Não acho isso moralmente errado ou acintoso para com as mulheres. É de minha natureza, ninguém me condicionou a isso. Não que tenha percebido. Acho que é simplesmente como os homens são. Eu julgo, sim, uma potencial parceira pela aparência. Infelizmente a beleza é algo que me agrada muito. Queria até que agradasse menos, mas sou assim, para o bem ou para o mal, geralmente para o mal, pois estou sozinho esse tempo todo. Já começo a duvidar se o verbo é “estar” ou “ser” sozinho. Achava horrível a ideia de que certas mulheres ficavam para titias, agora sou eu que me vejo nessa posição de ficar para tiozinho. Isso me soa tão antinatural, tão não-eu. Mas a solidão parece que fez casa na minha vida e está bastante agradada da sua morada. Eu poderia começar a jogar “Persona 4”. É só ligar o PS3 e jogar. Mas não tenho a mínima disposição. Morte, morte, morte... o que dizer mais acerca desse tema? Que cada dia é um dia a menos. Que me peguei com medo de que Aurora morresse? Ela vai morrer, eu sei, mas agora, seria uma dor inescrutável para mim. Ainda bem que foi só pensamento. Um pensamento que não me sei porque veio. Será que nutri por alguns instantes o desejo inconsciente de sua morte? Se sim, por quê? Não consigo alcançar uma maneira em que isso beneficiasse o meu ego. Aliás, só vejo uma, mas infelizmente não posso comentar aqui. E é deveras egoísta e deveras libertadora. Mas não desejo isso. Não desejo a morte de ninguém, só de doentes terminais em sofrimento. Já desejei, como disse, muito a minha morte, mas não mais. A não ser que perdesse a pensão da curatela. Isso me desnortearia por completo. Não sei se guardaria a paz de espírito que tenho agora graças a esse provento sem ele.  Me desestabilizaria financeira e emocionalmente. Não quero mais falar sobre a morte, se vier mais algo veio, quero só falar por falar. Vou pegar outro copo de Coca. 18h44.

18h54. Aproveitei que meu padrasto deu uma saída para fumar um cigarro de verdade no hall de serviço. Sobre o que falar? Estou tomado por um assunto que não encontra espaço nesse blog. Então pensarei em outros. Queria ter liberdade de tratar abertamente de tudo o que concerne a minha vida aqui, mas não é prudente, nem oportuno. Talvez um dia seja. Mas não nessa década. Talvez no final da próxima. Não quero que minha mãe por acaso leia nem o que agora coloco, imagine se expandir o leque ao que coloco no meu blog secreto. Mas não sinto necessidade dele agora. Posso falar aqui. Cada vez mais me desencanto com o boneco que comprei. É o anticlímax pós-compra. Não que eu queira ardentemente outro. Não há esse que me cause esse frisson, nem há coisa outra que eu queira comprar, talvez só mais e-liquid para o Vaporfi. Não sei se o que tenho durará até que a reposição venha. Gosto de como o meu amigo da piscina encara a sua idade com tranquilidade e até como sendo bem-vinda. Gosta quando alguém o chama de “coroa”. É um pensamento diametralmente oposto ao meu, que não quero crescer, não quero ser visto como coroa, que quero arrumar uma namorada com menos de 30 anos. Isso não vai acontecer, tenho que introjetar esse pensamento. É tudo fantasia. Vou ficar sozinho até o final da vida, essa é a realidade. Mas pretendo levar a minha ideia da caixa a cabo. Se tudo permanecer como está até que o momento se faça presente. Dentro e fora de mim. Acho que nem isso terei coragem de fazer. Guardo a caixa como um ás na manga, como a jogada decisiva da minha vida. Mas isso são asneiras que não posso repartir aqui. E não passam disso, asneiras, sandices. Queria mesmo era esquecer tudo isso. Literalmente apagar da minha memória, talvez uma das memórias mais preciosas que guardo. Talvez a memória mais preciosa. Mas se fosse me dada a alternativa, escolheria apagá-la da minha mente. Seria melhor em quase todos os sentidos. Seria melhor para todos, menos para mim e a maioria sempre vence. E prova como estou equivocado. Fico melhor de barba. Tenho um rosto demasiado disforme e feio, a barba vem delinear os traços um pouco, me emprestar um pouco de unidade a um rosto onde, ainda mais gordo, as partes que o compões parecem perdidas no bolachão que é a minha cara. Sou um cara feio, infelizmente. E mais infelizmente ainda, um cara feio que aspira por belezas sublimes. Sou um cara feio por dentro também. Já fui melhor, mas acho que depois de tantas internações e contato cotidiano com pessoas de moral duvidosa algo em mim se corrompeu. Afora o seu isolacionismo dentro da minha casa, onde vivo somente para essas palavras. Por sinal já estou na sexta página e já me expus demais. Porém, não sinto vontade de parar de escrever. Devia era estar digitando o caderno da internação, mas tenho achado aquilo tão vazio e chato que nem sei por que continuo digitando. Acho que para ser fiel à promessa que fiz para mim mesmo de que digitaria tudo e tentaria publicar. Só por isso. E por isso e porque este post já está muito extenso, eu vou digitar mais um pouco.

23h34. Digitei até que um trecho grande, acho que três ou quatro dias, mas já começo a divagar sobre coisas fora da internação e me contradizer em relação ao que havia dito previamente. Manterei assim, pois assim se deu. É um diário besta, exatamente nos moldes deste aqui só que escrito dentro de um sanatório privado onde meu grupo de amigos é um bando de viciados. Não há muito de interessante na narrativa, muitas vezes fico sem assunto e reclamando do tédio. Mas levarei a cabo. Preciso tomar banho e me preparar para dormir. São 23h39 e amanhã tenho CAPS. Mas confesso que não estou com o mínimo de sono. Por mim, ficava de virote aqui escrevendo até amanhã. É muito cedo para prever ou promover isso, entretanto. Espero decididamente a pré-venda de ingressos do show do U2 abrir para clientes especiais do BB, como minha mãe me encaminhou no e-mail que recebeu e que começará à 0h01 de amanhã, ou seja, dentro de alguns minutos. Quero ver os preços, só para ter uma ideia. Se me forem acessáveis os preços mesmo sem eu estar com o cartão de mamãe aqui para poder inclusive comprar se quisesse. Ela já foi dormir e acho que os ingresso se esgotarão rapidamente. Vai ser interessante acompanhar a movimentação, novamente se conseguir ter acesso.

0h32. Vi, esperei na fila virtual a minha vez e quando fui simular a compra a “Red Zone” que parece ser o melhor lugar do show e custa absurdos R$ 1.250,00 já estavam indisponíveis. Bom, o show do U2 eu perdi. Não sei o custo de produção, mas esse negócio vai movimentar uma grana preta. Se forem 50 mil pessoas, o que não é impossível, são 50 milhões de reais, por baixo. Digamos que o custo de produção seja 25 milhões de reais, já inclusos os cachês dos artistas. São 25 milhões de lucro. Uau. Não serei um dos financiadores dessa fortuna instantânea. Saberei em breve se a minha prima e seu marido compraram. Aposto que sim. Ele não perderia um show desses.

1h09. Me perdi nas notícias da E3, a maior feira de videogames do mundo. Confesso que nada me empolgou, tudo parece complexo demais e monotemático ou reciclado demais. É como se visse mais do mesmo em alta resolução. Acho que assim como vejo que a indústria de bonecos atingiu seu ápice e agora vai tender a encolher novamente e se estabilizar – ou até deixar de existir – os videogames estão passando por seu ápice e gradativamente vão minguar também, até que uma nova revolução se alevante nesse universo que hoje é mais lucrativo que a indústria de cinema. Mas isso são tudo especulações ou eu projetando o meu desinteresse por esses dois hobbies como sendo um fenômeno de massa. Mas não consigo ver o que virá depois do Xbox One X. Não tem mais muito para onde correr nesse formato que o Playstation e o Xbox seguem. Esse Xbox One X já oferece gráficos em 4K, para onde ir além disso? Sinceramente não sei. 1h39. Finalmente passou. Fui atacado por uma crise do que eu e meu padrasto julgamos ser um mal chamado proctalgia fulgax. É uma dor muito incômoda e, graças aos céus, rápida, não dura mais de quinze minutos. Mas são quinze minutos muito sofridos. Eu achei a de hoje leve, achei que não doeu muito o meu cóccix. Tem umas vezes que são de lascar. A anterior a essa foi bastante forte. 1h42 já. Vou dormir ou vou de virote? Não me decidi ainda. Acho que vou dormir. Algum dispositivo Bluetooth está conectando o meu som. Só espero que não seja o do vizinho. Tomara que seja o celular da minha mãe que ela deixou com o Bluetooth ativado porque estava ouvindo hoje. Mas acho que vi a palavra desktop quando estava conectando. Se for, ou é o do meu padrasto ou o do vizinho, pois mamãe não ligou nem está ligada a CPU dela agora. O lado ruim disso? É que não consigo conectar o meu desktop no som e pior estou ouvindo um CD e ele para porque aparentemente o som dá primazia às conexões por Bluetooth. Ozzy. Amanhã vejo isso. Espero muito que seja o celular de mamãe. E acho que vou dormir mesmo. Meu ombro está dolorido depois de tanta digitação no caderno. E isso já está com sete páginas. Vou colocar o despertador para as 8h00, pois estou sem a mínima coragem de tomar banho agora. Tomo quando acordar. O que também tenho minhas dúvidas que vá acontecer. Não custa tentar. Um café forte logo pela manhã pode ajudar no processo. Vou pegar o meu último copo de Coca da noite. 1h55.


2h00. Não resisti e comi um pedaço da barra de 500 gramas de chocolate meio amargo que mamãe comprou. Ou será de um quilo? Nem sei. Sei que foi muito gostoso. 

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