11h31. Estou com sono. A oficina de arteterapia foi massa.
Não a expressão artística usada (mosaico). Isso foi um saco. Mas tudo o que
foi dito pela terapeuta me tocou. Foram tantas coisas conversadas que nem
consigo enumerar tudo. Lembrei do meu processo de depressão, de como eu não me
encaixava naquele modo de vida, como a vida parecia sem sentido. Lembrei também
de quando era sociável e de como estou mais confortável comigo sendo
antissocial, não fora a culpa da cobrança que me faço de voltar a ser aquele de
antes, mas que preciso acolher que eu não tenho obrigação de ser aquele ser
social que eu era, que eu posso ser bicho do mato se assim estou mais de bem
com o mundo. Eu preciso me aceitar como gosto de ser, não como o resto do mundo
espera que eu seja. Ou então vou acabar adoecendo de novo. Se bem que ser bicho
do mato demais me incomoda, pois sinto que estou perdendo uma parcela da vida
que pode ser interessante e divertida. E que geralmente não é tanto assim
quando a situação se dá. Em verdade eu me sinto deslocado, desentrosado,
ansioso por não conseguir me socializar a contento. Em uma palavra, as minhas
interações sociais têm me sido ruins e penosas. As únicas pessoas com quem
realmente me sinto à vontade são minhas amigas psicólogas. Uma delas disse que
julho é um mês mais tranquilo para a gente se encontrar. Hoje é dia 5 de julho,
acredito que já posso mandar um Whatsapp para outra que tenho esse contato para
começarmos a pensar numa oportunidade de reencontro. Vou fazer isso quando
acabar de digitar aqui. Fiquei feliz em descobrir, quando fui agradecer à
terapeuta pelo grupo de hoje, que esta às vezes está sem saco de ser avó. Isso
me deixou mais tranquilo em relação ao meu desgosto em ser tio, em achar que é
um papel que não me cabe. Me foi outorgado pelo destino, meus irmãos se
reproduziram, parabéns para eles. Infelizmente, eles têm um irmão que não tem a
mínima vocação ou disposição ou disponibilidade de ser tio. Só a projeção de
ter que fingir desempenhar esse papel na inevitável viagem à Alemanha já me
deixa angustiado. A mesma coisa em relação aos EUA e os filhos do meu irmão.
Não quero, pelo menos não agora, ser ou fingir ser tio de ninguém. Não tenho
paciência. Ainda mais para crianças tão elétricas e indisciplinadas como as do
meu irmão. Pelo menos é assim que os imagino pelas imagens que recebo pelas
redes sociais. Os da minha irmã aparentemente são mais quietos, mas, mesmo
assim, não me sinto disponível para me focar neles e brincar com eles. Brincar
com crianças é algo que não gosto de fazer. Isso é uma deficiência minha que
deveria ser respeitada. Não tenho a mínima vontade de tentar reverter isso e
nem faço ideia de como fazê-lo. Entretanto vou à Alemanha e o convívio com os
pequenos me será inevitável. Como se dará essa interação é o que é o
"x" da questão. Vou fazer o meu melhor já sabendo que o meu melhor
não vai ser o que esperam de mim. Não é o que a minha mãe e as próprias
crianças esperam de um tio. Acho que diferente até a ideia que minha irmã e meu
cunhado fazem do meu papel como tio. Decepcionarei muita gente, mas não sei
como fazer diferente. Se minha mãe me pressionar com sua ira e suas chantagens
emocionais ou uma mistura de ambas as coisas, seu modo predileto de me coagir,
quem vai dar um ultimato sou eu. Direi que nunca mais vou à Alemanha. Queria
poder dizer que não faria mais nenhuma viagem para visitar meus irmãos, mas
adoro o meu irmão e tenho o frívolo interesse de trazer os bonecos para o
Brasil. Não houvesse as bonecas, meu ultimato seria mais abrangente. Espero
sinceramente que não cheguemos a tais termos. É bom já ir preparando minha mãe para
a realidade como ela se me apresenta, para que ela não vá pensando que eu me
transformarei magicamente num supertio quando chegar lá. Falarei que não tenho
interesse em fazer nenhum programa de e com crianças. Só o que for
absolutamente mandatório. Não quero ir conhecer parques, não quero dar
caminhadas. Não quero ir a bibliotecas. Na verdade, o que queria era ficar
aqui, não ir para a Alemanha, mas isso está fora de cogitação, infelizmente.
Não sei se adianta muito eu me aceitar como eu sou e ninguém ao meu redor me
aceitar. Vai ficar difícil assim. Acho que a melhor estratégia é essa, preparar
minha mãe, ter uma conversa franca com ela. Queria tanto chegar em casa hoje e
ela ter agendado o psicólogo. Mesmo que me cobrasse o mesmo. Não teria problema
nenhum, eu já tenho minha terapeuta em vista. Seria até uma boa para mim. Eita,
o grupo vai começar, continuo de casa.
15h42. Já estou em casa. No grupo falei justamente do medo
de enfrentar meus dois sobrinhos, de exercer o papel de tio. Disse que havia
todo um peso no papel de tio para as crianças, pelo menos era assim que via os
meus tios, como figuras de autoridade e sabedoria, como exemplos e que eu seria
um mal exemplo para as crianças. Falei do meu total desinteresse pelas crianças
e minha total falta de motivação para brincar ou lidar com elas, a minha
vontade era dizer não me perturbem, me deixem em paz! Chegamos a abordar um
pouco da minha infância onde me vi como uma criança solitária, pelo menos do
ponto de vista parental, pois meus pais trabalhavam muito. Pensando bem, acho
que até desenvolvi esse meu lado notívago para poder ficar mais tempo perto dos
meus pais, especialmente da minha mãe, mas não mencionei isso lá, me veio
agora. Pela escassez de tempo, as psicólogas sugeriram retomar essa questão no
próximo encontro e pareceram aliviadas que a viagem só se dará em setembro. Sei
que soo muito cruel falando assim dos meus sobrinhos, mas são as percepções que
eu tenho e com as quais preciso lidar. Enquanto não der o assunto mais ou menos
por encerrado na terapia, não conversarei nada com mamãe a respeito disso.
Nossa, estou morrendo de sono.
17h53. Divulguei o post anterior do Profeta nos grupos.
Também divulguei o que escrevi para o blog de bonecos nos grupos respectivos. O
do Profeta teve um começo com bom número de acessos, mas mudei agora para
acompanhar o de bonecos que acho que não vai chegar nem a 500 visualizações. O
do Profeta, eu espero que chegue a 30. Ficaria muito feliz com isso. Mas
voltando a falar das minhas neuroses, acho uma responsabilidade muito grande o
papel de tio, não me sinto apto a exercê-lo. Não escolhi ser tio. E odeio
responsabilidades. Então fica tudo muito complicado para mim. Ainda mais sendo
um mal exemplo, como eles provavelmente irão descobrir um dia que sou aposentado
por invalidez, viciado em drogas e bipolar, não o melhor exemplo de pessoa para
ninguém. Talvez eu ainda tenha um bom coração. A parte que não foi corrompida
pelas inúmeras internações. Há pessoas que gostam sinceramente de mim,
acredito. Mas gostam de uma pessoa que fui, não da que sou hoje. Eles
desconhecem a pessoa que sou hoje, desconhecem a dificuldade que tenho em
interagir socialmente e a falta de conteúdo, a cabeça vazia que tenho. Não
leio, não assisto TV (estou tentando ver o Jornal das 10), não assisto filmes,
não vejo seriados, nem videogames eu jogo mais. Só faço escrever e escrever. E
olhar Facebook de grupos de bonecos. Que assunto tenho para tratar com as
pessoas. O preço do novo busto do Hulk e seu peso excessivamente leve? Primeiro
que nem teria coragem de revelar aos meus amigos o valor pelo qual comprei,
aliás, estou comprando, só dei a entrada até agora, o busto do Hulk. Primeira
parcela só em agosto. Pelo menos ouço música, coloquei U2 em modo aleatório
agora. Por sinal “Ultra Violet” do U2 está com defeito no Spotify, ele só toca
2/3 da música e depois pula para a próxima. Aconteceu duas vezes no mesmo
momento da música, não pode ser coincidência. Pena que não divisei como
reclamar disso com a empresa. De qualquer forma me sinto um homem oco e frio
hoje em dia. É verdade que um homem que respeita muito mais as suas próprias
vontades, mas com uma frieza que só ouso revelar aqui, local que ninguém lê. Um
homem oco e frio, algumas vezes calculista, não pode servir de exemplo para
sobrinho nenhum. Ainda mais porque não nutre afeto, profundo ao menos, por tais
serezinhos. O que tenho mais intimidade por mais irônico que pareça, é o filho
do filho do meu padrasto. Isso porque a geografia ajuda e o vejo com muito mais
frequência que os demais sobrinhos. Os do meu irmão, acho que convivi em três
momentos. Os da minha convivi em três momentos também. E conviver é um
eufemismo, pois vivia isolado deles. Raras eram as vezes em que coabitava o
mesmo ambiente que eles. Não aguento o barulho de crianças. E os danadinhos são
barulhentos. Vai ser um desafio esta viagem, ainda mais estando no ápice do meu
comportamento antissocial. Isso é que é de lascar. E o mais de lascar é que
estou superconfortável vivendo assim. Não queria que mudasse, não queria me
mudar. Gosto de ser assim. Mas estou me forçando a me socializar para não me
fechar completamente e de uma vez por todas dentro do meu quarto-ilha, saindo
só para o CAPS. Se não acabar por abandonar o tratamento, que, para minha mãe
seria para a vida toda. Eu estava fazendo as contas aqui, eu não estou lá há
dois anos, estou lá há quase cinco anos, eu acho. No mínimo quatro. Será que
ficarei mais 20 anos lá? Seria curioso. E provavelmente uma anomalia dentro do
CAPS, ou melhor, Espaço Rizoma.
18h44. Acabei de saber que terei que ir a Boa Viagem para o
aniversário de um tio. Logo eu que não dormi de ontem para hoje, que timing.
Vixe. Mas não posso dizer não. É bom para exercer minhas aptidões sociais. Ou a
falta delas. O que quero mesmo é me sentar num lugar isolado e continuar a
digitar este post do celular. Lembrei que preciso digitar a carta que fiz sobre
o mosaico, que ficou muito malfeito, por sinal, mas como dizem na arteterapia,
não é para ficar bonito, não é competição artística, é para se exprimir através
de maneiras plásticas. Tirei uma foto e digito abaixo dela o que escrevi.
Quando voltar. Espero conseguir continuar escrevendo lá na casa do meu tio. Se
não der, não deu. Nem sei se quando eu voltar vou ter coragem de digitar mais
alguma coisa aqui de tão esgotado que deverei estar. Mas tentarei. Senão digito
a carta amanhã. Vou me mandar a foto que tirei do mosaico.
19h06. Pronto. Me enviei a foto, só falta chegar. Enquanto
isso, escrevo. Chegou.
23h58. Voltei da casa do meu tio afinal. Só que esqueci de levar
o celular. O deixei carregando. Sou um estúpido mesmo. Só percebi no caminho.
Então nada escrevi lá. Estava faltando luz e a iluminação foi feita toda à luz
de velas o que deu um toque especial ao encontro. Devido ao tempo ruim, as
vagas se formavam grande e fortes no oceano lá embaixo, um bonito espetáculo.
Não aguentei o sono e tirei um cochilo lá no sofá da sala. Foi bom que me
revigorou para escrever aqui. Sim, postar a imagem do “mosaico” e o texto
produzidos no grupo de arteterapia. Aviso logo que o meu mosaico foi o menos
interessante de todos. Aí vão ambos:
“A primeira coisa que me veio à mente foi o meu computador
porque ele é a minha ferramenta de trabalho, meu poço de diversão, o que me
acalenta a alma. Através do computador me manifesto, me exprimo, opino, nego,
compreendo. Através dele me mostro, me revelo. Para mim e para o mundo. Não o
meu mundo próximo, íntimo, mas para um mundo mais vasto, desconhecido. Que não
conheço, mas me dou a conhecer. As pessoas desse mundo distante me conhecem
mais e melhor que as pessoas com quem de fato interajo e coabito. Para estes
tenho vergonha de me mostrar assim tão desnudo e transparente. Sou três
pessoas, a do mundo que habito, a do mundo virtual e a do mundo dos bonecos. Se
busco reconhecimento tal qual eu coloquei no meio da tela? Acho que sim, que
tenho essa necessidade, mas essa necessidade é secundária à vontade de
simplesmente dizer. Dizer por hábito ou mania ou necessidade ou vontade.”
0h12. Pronto foi isto o que produzi na arteterapia de hoje.
Nada de muito inusitado, mas vocês, leitores têm o privilégio de acessar partes
de mim que a minha própria mãe desconhece. E espero que continue assim.
1h23. Me perdi numa polêmica no mundo dos bonecos.
Aparentemente o busto do Hulk não vai ser numerado. E ser numerado é algo que
agrega valor à estátua, empresta unicidade a cada peça. Além do que eles não
revelaram o material de que ela é feita, se polystone (ideal), resina
(aceitável) ou PVC (lixo). Tudo isso me deixa bastante decepcionado com a
estátua e com a fabricante, Sideshow. Para ser uma figura tão cara ela deveria
ser numerada e feita de polystone. Fiz o meu protesto no site da Sideshow e na
maior comunidade de colecionadores do Facebook. Sei que não vai fazer diferença
nenhuma, mas precisava tentar. Incrível que mesmo com todos esses percalços, eu
não pensei em nenhum momento em desistir da encomenda, mesmo tendo dito
exatamente o oposto nos posts, afinal era a forma de fazer algum tipo de terror
e pressão.
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