quinta-feira, 6 de julho de 2017

NEUROSES

11h31. Estou com sono. A oficina de arteterapia foi massa. Não a expressão artística usada (mosaico). Isso foi um saco. Mas tudo o que foi dito pela terapeuta me tocou. Foram tantas coisas conversadas que nem consigo enumerar tudo. Lembrei do meu processo de depressão, de como eu não me encaixava naquele modo de vida, como a vida parecia sem sentido. Lembrei também de quando era sociável e de como estou mais confortável comigo sendo antissocial, não fora a culpa da cobrança que me faço de voltar a ser aquele de antes, mas que preciso acolher que eu não tenho obrigação de ser aquele ser social que eu era, que eu posso ser bicho do mato se assim estou mais de bem com o mundo. Eu preciso me aceitar como gosto de ser, não como o resto do mundo espera que eu seja. Ou então vou acabar adoecendo de novo. Se bem que ser bicho do mato demais me incomoda, pois sinto que estou perdendo uma parcela da vida que pode ser interessante e divertida. E que geralmente não é tanto assim quando a situação se dá. Em verdade eu me sinto deslocado, desentrosado, ansioso por não conseguir me socializar a contento. Em uma palavra, as minhas interações sociais têm me sido ruins e penosas. As únicas pessoas com quem realmente me sinto à vontade são minhas amigas psicólogas. Uma delas disse que julho é um mês mais tranquilo para a gente se encontrar. Hoje é dia 5 de julho, acredito que já posso mandar um Whatsapp para outra que tenho esse contato para começarmos a pensar numa oportunidade de reencontro. Vou fazer isso quando acabar de digitar aqui. Fiquei feliz em descobrir, quando fui agradecer à terapeuta pelo grupo de hoje, que esta às vezes está sem saco de ser avó. Isso me deixou mais tranquilo em relação ao meu desgosto em ser tio, em achar que é um papel que não me cabe. Me foi outorgado pelo destino, meus irmãos se reproduziram, parabéns para eles. Infelizmente, eles têm um irmão que não tem a mínima vocação ou disposição ou disponibilidade de ser tio. Só a projeção de ter que fingir desempenhar esse papel na inevitável viagem à Alemanha já me deixa angustiado. A mesma coisa em relação aos EUA e os filhos do meu irmão. Não quero, pelo menos não agora, ser ou fingir ser tio de ninguém. Não tenho paciência. Ainda mais para crianças tão elétricas e indisciplinadas como as do meu irmão. Pelo menos é assim que os imagino pelas imagens que recebo pelas redes sociais. Os da minha irmã aparentemente são mais quietos, mas, mesmo assim, não me sinto disponível para me focar neles e brincar com eles. Brincar com crianças é algo que não gosto de fazer. Isso é uma deficiência minha que deveria ser respeitada. Não tenho a mínima vontade de tentar reverter isso e nem faço ideia de como fazê-lo. Entretanto vou à Alemanha e o convívio com os pequenos me será inevitável. Como se dará essa interação é o que é o "x" da questão. Vou fazer o meu melhor já sabendo que o meu melhor não vai ser o que esperam de mim. Não é o que a minha mãe e as próprias crianças esperam de um tio. Acho que diferente até a ideia que minha irmã e meu cunhado fazem do meu papel como tio. Decepcionarei muita gente, mas não sei como fazer diferente. Se minha mãe me pressionar com sua ira e suas chantagens emocionais ou uma mistura de ambas as coisas, seu modo predileto de me coagir, quem vai dar um ultimato sou eu. Direi que nunca mais vou à Alemanha. Queria poder dizer que não faria mais nenhuma viagem para visitar meus irmãos, mas adoro o meu irmão e tenho o frívolo interesse de trazer os bonecos para o Brasil. Não houvesse as bonecas, meu ultimato seria mais abrangente. Espero sinceramente que não cheguemos a tais termos. É bom já ir preparando minha mãe para a realidade como ela se me apresenta, para que ela não vá pensando que eu me transformarei magicamente num supertio quando chegar lá. Falarei que não tenho interesse em fazer nenhum programa de e com crianças. Só o que for absolutamente mandatório. Não quero ir conhecer parques, não quero dar caminhadas. Não quero ir a bibliotecas. Na verdade, o que queria era ficar aqui, não ir para a Alemanha, mas isso está fora de cogitação, infelizmente. Não sei se adianta muito eu me aceitar como eu sou e ninguém ao meu redor me aceitar. Vai ficar difícil assim. Acho que a melhor estratégia é essa, preparar minha mãe, ter uma conversa franca com ela. Queria tanto chegar em casa hoje e ela ter agendado o psicólogo. Mesmo que me cobrasse o mesmo. Não teria problema nenhum, eu já tenho minha terapeuta em vista. Seria até uma boa para mim. Eita, o grupo vai começar, continuo de casa.

15h42. Já estou em casa. No grupo falei justamente do medo de enfrentar meus dois sobrinhos, de exercer o papel de tio. Disse que havia todo um peso no papel de tio para as crianças, pelo menos era assim que via os meus tios, como figuras de autoridade e sabedoria, como exemplos e que eu seria um mal exemplo para as crianças. Falei do meu total desinteresse pelas crianças e minha total falta de motivação para brincar ou lidar com elas, a minha vontade era dizer não me perturbem, me deixem em paz! Chegamos a abordar um pouco da minha infância onde me vi como uma criança solitária, pelo menos do ponto de vista parental, pois meus pais trabalhavam muito. Pensando bem, acho que até desenvolvi esse meu lado notívago para poder ficar mais tempo perto dos meus pais, especialmente da minha mãe, mas não mencionei isso lá, me veio agora. Pela escassez de tempo, as psicólogas sugeriram retomar essa questão no próximo encontro e pareceram aliviadas que a viagem só se dará em setembro. Sei que soo muito cruel falando assim dos meus sobrinhos, mas são as percepções que eu tenho e com as quais preciso lidar. Enquanto não der o assunto mais ou menos por encerrado na terapia, não conversarei nada com mamãe a respeito disso. Nossa, estou morrendo de sono.

17h53. Divulguei o post anterior do Profeta nos grupos. Também divulguei o que escrevi para o blog de bonecos nos grupos respectivos. O do Profeta teve um começo com bom número de acessos, mas mudei agora para acompanhar o de bonecos que acho que não vai chegar nem a 500 visualizações. O do Profeta, eu espero que chegue a 30. Ficaria muito feliz com isso. Mas voltando a falar das minhas neuroses, acho uma responsabilidade muito grande o papel de tio, não me sinto apto a exercê-lo. Não escolhi ser tio. E odeio responsabilidades. Então fica tudo muito complicado para mim. Ainda mais sendo um mal exemplo, como eles provavelmente irão descobrir um dia que sou aposentado por invalidez, viciado em drogas e bipolar, não o melhor exemplo de pessoa para ninguém. Talvez eu ainda tenha um bom coração. A parte que não foi corrompida pelas inúmeras internações. Há pessoas que gostam sinceramente de mim, acredito. Mas gostam de uma pessoa que fui, não da que sou hoje. Eles desconhecem a pessoa que sou hoje, desconhecem a dificuldade que tenho em interagir socialmente e a falta de conteúdo, a cabeça vazia que tenho. Não leio, não assisto TV (estou tentando ver o Jornal das 10), não assisto filmes, não vejo seriados, nem videogames eu jogo mais. Só faço escrever e escrever. E olhar Facebook de grupos de bonecos. Que assunto tenho para tratar com as pessoas. O preço do novo busto do Hulk e seu peso excessivamente leve? Primeiro que nem teria coragem de revelar aos meus amigos o valor pelo qual comprei, aliás, estou comprando, só dei a entrada até agora, o busto do Hulk. Primeira parcela só em agosto. Pelo menos ouço música, coloquei U2 em modo aleatório agora. Por sinal “Ultra Violet” do U2 está com defeito no Spotify, ele só toca 2/3 da música e depois pula para a próxima. Aconteceu duas vezes no mesmo momento da música, não pode ser coincidência. Pena que não divisei como reclamar disso com a empresa. De qualquer forma me sinto um homem oco e frio hoje em dia. É verdade que um homem que respeita muito mais as suas próprias vontades, mas com uma frieza que só ouso revelar aqui, local que ninguém lê. Um homem oco e frio, algumas vezes calculista, não pode servir de exemplo para sobrinho nenhum. Ainda mais porque não nutre afeto, profundo ao menos, por tais serezinhos. O que tenho mais intimidade por mais irônico que pareça, é o filho do filho do meu padrasto. Isso porque a geografia ajuda e o vejo com muito mais frequência que os demais sobrinhos. Os do meu irmão, acho que convivi em três momentos. Os da minha convivi em três momentos também. E conviver é um eufemismo, pois vivia isolado deles. Raras eram as vezes em que coabitava o mesmo ambiente que eles. Não aguento o barulho de crianças. E os danadinhos são barulhentos. Vai ser um desafio esta viagem, ainda mais estando no ápice do meu comportamento antissocial. Isso é que é de lascar. E o mais de lascar é que estou superconfortável vivendo assim. Não queria que mudasse, não queria me mudar. Gosto de ser assim. Mas estou me forçando a me socializar para não me fechar completamente e de uma vez por todas dentro do meu quarto-ilha, saindo só para o CAPS. Se não acabar por abandonar o tratamento, que, para minha mãe seria para a vida toda. Eu estava fazendo as contas aqui, eu não estou lá há dois anos, estou lá há quase cinco anos, eu acho. No mínimo quatro. Será que ficarei mais 20 anos lá? Seria curioso. E provavelmente uma anomalia dentro do CAPS, ou melhor, Espaço Rizoma.

18h44. Acabei de saber que terei que ir a Boa Viagem para o aniversário de um tio. Logo eu que não dormi de ontem para hoje, que timing. Vixe. Mas não posso dizer não. É bom para exercer minhas aptidões sociais. Ou a falta delas. O que quero mesmo é me sentar num lugar isolado e continuar a digitar este post do celular. Lembrei que preciso digitar a carta que fiz sobre o mosaico, que ficou muito malfeito, por sinal, mas como dizem na arteterapia, não é para ficar bonito, não é competição artística, é para se exprimir através de maneiras plásticas. Tirei uma foto e digito abaixo dela o que escrevi. Quando voltar. Espero conseguir continuar escrevendo lá na casa do meu tio. Se não der, não deu. Nem sei se quando eu voltar vou ter coragem de digitar mais alguma coisa aqui de tão esgotado que deverei estar. Mas tentarei. Senão digito a carta amanhã. Vou me mandar a foto que tirei do mosaico.

19h06. Pronto. Me enviei a foto, só falta chegar. Enquanto isso, escrevo. Chegou.

23h58. Voltei da casa do meu tio afinal. Só que esqueci de levar o celular. O deixei carregando. Sou um estúpido mesmo. Só percebi no caminho. Então nada escrevi lá. Estava faltando luz e a iluminação foi feita toda à luz de velas o que deu um toque especial ao encontro. Devido ao tempo ruim, as vagas se formavam grande e fortes no oceano lá embaixo, um bonito espetáculo. Não aguentei o sono e tirei um cochilo lá no sofá da sala. Foi bom que me revigorou para escrever aqui. Sim, postar a imagem do “mosaico” e o texto produzidos no grupo de arteterapia. Aviso logo que o meu mosaico foi o menos interessante de todos. Aí vão ambos:




“A primeira coisa que me veio à mente foi o meu computador porque ele é a minha ferramenta de trabalho, meu poço de diversão, o que me acalenta a alma. Através do computador me manifesto, me exprimo, opino, nego, compreendo. Através dele me mostro, me revelo. Para mim e para o mundo. Não o meu mundo próximo, íntimo, mas para um mundo mais vasto, desconhecido. Que não conheço, mas me dou a conhecer. As pessoas desse mundo distante me conhecem mais e melhor que as pessoas com quem de fato interajo e coabito. Para estes tenho vergonha de me mostrar assim tão desnudo e transparente. Sou três pessoas, a do mundo que habito, a do mundo virtual e a do mundo dos bonecos. Se busco reconhecimento tal qual eu coloquei no meio da tela? Acho que sim, que tenho essa necessidade, mas essa necessidade é secundária à vontade de simplesmente dizer. Dizer por hábito ou mania ou necessidade ou vontade.”

0h12. Pronto foi isto o que produzi na arteterapia de hoje. Nada de muito inusitado, mas vocês, leitores têm o privilégio de acessar partes de mim que a minha própria mãe desconhece. E espero que continue assim.


1h23. Me perdi numa polêmica no mundo dos bonecos. Aparentemente o busto do Hulk não vai ser numerado. E ser numerado é algo que agrega valor à estátua, empresta unicidade a cada peça. Além do que eles não revelaram o material de que ela é feita, se polystone (ideal), resina (aceitável) ou PVC (lixo). Tudo isso me deixa bastante decepcionado com a estátua e com a fabricante, Sideshow. Para ser uma figura tão cara ela deveria ser numerada e feita de polystone. Fiz o meu protesto no site da Sideshow e na maior comunidade de colecionadores do Facebook. Sei que não vai fazer diferença nenhuma, mas precisava tentar. Incrível que mesmo com todos esses percalços, eu não pensei em nenhum momento em desistir da encomenda, mesmo tendo dito exatamente o oposto nos posts, afinal era a forma de fazer algum tipo de terror e pressão.  

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