sexta-feira, 4 de maio de 2018

À ESPERA


Mamãe ficou chateada com a mensagem que mandei. Qual seja,

“Mãe, me acorde amanhã de 9h30 com uma garrafa de café já pronta. Eu me levantarei. Faça isso todos os dias, que adequarei o meu sono de acordo. Só não venha me monitorar à noite, é desgastante para nós dois. Deixe eu administrar o meu sono. Há dias que quererei dormir mais cedo, noutros mais tarde. É um direito que me assiste. Me acorde todo dia às 9h30 com uma jarra de café pronta. Vamos ver se isso não vai funcionar. E aí você me terá de manhã como anseia. Kisses. Good night. :*”

Espero que ela respeite ao menos. Quem sabe não faça as tais garrafas de café? Hoje foi a faxineira fantástica que fez. Não recebi nenhum dos e-mails que tanto anseio e o som e o computador não estão se entendendo para variar. Teria que reiniciar o notebook, mas não estou com disposição de fazê-lo agora que comecei a escrever, às 10h46 dessa quinta coberta por fina garoa. A espera, a espera... a espera por algo esperado, muito ansiado gera-me muita ansiedade. E com ela pensamentos disfuncionais, de que tudo deu para trás. Tomara que não. Minha mãe acha que eu não devo cobrar os dados da incrível revisora, eu também acho que não. Dei a solução a incrível revisora e ela não se mexeu. Fiz o pedido, mais do que isso fica chato. Se já não está. Deixar a vida e suas estranhas curvas e surpresas se desenrolar. Está fora do meu alcance fazer alguma coisa. Se Seu Raimundo não me respondeu em quatro dias, só pode significar duas coisas, ou não vai responder ou vai me mandar uma resposta massa. Como não acredito na resposta massa, tendo a crer que ele não vai responder. Mamãe disse que vai ligar para o Cassi para ver se não consegue com a ligação um comprovante de residência, embora tenha se comprometido a procurar por um aqui em casa. Com cafeína a vida é outra coisa, ela é o espanta-tédio da minha vida. Não fora o café, sinto que agora estaria profundamente entediado. A falta de som é uma das coisas que me entedia, acho que dentro em breve reiniciarei a máquina. Antes posso colocar o “Homogenic” que está no toca-CDs para ouvir, embora ache que não vá rolar também. Vou tentar.

11h00. Pelo menos começou tocando. E pulando a primeira faixa, o que me decepciona. Não sei é falha do som ou do disco. Qualquer um dos dois é frustrante, pois só tenho esse CD do “Homogenice” e esse som. Que não pule na versão 5.1 que está em formato DVD no verso do disco que agora toca. Até agora está rolando “Joga”. Acho que publicarei o meu texto hoje, no final do dia, o de ontem. Tem umas partes que nem parece que sou eu que escrevo. Achei isso legal, ter emergido essa outra voz que não me é familiar, mas na qual me reconheço. Queria que emergisse de novo, trazia um lirismo que não me é peculiar. Não sei que danado eu fiz para ela surgir. Agora me lembro, tentei fazer um poema, por assim dizer, e fui tomado por um pouco de poesia. Não acredito que consiga produzir outro poema agora que acabei de acordar e Tico e Teco ainda se espreguiçam, mas vou tentar.

Corpo meu
Lar do meu eu
Somos indissociáveis
Não gosto do teu aspecto
Mas gosto da tua obediência
E resistência
Não as trocaria por corpo mais belo
E mais frágil
Podias ser mais gracioso
De movimentos menos brutos
Mas me contento contigo
Que é me contentar comigo
Pois eu emano de ti
E é através de ti que sinto e percebo
É graças a ti que sou
Findando tu, findo eu
Então um brinde à tua saúde
Que é a minha saúde
Ao teu riso
Que é meu riso
Que venha mais e venha solto
Sei mais não corpo meu
Sei que é meu único bem inalienável
Agora que a escravidão foi abolida
Sou escravo apenas das palavras
E tu, como canal para materializá-las
Também o é
Sei que preferias que te levasse a se exercitar
Mas sou mais de pequenos exercícios intelectuais
Com este que faço em teu nome
Sobre ti e mim
Essa relação que já foi mais conflituosa
E que hoje serenou mais
O que é bom para ambos
Se não cuido de ti
Também não te faço muito mal
Aparte alguns cigarros
Não parta agora corpo meu
Ainda há muito a ser dito
E um tanto a ser visto

11h18. Que besteirada. Apenas escrevi o que poderia ser um texto e o quebrei em linhas, não vi poesia ou lirismo em nada do que disse. Mas está dito, assim ficará. Mostrar o meu ridículo nem me apoquenta mais, o faço tão cotidianamente que me tornei inerte à vergonha de me mostrar de todas as maneiras. Ou quase todas.

11h23. Fui pegar mais uma xícara de café. Estou sem cigarros e acho difícil minha mãe me dar uma carteira hoje, mas vou tentar. Quando a vontade bater forte, depois do almoço, se conseguir almoçar com ela. Fazendo ela feliz com a minha companhia e por comer na hora, pode ser que libere a carteira. Isso é um jogo de manipulação, típico de um adicto. E eu estou sem cigarro nenhum e sou adicto do cigarro. Pode ser que não funcione. Pode ser até que me dê o cigarro sem que almoce com ela. Almoçaria se fosse uma farofa do resto da picanha.

11h29. Fui dar a ideia de uma farofa de picanha, mas mamãe a fritará fatiada com cebolas. Meio que me comprometi a almoçar com ela. Bifes de picanha são um prospecto que me agrada, pode ser que coma. Só não sei sobre o cigarro, mas estou otimista. Pode ser que me negue, a probabilidade é de 50%, é o acaso que vai decidir. Espero que a meu favor. Da mesma forma em relação a Seu Raimundo e a incrível revisora. Pelo visto vai ser mais um e-mail remoendo a espera da comunicação dessas duas pessoas que não têm a mesma urgência que eu em relação à minha obra. O negócio é relaxar e ver se achamos comprovantes de residência meus, recentes, aqui em casa, para que eu possa enviar o texto para o concurso. Tenho ainda menos esperança disso. Vou ligar um pouco o ar, estou com calor, acho que por conta do café quente.

11h49. Uma amiga com quem tentei puxar conversa ontem me respondeu enfim e batemos um papo. Pessoa superlegal. Muito feminista, mas com as devidas justificativas na ponta da língua, e com namorado, então é uma feminista de bom tamanho. Não é inimiga dos homens. Mas acha a sociedade, tal qual se organiza, injusta com a mulher. Também acho.

12h20. Estava até agora conversando com Nina. Ela aparentemente está bem. Tem tudo sob relativo controle o que é ótimo, afinal ninguém tem tudo sobre controle. E para ela a questão do controle é bem mais complexa que para os demais mortais. A vi bem, feliz, sentindo-se mais madura, afinal a experiência que vivemos amadurece, não tem como não amadurecer, ainda mais ela que começou nessa vida de internamento aos 19 anos, se não me engano. É muito cedo para começar nessa Via Crúcis de internamentos. Tenho até pena de ter ocorrido dessa forma, mas se ela acha que agregou algum valor a quem ela é hoje, tanto melhor. Ela é uma pessoa boa, obviamente possui todas as máculas e malandragens adquiridas nos internamentos como eu mesmo as carrego.

12h40. A questão do boleto – comprovante de residência – foi esclarecida, porém não solucionada. Ainda, ao menos. O pagamento do meu plano de saúde é feito através de débito em conta, então não enviam boletos, a moça que nos atendeu, disse que repassou o meu pedido de comprovante de residência para o setor responsável e repassou meu e-mail. Se houver solução, é essa. Só me resta esperar. Quatro e-mails em espera, plano de saúde, Seu Raimundo, incrível revisora e o ateliê de pintura. Nada me resta senão esperar. Mas já estou meio desiludido de que Seu Raimundo vá me responder. Segunda que vem, mando um e-mail perguntando, caso ele não me responda antes.

12h53. Nossa, já estou na terceira página de hoje! Nem senti. Hahaha. Mamãe me deu o cigarro, mesmo antes do almoço, julgou ser o dia válido. Ótimo, o prazo para recebimento da outra carteira era o que esperava mesmo. É o justo, é um com o qual consigo conviver sem precisar comprar cigarros extras. O problema é o meu amigo da piscina, que sempre me pede cigarros e isso dilapida a carteira. Tenho uma contramedida para isso que é levar apenas quatro cigarros, dois para mim, dois para ele. Mesmo assim, são quatro cigarros do universo de 20, por mais que dois quem fuma sou eu. Não os fumaria se estivesse aqui no quarto-ilha a digitar. Bem, que seja. É a vida e gosto da companhia do meu amigo da piscina. Se bem que não estou disposto a me encontrar com ele nesse sábado. Estou sem disposição de deixar o meu quarto-ilha. Um dia o Word vai se tornar tão esperto que quando eu começar a digitar quarto-ilha, ele vai me sugerir o complemento. Acho que o Swiftkey, o teclado do meu celular é assim já, embora não reconheça gramática, é um teclado com assistente bem mais inteligente que o do Word. Não sei se o Word em modo touch tem a opção de sugestão de palavras, nunca tentei. Nem me inclino a fazê-lo.

13h03. Agora que vi poque está com tantas páginas, escrevi uma baboseira em forma de poema, nem lembro o que disse no dito. Mas está lá, fica.

13h05. O que falar, se os acontecimentos da minha vida hoje dependem muito mais de terceiros que de mim mesmo? E assim será, essa espera, até que receba as devidas respostas. Será que a incrível revisora não está se comunicando comigo porque a menciono aqui? Acho que não. Eu queria saber o que danado é que não me enviou os dados para pagamento ainda. Isso me deixa supernoiado. De que ela vá dar para trás. Mas não vou cobrar, só depois que receber resposta do escritor. Ou seja, não sei quando. Espero que ele replique o e-mail que o mandarei na segunda, se até segunda não receber notícias suas. Bem que hoje poderia ser o dia das respostas, né? A vontade que tenho é a de pedir uma intervenção divina, mas não o faço nunca a meu favor e manterei esse protocolo. Até porque não acredito Nele. Seria desrespeitoso demais da minha parte e de um egoísmo sem tamanho. O livro nada mais é que um exercício de egocentrismo, então dispensável, por mais que seja um dos dois maiores sonhos da minha vida. Que seja. Ou que não seja. Já me encontro meio sem esperanças. Por mais que julgue estar sendo catastrófico. Talvez a minha amiga revisora apenas tenha esquecido de mandar ou só queira receber quando de fato puser a mão na massa, pode ser um detalhe pequeno circunstancial. Sobre o escritor, eu realmente não sei. A minha suposição catastrófica ou realista, sabe-se lá, é que achou uma grande porcaria e que para não me magoar se privou de comentar. Numa hipótese iluminada, ele gostou do material e está dando uma remodelada nele para torná-lo mais palatável. Só acho extremamente difícil acreditar nisso. A existência estaria conspirando muito a meu favor caso isso se desse, não acho que mereça tanto. Até porque acho o texto uma bosta hoje em dia. Acho que aí estou o rebaixando demais, mas acho que não se enquadra na forma de dizer que se espera de um livro. Não sei. Quem me dera o escritor achasse que a minha voz fosse diferente, o que não acho que seja o caso, mas, sei lá, com as minhas metalinguagens isso não torne a escrita um tanto diferenciada. Mas acho que seja um recurso batido, usado por muitos. Para mim a mais óbvia razão para não ter recebido um e-mail de seu Raimundo é porque ele simplesmente achou uma porcaria e não teve coragem de me dizer isso, prefere que eu quebre a cara de outra forma, se eximindo de me dar a triste notícia. Estou me coçando para mandar um e-mail para ele hoje. Mas vou segurar a minha ansiedade, exercer o meu autocontrole e só importuná-lo na segunda mesmo.

13h43. Tem hora em que o assunto me falta. Está tudo bem, desde que não me falte café. O café faz desaparecer quase que por completo o tédio, é uma verdadeira poção mágica para mim. Estivera sem ele, já estaria angustiado com o vazio que a existência agora se me afigura.

13h45. Vazios existenciais. É, minha vida, não fora a escrita, seria um enorme vazio. Ou quem sabe jogasse videogame? Hahaha. Sei que prefiro escrever a quase qualquer coisa. Acho que vou fumar um cigarro para ver se algum assunto se alevanta. Senão vou ficar remoendo sobre as respostas dos e-mails que espero receber.

13h54. Bom, espero que pelo menos o plano de saúde me mande alguma notícia mesmo que negativa. Queria que todos me respondessem mesmo que negativamente, para que eu possa tomar uma atitude. Ou deixar de tomá-la, sei lá. Mas a minha esperança torce por um final feliz. Acho que vou aproveitar essa falta de assunto para reiniciar o meu computador e ver se o som e ele se entendem. Não ainda, acabei de botar “Homogenic” de Björk para tocar novamente. E dessa vez começou da primeira, “Hunter”, que gosto. O clipe é invocado e fofo ao mesmo tempo. Fofo é uma palavra tão feminina, me sinto afeminado quando a uso. Não que me incomode, mas estranho. Espero que pelo menos o plano de saúde me contate e quiçá resolva o meu problema de comprovante de residência, mas duvido que o faça na hora do almoço. Nossa, como revolvo sobre esse assunto de e-mail, encheu, já. Vou parar de falar sobre isso mesmo que para isso seja preciso calar. Só falarei se receber algum. Isso mereceria honrosa menção aqui. Acho que vou divulgar o meu novo post.

14h34. Faltou luz por alguns segundos e meu computador desligou. Se perdi texto não foi muito nem interessante. Pelo menos agora o som e o notebook se entenderam e “Songs of Experience” volta a dominar as ondas sonoras do meu quarto. Experiência, é uma coisa que me falta. Senão não já teria dominado melhor a minha ansiedade. E olha que não me considero um cara ansioso, mas percebo que quando é algo que quero muito e dependo de terceiros, me torno altamente ansioso. Como criança à espera do dia de abrir os presentes de Natal. É ridículo isso e inevitável também. O negócio é relaxar o bigode, como dizem, e esperar. Como a minha prima crente disso, tudo a seu tempo, tudo no tempo Dele. Vamos ver o que “Ele” se ele vai viabilizar a minha obra ou não. Talvez...

15h40. A fantástica faxineira me pediu para sair do quarto para que pudesse arrumar. O que ia dizer é que talvez “Ele” ache que seja melhor que essa obra nunca veja a luz do dia. Ou será que sou eu que penso isso? Eu estou em cima do muro, mas a vontade de ver publicado é maior que o medo da rebordosa social que receberei. Sobre paciência, percebo que a minha anda curta para várias coisas. Para muitas coisas, coisas demais para o meu gosto. Estou muito focado no meu mundinho. Na minha escrita, nesse tempo imediato entre pensamento e sua manifestação em palavras. E estou sem paciência para situações que me ponham passivo, como assistir algo ou ler. Só se for algo de absoluto interesse para mim, o que é raro.

15h47. Meu amigo corretor está aqui no prédio, ou voltará para o prédio, está almoçando aqui perto. Posso encontrá-lo na piscina quando voltar. Mandei a mensagem sugerindo isso. Pelo menos é um evento para desanuviar daqui. E eu agora estou com o cacoete de olhar para a caixa de entrada do e-mail de dez em dez minutos praticamente, toda vez que me distancio do texto. Mas disse que não trataria mais disso aqui. Tratemos do meu amigo corretor. Acalentou por muito tempo o sonho de ser jogador de futebol, mas não conseguiu por motivos que ignoro, pois era o melhor jogador das peladas que fazíamos aqui no prédio. De toda sorte, a vida o fez corretor de imóveis e como o mercado está ruim por causa da crise, está de mudança para Portugal, tentar a sorte lá. Espero que seja bem-aventurado. É alguém por quem rezar, então, ó, mestre(a) do universo faça com que as coisas deem certo para o meu amigo em Portugal. Que tenha sustento honesto e digno e viva bem. Pronto, está pedido. Estou queimando muitos pedidos ultimamente. Mas acho que esse vale a pena, meu amigo precisa se encontrar na vida e talvez seja este caminho intercontinental a via para isso. Eu me encontrei na vida, graças. Se a minha vida não mudar, exceto pelos meus dois sonhos, eu estarei exatamente onde quero estar, fazendo exatamente o que quero fazer. Não estou num dos momentos mais inspirados, com a mente convoluta pela expectativa e espera, mas não trocaria de lugar com ninguém. Bem, talvez com Bono cantando para um estádio lotado. Isso demonstra a minha grandiosidade. Hahaha. Talvez trocasse de lugar com o eu que já recebeu os benditos e-mails. Esse eu que me aguarda sei lá quando. Mas não vou tratar disso. O cheiro de limpeza e seus produtos me é agradável e emprestam frescor ao ambiente. O meu quarto é tão caótico que, mesmo que se arrume, fica desorganizado, como se faltasse lugar para tantas coisas. Aliás, falta. Se reforma houver, a arquiteta vai pegar um baita pepino. Aparentemente só mando pepinos para que me presta serviços ultimamente. Hahaha. Quem aceitou que se vire para resolvê-los. Cansei de alertar e pagarei o preço combinado pela solução.

16h07. Nenhuma resposta do meu amigo corretor. Queria que meu amigo da piscina também arrumasse um caminho profissional para a sua vida. Peço só mais isso, ó, ser maior de todos os seres. Só mais uma coisinha que a casa da minha irmã role mesmo. Pronto, é só. Não peço mais nada esse ano. Ou espero não pedir. Que coisa mais idiota, eu a rogar para um ser que não acredito que exista. Mas a fé é algo meio irracional, embora abstrata, o que é contraditório, visto que abstrações são coisas que só seres racionais são capazes de conjurar, até onde sei. E sei muito pouco. Talvez a fé seja a forma de abstração primeira, pois as religiões existem desde que o homem é homem. Estou a me colocar em papel ridículo querendo opinar sobre um tema em relação ao qual não tenho o menor domínio. Sei que quando peço por alguém eu sinto fé, experimento a fé de que eu vou ser atendido no meu pedido, o que é deveras curioso, pois racionalmente eu sei que sou apenas eu falando comigo mesmo e não acredito que esse diálogo interior possa operar mudanças como as que rogo. Bom, as preces estão feitas para os meus dois amigos e minha irmã. Com esses, são quatro os pedidos que fiz esse ano. Está demais até. Não acho justo, ainda mais sendo pessoas do mesmo extrato social que eu, ou seja, da elite, por quem intercedo. Por outro lado, vendo-os perdidos e à deriva me sinto impelido a ajudar, nem que seja na forma de uma prece ateia. Hahaha. Estou trocando todas as bolas agora. Por falar nisso, preciso trocar de parágrafo pois já voltei do encontro com o meu amigo corretor.

17h17. Cheguei há alguns minutos do encontro com o meu amigo corretor. Tivemos um papo profundo onde chegamos até a debater qual o sentido da vida. Ele me pareceu bem mais maduro e cheio de conteúdos interessantes do que poderia julgar. Fez o melhor e o pior de si ao mesmo tempo, mas acredito ou espero que o saldo seja positivo. Me pareceu dessa forma. Realmente fiquei impressionado com sua mentalidade e a profundidade de seus pensamentos. Vê Recife como provinciana, com traços de uma sociedade do interior onde todos se conhecem e todos falam da vida um do outro. E mais, uma sociedade que tem o hábito de falar mal das pessoas pelas costas, o que me causou ainda mais temor em relação ao meu livro e reverberação social negativa que este terá. Mas não quero falar desse bendito livro agora. Já lhe enchi de palavras, já lhe dei uma cara que de nenhuma forma pode ser encarada com a final, mas é a que me preenche a cabeça agora. Já mandei para Seu Raimundo e para a incrível revisora. Só me resta esperar. E isso tem sido uma tarefa chata e difícil. Estou quase mandando um e-mail para a incrível revisora. Mas tenho que me conter e disse que não tocaria mais nesse assunto. Mas faz um tempo que não me apodero dele. Mas tentemos evitá-lo. Meu amigo quer um lar temporário para o seu cachorro. O plano final é leva-lo para a Europa e ele viver na casa dos pais da ex dele no sul da França. Ele não quer se desfazer do cão, mas não tem como levá-lo agora, então não quer doar para um dono novo. Quer que ele fique em algum lugar. Sugeri a Vila Edna ou a Granja. Ele aparentemente gostou das sugestões. Vai tentar botar as engrenagens para girar nesse sentido. Me vi pelo reflexo no elevador e realmente estou ficando corcunda de tanto escrever. É uma visão triste de um ser que, pela postura, parece ser ainda mais velho do que é, mas é preço pequeno a se pagar visto que estou fadado à solidão e amo a escrita. Não queria, entretanto, ter esta postura encurvada, não gosto dela.

17h42. Migrei do café para a Coca atendendo a pedidos e ordens da fantástica faxineira e da minha mãe respectivamente. Tanto melhor. Espero que as Cocas durem para hoje. Nossa, Coca com muito gelo é algo muito delicioso para mim. É um prazer quase que de um beijo de língua. É bom assim. Muito embora, nem sei se ainda sei beijar. Hahaha. Como disse, o celibato aqui impera. E do jeito que as coisas caminham, ou melhor, não caminham, esse celibato não tem hora para acabar. Minha vontade é mandar e-mails para Seu Raimundo e minha amiga revisora, mas tenho que me controlar. Tenho que me conscientizar que os dias são muito mais longos para mim do que para eles, quem tem urgência sou eu, que eles não têm pressa nenhuma. É difícil enfiar isso na cabeça e relaxar. Quando quero uma coisa, quero para agora. Coisa de adicto, eu acho. Pois vou ter que lidar com essa ansiedade e esperar. O plano é o mesmo, esperar até segunda à noite e então mandar um e-mail para Seu Raimundo. Em recebendo a resposta dele, contatar a minha amiga revisora. Eu vou acabar mandando os e-mails hoje. Estou me coçando todo para isso, mas tenho que focar em outra coisa, preciso ir no oculista. Fazer novos óculos, já vejo as linhas do texto curvas e a minha armação soltou uma lasca, o que me dá aparência de desleixo, que é muito real, mas que não precisa ficar estampada na minha cara. Meu amigo corretor disse que as mulheres reparam nisso. O que reparei das mulheres ultimamente é que acho que algumas amigas do meu primo-irmão não vão com a minha cara, especificamente duas que foram para a Casa Astral. “Landlady” toca. É uma bela música, se você tem Spotify deveria ouvir uma vez, sem preconceito. É a minha canção de liberdade. É realmente uma canção importante para mim. Quando tive uma ou duas horas de liberdade entre a escravidão do vício e o cárcere do Manicômio. E meu iPod morreu naquele fatídico dia sabe-se lá por quê. Muita energia negativa, talvez. Embora, se não acredito em Deus, nisso é que não acredito mesmo. Mas acho minha energia carregada e melancólica, sem vida, sem vivacidade, fechada, que impõe barreiras às pessoas, exceto às que deixo penetrar. Que cada vez são mais poucas e raras. Mas não acredito em energias, acredito em postura, como a pessoa se põe no mundo e me coloco de modo muito indisponível. Minha postura, o meu silêncio, o meu posicionamento, tudo evoca distanciamento, reclusão em mim mesmo. Preciso mudar a forma que me coloco no mundo, embora não haja interesse sincero para isso. Me interesso pouco pelo mundo, pela sua camada superficial que é onde geralmente orbito, visto que emudeço e não posso me aprofundar nas pessoas com quem estou convivendo. É um beco meio sem saída. Resta ter coragem de dar meia volta e sair deste beco e tentar novas vias. Coragem que me falta. Preguiça de ser diferente. Me sinto tão bem, seguro e acolhido com as palavras que me aceitam do jeito que eu sou e são do jeito que eu sou, pois elas são manifestação de quem deveras sou, que me basto nelas. Se saio à procura de uma namorada, estou me enganando, pois saio já certo de que não a encontrarei. Estou me isolando do mundo, estou indisposto para as pessoas, desinteressado delas. Ou talvez esteja interagindo com as pessoas erradas. Há pessoas cuja a companhia me desperta prazer. Mas é bom esse movimento de isolamento, pois, no caso de o livro ser publicado, o ostracismo será a única escapatória da crucificação social. O pior que omitir o tal fato do livro é roubar metade dele, não posso e não farei. Que me tachem do que quiserem. Quero a minha obra completa e completamente honesta. Pensar que a minha família paterna vai ler me deixa de cabelos em pé. Qualquer um que ler em verdade. A minha verdade é muito feia para os olhos do público. E há esse detalhe do meu maior segredo que vai ser o prego definitivo no meu caixão. Nossa, como queria que Seu Raimundo me respondesse. Queria tanto que ele gostasse da obra, mas parece não ser o caso. Só consigo ver essa publicação como uma atitude de um surtado em mania. Que não mede as consequências dos seus próprios atos. Um irresponsável que só faz se prejudicar a si mesmo. Porque grandes sonhos têm que ser tão caros? Estou quase mandando um e-mail para os dois que estão em posse do livro. Que agonia eu estou. Queria saber qual é logo a real. A espera me dilacera a alma. A resposta de Seu Raimundo pode nunca vir, por isso mereço cutucá-lo. A minha amiga revisora ficou de passar os dados na terça à noite e já é quinta. Só quinta. Faz muito pouco tempo. Eu estou sendo ansioso demais. Relaxe, homem. Se segure até segunda. São só mais quatro dias. Quatro enormemente longos dias. Mas é melhor que aperreio. Afobação não leva a nada e apressado come cru. Tudo a seu tempo. Ou tudo perda de tempo. Essa é que é minha grande dúvida se uma coisa ou outra e a queria esclarecida agora, já. Me aliviaria tanto mandar os e-mails hoje. Pelo menos o de Seu Raimundo, em verdade os dois. O plano de saúde também não respondeu, tampouco o ateliê de pintura dos bonecos. Ninguém tem todo o tempo do mundo como você, Mário. Tente relaxar, deixar as coisas fluírem com naturalidade, de acordo com o movimento universal. Seu Raimundo pode e deve ser um homem muito ocupado para dar atenção a um detalhe besta como a sua obra. Se for tirar pelo meu tio, todos irão dar para trás. Estou tão, mas tão ansioso que nem sei. Só faz quatro dias desde que você enviou a obra para Seu Raimundo, com um feriado no meio. Só faz dois dias que você pediu os dados para depósito da sua amiga revisora. Só ontem você mandou o e-mail para o ateliê. Já o plano de saúde deveria ter me respondido. Bom tudo no seu tempo, se esse tempo não chegar, o que fazer então? Esquecer né?

18h56. Fui fumar um cigarro. Mas continuo com essa agonia na alma. Que coisa chata. Tenho que esperar. E não consigo. Vou acabar mandando os e-mails hoje mesmo. Parece até fissura de droga, esse imediatismo todo. Essa agonia, essa impulsividade. Autocontrole, autocontrole, autocontrole. A recuperação é arte de se contrariar. O que poderia fazer para me desvencilhar disso? Ir para o Desabafos do Vate. Revisar o que escrevi ontem, acrescentar algo lá. É isso. Desfocar do danado do livro. Pode ser que as respostas estejam para chegar.

19h20. Que onda, acabei a última frase do Desabafos com “chegar” também. Embora falando de assunto completamente diverso do daqui. Eu não sei mais sobre o que falar e não quero escrever no Desabafos do Vate agora.

19h29. Outro post chatésimo que não vai nem vem. Fica neste estica e encolhe. Eu deveria mandar os e-mails e me ver livre dessa angústia ou trocá-la por nova angústia decorrente da resposta dos novos e-mails. Estou meio sem saída. Escrever os e-mails agora é trocar seis por meia-dúzia. Tenho que esperar até segunda. Quatro dias, o que são quatro dias diante da possibilidade de ter o meu livro analisado por um premiado escritor? O que são quatro dias de espera para perguntar a minha amiga revisora se está havendo algum problema? Tomara que eu faça algo diferente de escrever nesse final de semana. Talvez amanhã haja saída, quem sabe.

19h36. A sensação que me dá é que tudo são sonhos, minha amiga não vai revisar, tampouco o escritor vai dar sua opinião sincera sobre o texto. Será que vale a pena esse sofrimento existencial todo, essa ansiedade toda, se posso mandar dois e-mails e me sentir mais relaxado, como se estivesse tomando alguma atitude?

19h56. Estou muito mais aliviado agora, mandei os e-mails e que se dane se pareço afobado ou apressado. Parece que levantei o bico da panela de pressão. Nossa, como me sinto mais tranquilo. Mesmo que sejam notícias ruins, que venham logo. Quem me dera receber as respostas ainda hoje. Mas não mereço tanto do universo.

20h05. Já me sinto envergonhado pela mensagem que mandei para Seu Raimundo. Mas a vergonha não me causa a sufocante ansiedade que me tomava. Estou acostumado a passar vergonha. Como também posso estar jogando uma pá de cal na possibilidade de ele ler o livro. Sei lá. Sei que não aguentei. Eu não sei é de mais nada, minha mãe achou um equívoco mandar a mensagem ao escritor. Eu ajo com sinceridade e transparência e não estava suportando a espera sem tomar uma atitude. Pressionar um sujeito tão importante que deve ter vários afazeres, mas ele anda, come e caga como eu. Dane-se. Mandei, ele ache o que quiser. Só queria uma resposta. Acho que me deixei levar pela conversa da minha tia que eu escrevia bem, mas em verdade sou uma farsa. A mais sincera farsa. Ele deve ter achado uma merda muito grande. Só posso pensar que foi por isso que não me respondeu. Quanto à minha amiga, realmente não sei qual foi a dela. Tudo converge para um desastre. Qual seja, não receber resposta de Seu Raimundo e minha amiga dizer que desistiu do projeto. Sei lá, não sei de nada, sei que meu peito voltou a ficar calmo com as mensagens enviadas. As expectativas agora são pequenas quase nulas. A esperança praticamente morreu. Acho que o Anexo II é pesado demais para a maioria das pessoas. Indigesto e imoral demais. Sei lá. Só queria respostas. A pior que poderia receber é o silêncio de ambos. A segunda pior seria minha amiga me dizer que me deve uma carteira de Marlboro e Seu Raimundo dizer que é um texto ruim e primário que não merece ser publicado. A melhores que poderia receber é que Seu Raimundo vai ler o texto no fim de semana e segunda me dá o retorno e os dados da minha amiga para efetuar o pagamento. O meio-termo, não sei. Que o escritor está sem tempo para olhar o meu texto até sei lá quando, e minha amiga dizer que pegou um trabalho urgente para revisar e não acha certo receber sem ter começado o trabalho. Sei lá. Só queria respostas ao invés dessa espera. Será que o meu texto é tão ruim assim, tão desprovido de mérito? Novamente, sei lá. Foi o melhor que pude fazer. Nem sempre o melhor de alguém é o suficiente. Me dei conta disso relativamente cedo quando num exercício de natação, para ver quem fazia mais piscinas, eu fui além dos meus limites e ainda cheguei em segundo lugar. Foi a primeira grande decepção que tive em minha vida, descobrir que o meu melhor nem sempre é o suficiente. Talvez este seja outro caso. Se for, pelo menos eu fiz o meu máximo. E fui até além, com esses e-mails talvez insensatos. Isso já está muito grande. Vou parar por aqui e me lamentar no Vate, que não tem limite de texto. 

23h00. Minha amiga revisora já começou a revisar o meu livro e me mandou os dados para o pagamento! Um e-mail já se revelou um bom investimento. O de Seu Raimundo, por outro lado, pode se mostrar um grande vacilo da minha parte. O tempo dirá. Precisava acrescentar isso. Metade do meu aperreio já sumiu. Que ótimas notícias. Minha incrível revisora é para se torar.

-x-x-x-x-

12h26. A minha amiga da Asuka também respondeu e mandou fotos da produção! Só falta Seu Raimundo. E o meu plano de saúde. Mas desses estou desacreditado. Vou revisar e publicar esse monstrinho.






Nenhum comentário:

Postar um comentário