domingo, 17 de janeiro de 2016

PÁGINA EM BRANCO

Página em branco. Como gosto deste tema. Aqui eu sou a divindade, o todo-poderoso deste espaço repleto de todas as possibilidades e impossibilidades. Estou embriagado de Björk. Venho me embriagando de Björk todas as vezes em que estou em casa. Estou sedento de Björk como nunca estive em toda a minha vida. Se há uma causa para isso é que trouxe diversos discos dela da minha recente viagem a Munique o que pode ter criado um vínculo entre Björk e a estada naquela cidade maravilhosa da qual percebo que serei sempre saudoso. Mas meu amor por Björk vai além desse elo. Vem da paixão platônica iniciada na adolescência, época do SugarCubes, até a admiração pelo trabalho solo dela, tão amplo que abarca todos os tipos de mídia, até a cibernética. Esta identificação de uma alma que está à frente do seu tempo – como sinto que minha alma; pretensões postas de lado – talvez seja a razão maior da sede. Quando a ouço, isto me conforta, e tira da solidão, me leva a um útero conhecido onde me sinto embebido do líquido amniótico daquilo que anda não aconteceu, do porvir, no qual eu e ela estamos sintonizados e para o qual estamos abertos e construindo nossas pontes. Eu, através da minha “Novíssima Religião” e ela de Biophilia.



Embora seu novo trabalho – Vunicura, que é o que mais escuto hoje – tenha deixado de lado o futuro para tratar do passado e é todo voltado para o humano romântico dos séculos anteriores, pois trata da separação recente, ainda incandescente com lava, e, portanto muito sentida/doída do parceiro muito amado, faz o elo, por outro prisma ainda mais forte. Esta “ultra-humanidade” e introspecção do novo trabalho também me fazem sentir fortemente ligado a ela, posto que também me encontro neste forte movimento de introspecção e solidão emocional). Portanto Björk num todo está em sincronia com as diversas camadas de mim e se faz um alento, um bálsamo, um unguento extremamente necessário para me sentir uma parte encaixada no mundo, não me sentir como alienado que sou das vidas comuns que se atém aos comuns da vida. Para minha infelicidade ou graça, não sei discernir, pois tal alienação me causa os dois sentimentos simultaneamente, me distancio dos demais e meus interesses são quase todos outros. Inúmeras vezes me sinto solitário no meio das gentes, mesmos das amadas e preciosas. E me calo para os que não têm paciência ou preparo para ouvir. Guardo minhas revelações e meus demônios para mim mesmo e para as páginas em branco do Word, meu verdadeiro ouvinte, que em primeira e última instância, sou eu mesmo. Da mesma forma que eu, embora pense no mundo inteiro, Björk faz música para agradar ou desagradas a si mesma. Ela faz de sua música, como eu faço do meu texto, uma reflexo do que sou e de como estou. E o que sou e como estou encontra forte ressonância no que Björk está e é.

Pode chamar de fanatismo, mas é algo mais profundo, pelo menos assim o sinto. Não é tampouco uma paixão platônica somente, mas uma identificação que transcende sentimentos românticos e são mais essenciais, uma sintonia numa “frequência espiritual” além daquela em que a maioria dos homens está sintonizado. É assim que me embebedo de Björk, mergulhando em seu útero borbulhante de futuro e amor profundo. É um sentimento maternal que me falta mesmo tendo amor maternal em abundância. Mas o que tenho de mamãe vibra nas vibrações do dia-a-dia e não consegue ver um palmo à frente do nariz. E é excessivo como se me quisesse tanto dentro do útero que me enroscasse e sufocasse com seu cordão umbilical, na incapacidade de fazê-lo atrativo como é o de Björk, mesmo que essa não se esforce para isso, pois nem da minha existência sabe. Entendo o porquê dessa prisão do útero que tenho aqui, por mais que a ache excessiva, pois, afinal, fui eu que a causei. Mas não há procura para a mudança, para a cura, porque a dona do útero não se sente doente por mais que sofra e eu lhe mostre todos os sinais da doença. Enquanto tapa o sol com a peneira, Björk “aurora”. Talvez daí advenha a aversão que o útero que me prende tenha de Björk, dessa impossibilidade de me ter querendo adentrar seu útero como tenho de entrar no útero da entidade arquetípica Björk, minha sophia, na qual, para o desgosto da primeira, estou sempre embebido quando entra no meu quarto e agora enquanto escrevo estas palavras. Meu universo interior se assemelha ao desse mito que criei ou se foi me apresentando e desenvolvendo e me envolvendo ao longo dos anos, que já não são poucos. Talvez se assemelhe ainda mais, pois o mito foi por mim criado e por isso é parte de mim. Mas sei que sem o material composto Björk, não haveria como esse mito se desenvolver. Não conseguiria –  posto que não aconteceu – desenvolver tal mito por Madonna ou Britney Spears ou mesmo Ella Fitzgerald ou Elis Regina. Zizi Possi por outro lado, cada vez menos, também me foi um pouco útero e Sandy me foi ninfeta platônica, mas nenhuma das duas se incutiu tão profundamente no meu ser quanto Björk. Apenas Robert Smith e todas as facetas do Cure se afiguram útero tão conhecido e ataente. Nem Chico, como figura masculina, conseguiu tal feito. Talvez por ter entrado de fato, mesmo ouvindo desde criancinha, depois em minha vida, talvez por minha admiração por ele ser intelectual e artística apenas, por mais que suas músicas calem fundo na minha alma. The Cure e Björk fazem e são mais do que isso. São parte integrante do que sou. E, ao contrário do U2 que com suas transformações camaleônicas se transmutou em algo outro para mim, perdeu o seu encanto, sua pureza, digamos assim. Até porque vejo algumas das transformações do U2 não como um verdadeiro anseio criativo (como foi até o Pop), mas como jogadas mercadológicas para encher estádios. O U2 de hoje quer encher estádios e o ego de Bono, não a alma dos ouvintes. E olhe que acho que as composições de Bono tenham melhorado muito e sua pregação hoje é muito mais direta, clara e irônica. Eles não se levam mais a sério e – por outro lado – se levam muito. Não me identifico mais. Falta alma. É um big business. Björk e Smith são arte. São eu. New Order e Echo and The Bunnymen e Legião também. Assim como Strokes, pouco a pouco – ou muito a muito, pois me impressiona a velocidade galopante como se tornam parte de mim. Julian Casablancas é ao lado de Bruce Willis a encarnação do macho alfa para mim.


Não sei se o que eu escrevi tem sentido. Sei que enchi uma ou duas páginas em branco e estou saciado. Isso é o que importa para mim. Por mais que queira, quisesse, quisera, sonhasse escrever um livro, não consigo extrair de mim de uma só golpe 50, 100 páginas. Quem sabe um dia, uma página em branco me leve tão longe...

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