Página em branco. Como gosto deste tema. Aqui eu sou a
divindade, o todo-poderoso deste espaço repleto de todas as possibilidades e
impossibilidades. Estou embriagado de Björk. Venho me embriagando de Björk
todas as vezes em que estou em casa. Estou sedento de Björk como nunca estive
em toda a minha vida. Se há uma causa para isso é que trouxe diversos discos
dela da minha recente viagem a Munique o que pode ter criado um vínculo entre
Björk e a estada naquela cidade maravilhosa da qual percebo que serei sempre saudoso.
Mas meu amor por Björk vai além desse elo. Vem da paixão platônica iniciada na
adolescência, época do SugarCubes, até a admiração pelo trabalho solo dela, tão
amplo que abarca todos os tipos de mídia, até a cibernética. Esta identificação
de uma alma que está à frente do seu tempo – como sinto que minha alma;
pretensões postas de lado – talvez seja a razão maior da sede. Quando a ouço,
isto me conforta, e tira da solidão, me leva a um útero conhecido onde me sinto
embebido do líquido amniótico daquilo que anda não aconteceu, do porvir, no qual
eu e ela estamos sintonizados e para o qual estamos abertos e construindo
nossas pontes. Eu, através da minha “Novíssima Religião” e ela de Biophilia.
Embora seu novo trabalho – Vunicura, que é o que mais escuto
hoje – tenha deixado de lado o futuro para tratar do passado e é todo voltado
para o humano romântico dos séculos anteriores, pois trata da separação recente,
ainda incandescente com lava, e, portanto muito sentida/doída do parceiro muito
amado, faz o elo, por outro prisma ainda mais forte. Esta “ultra-humanidade” e
introspecção do novo trabalho também me fazem sentir fortemente ligado a ela,
posto que também me encontro neste forte movimento de introspecção e solidão
emocional). Portanto Björk num todo está em sincronia com as diversas camadas
de mim e se faz um alento, um bálsamo, um unguento extremamente necessário para
me sentir uma parte encaixada no mundo, não me sentir como alienado que sou das
vidas comuns que se atém aos comuns da vida. Para minha infelicidade ou graça,
não sei discernir, pois tal alienação me causa os dois sentimentos
simultaneamente, me distancio dos demais e meus interesses são quase todos
outros. Inúmeras vezes me sinto solitário no meio das gentes, mesmos das amadas
e preciosas. E me calo para os que não têm paciência ou preparo para ouvir.
Guardo minhas revelações e meus demônios para mim mesmo e para as páginas em
branco do Word, meu verdadeiro ouvinte, que em primeira e última instância, sou
eu mesmo. Da mesma forma que eu, embora pense no mundo inteiro, Björk faz
música para agradar ou desagradas a si mesma. Ela faz de sua música, como eu
faço do meu texto, uma reflexo do que sou e de como estou. E o que sou e como
estou encontra forte ressonância no que Björk está e é.
Pode chamar de fanatismo, mas é algo mais profundo, pelo
menos assim o sinto. Não é tampouco uma paixão platônica somente, mas uma
identificação que transcende sentimentos românticos e são mais essenciais, uma
sintonia numa “frequência espiritual” além daquela em que a maioria dos homens
está sintonizado. É assim que me embebedo de Björk, mergulhando em seu útero
borbulhante de futuro e amor profundo. É um sentimento maternal que me falta
mesmo tendo amor maternal em abundância. Mas o que tenho de mamãe vibra nas
vibrações do dia-a-dia e não consegue ver um palmo à frente do nariz. E é
excessivo como se me quisesse tanto dentro do útero que me enroscasse e sufocasse
com seu cordão umbilical, na incapacidade de fazê-lo atrativo como é o de Björk,
mesmo que essa não se esforce para isso, pois nem da minha existência sabe.
Entendo o porquê dessa prisão do útero que tenho aqui, por mais que a ache
excessiva, pois, afinal, fui eu que a causei. Mas não há procura para a
mudança, para a cura, porque a dona do útero não se sente doente por mais que
sofra e eu lhe mostre todos os sinais da doença. Enquanto tapa o sol com a peneira,
Björk “aurora”. Talvez daí advenha a aversão que o útero que me prende tenha de
Björk, dessa impossibilidade de me ter querendo adentrar seu útero como tenho de
entrar no útero da entidade arquetípica Björk, minha sophia, na qual, para o desgosto da primeira, estou sempre embebido
quando entra no meu quarto e agora enquanto escrevo estas palavras. Meu
universo interior se assemelha ao desse mito que criei ou se foi me
apresentando e desenvolvendo e me envolvendo ao longo dos anos, que já não são
poucos. Talvez se assemelhe ainda mais, pois o mito foi por mim criado e por
isso é parte de mim. Mas sei que sem o material composto Björk, não haveria
como esse mito se desenvolver. Não conseguiria – posto que não aconteceu – desenvolver tal
mito por Madonna ou Britney Spears ou mesmo Ella Fitzgerald ou Elis Regina.
Zizi Possi por outro lado, cada vez menos, também me foi um pouco útero e Sandy
me foi ninfeta platônica, mas nenhuma das duas se incutiu tão profundamente no
meu ser quanto Björk. Apenas Robert Smith e todas as facetas do Cure se afiguram
útero tão conhecido e ataente. Nem Chico, como figura masculina, conseguiu tal
feito. Talvez por ter entrado de fato, mesmo ouvindo desde criancinha, depois
em minha vida, talvez por minha admiração por ele ser intelectual e artística
apenas, por mais que suas músicas calem fundo na minha alma. The Cure e Björk
fazem e são mais do que isso. São parte integrante do que sou. E, ao contrário
do U2 que com suas transformações camaleônicas se transmutou em algo outro para
mim, perdeu o seu encanto, sua pureza, digamos assim. Até porque vejo algumas
das transformações do U2 não como um verdadeiro anseio criativo (como foi até o
Pop), mas como jogadas mercadológicas para encher estádios. O U2 de hoje quer
encher estádios e o ego de Bono, não a alma dos ouvintes. E olhe que acho que
as composições de Bono tenham melhorado muito e sua pregação hoje é muito mais
direta, clara e irônica. Eles não se levam mais a sério e – por outro lado – se
levam muito. Não me identifico mais. Falta alma. É um big business. Björk e
Smith são arte. São eu. New Order e Echo and The Bunnymen e Legião também.
Assim como Strokes, pouco a pouco – ou muito a muito, pois me impressiona a
velocidade galopante como se tornam parte de mim. Julian Casablancas é ao lado
de Bruce Willis a encarnação do macho alfa para mim.
Não sei se o que eu escrevi tem sentido. Sei que enchi uma
ou duas páginas em branco e estou saciado. Isso é o que importa para mim. Por mais
que queira, quisesse, quisera, sonhasse escrever um livro, não consigo extrair
de mim de uma só golpe 50, 100 páginas. Quem sabe um dia, uma página em branco
me leve tão longe...
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