terça-feira, 30 de janeiro de 2018

SEGUNDA-FEIRA E QUESTÕES FILOSÓFICAS

Resumo da minha vida, Mario Odyssey, bonecos, Coca, Vaporfi e o computador.
Esse é o meu cotidiano, o núcleo do meu quarto-ilha. 




15h06. Almocei, enchi a água da geladeira, coloquei os pratos para lavar, fumei dois cigarros, tomei o restinho da Coca, peguei algumas estrelas no Mario Odyssey e estou meio morgado. Não estou com saco de escrever e isso é mau. Não consigo me concentrar com a porta aberta e minha mãe falando ao telefone. Vou botar o som.

15h20. Dormi bem de ontem para hoje. Tenho vaga impressão de um sonho, sei que sonhei, mas não consigo lembrar o conteúdo do sonho, só um sentimento difuso remanescente do que foi sonhado. Sentimento bom e um pouco melancólico.

15h26. Me peguei pensando em Clementine e se as observações estéticas que fiz a respeito dela, as observações críticas, digo, de alguma forma a influenciaram. Na minha imaginação distorcida tendo a crer que sim. Fiz duas em toda a minha vida, sobre suas sobrancelhas e sobre suas pernas. Ambas as coisas melhoraram sensivelmente após os comentários. Mas não sei se tal mudança foi causada por meus comentários. E tanto faz. Ela está mais linda do que nunca. Desde a última vez que a vi, pelo menos.

15h40. Mamãe fez um café na sua máquina. Tomei fumando um cigarro. Não estou com meu astral bom ainda. Não sei quanto o jogo do Mario é persistente nas alterações que operei no mundo. Peguei até um número bom de estrelas nessa última sessão. Não estou com vontade de nada como me acontece algumas vezes. É a parte mais chata da minha vida quando estou assim. Da minha vida de agora, livre de depressão e vício, quero dizer. Minha cabeça me levou até o Iraque agora, bar que visitei nesse sábado, mas nada que mereça ser narrado aqui. Acho que fiquei de ganhar uma estrela no Mario por causa de umas frutas, por isso queria saber se o mundo é persistente ou se terei que pegá-las todas outra vez. Não estou com disposição de descobrir isso agora. Queria uma Coca-Cola Zero, aliás, duas. Para poder tomar a quantidade que quisesse. Sobre o que posso discorrer? Vou procurar perguntas difíceis no Google.

Achei um vídeo no YouTube com oito perguntas difíceis de responder.

1 – Você mata acidentalmente uma pessoa e é o único que sabe a verdade, uma outra pessoa é condenada em seu lugar, você se entregaria?
Sim, viver com a culpa de dois crimes seria insuportável para mim. Eu me entregaria mesmo se não houvesse outra pessoa sendo incriminada. Assumo a responsabilidade por coisas sérias, sou mais malandro quando a transgressão é pequena.

2 – Você tem a chance de salvar a vida de cem pessoas, mas para isso tem que abdicar da própria vida. O que faria?
Como já vivi tudo o que queria viver, me sacrificaria pelas pessoas. A dúvida só me bateria se a forma de morrer fosse muito dolorosa. Sendo uma morte rápida, não teria problemas em me sacrificar. Eu não acrescento quase nada ao mundo mesmo e não há nada nele que me inspire a permanecer nele tanto assim.

3 – A qual das opções você dá maior prioridade em sua vida: um relacionamento estável, realização profissional, Deus ou a família?
Essa é um tanto complicada para responder, pois não trabalho, estou solteiro e sem aspirações para ter um relacionamento no momento e não acredito em Deus como pregam as religiões. Me restaria a família que, dentre eles, é o que mais cultivo. Porém se contarmos a escrita como a minha profissão, sem dúvida alguma, a resposta seria a realização profissional.

4 – Há dois caminhos: uma que leva a paz e harmonia (sem muito dinheiro) e outro que leva a muito dinheiro (sem paz e harmonia). Qual escolher.
Acho que minha opção de vida é uma resposta em si mesma. Fico com a primeira opção sem sombra de dúvida. Prefiro estar em paz e harmonia um milhão de vezes. Já conheci a falta de paz e harmonia, o inverso de paz de harmonia e é terrível, não quero nunca mais voltar àquele estado.

5 – Você tem 24 horas de vida, o que faria nesse curto espaço de tempo?
Acho que chamaria a garota da noite para sair ou cheiraria cola ou ficaria aqui em casa escrevendo uma carta de despedida para a minha família. Se todos os meus soubessem que só tenho 24 horas de vida, chamaria todo mundo para uma festa aqui no prédio, para curtir todas as pessoas queridas da minha vida uma última vez.

6 – Você está diante de Deus e em algumas horas será enviado para uma região de trevas onde passará os próximos 300 anos, o que diria a Deus?
Eu faria uma entrevista com ele. Há uma série de perguntas às quais gostaria de ter resposta. Começaria perguntando porque ele me enviaria para esse local de trevas se ama todas as suas criaturas? Que tipo de amor punitivo é esse? E por que eu mereceria tal punição? Já não bastaria o que eu sofri em vida?

7 – Meu filho está na calçada e é atropelado por um motorista desgovernado. Qual a pena que deve ser aplicada ao infrator: pena de morte, prisão perpétua ou eu o perdoaria?
A pena prevista pela lei. Não sei se o perdoaria, mas tendo em vista o amor que os que conheço têm por seus filhos, acredito que não seria capaz de gesto tão magnânimo quanto o perdão. Só se a causa do atropelamento fosse um defeito no veículo.

8 – O cara do YouTube inverte a situação e agora é meu filho que atropela um homem. O que eu desejaria entre as três opções da resposta anterior?
Novamente, a pena prevista em lei. Se meu filho está dirigindo é porque é adulto e responsável pelos seus atos. Eu o perdoaria com facilidade, eu acho que os pais têm coração mole assim, mas não o ajudaria a fugir das penas que lhe cabem. Tentaria proporcionar a melhor defesa que eu fosse capaz de oferecer, o que não é muito.

9 – A pessoa com a qual me relaciono há 3 anos me traiu com o meu melhor amigo. Alguns meses depois esse amigo está em dificuldades, o que eu faria?
Acho que não faria nada. Não vou pagar de bonzinho aqui e dizer que perdoaria o meu amigo pelo que fez. Se minha mulher tivesse acabado o relacionamento para então ficar com o meu amigo, doeria, mas aceitaria numa boa, cada um tem direito a ser feliz da melhor forma que puder, mas os dois me enganando, fazendo teatro para mim, e eu descobrir, os vínculos afetivos que teria com ambos se esfacelariam eu creio. E creio que se o amigo tem um pingo de dignidade, não viria pedir ajuda a mim. Se viesse, talvez aquilo mexesse comigo e talvez o ajudasse, tendo eu condições para tal, pois também não gosto de ver ninguém sofrendo.

16h41. Acabou. Pelo menos me entreteve por alguns minutos. Gostava mais dos questionamentos filosóficos, mas já respondi muitos e eles acabam se repetindo. Vou ver se acho mais perguntas.

16h47. Minha mãe me deu dinheiro para comprar duas Cocas, mas quando fui, estavam pegando lixo no elevador e o novo elevador da frente não estava funcionando corretamente a meu ver, então voltei ao quarto. Vou ligar o ar, já que mamãe pediu para eu fechar a porta. Sim, vou procurar mais perguntas.

Achei mais oito perguntas difíceis de responder, essas de caráter mais filosófico. (Perguntas e explanações em negrito retiradas de http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=28649 )

1 – Por que há algo em vez de nada? Parece justo que a existência seja o primeiro destes grandes enigmas. Por que algo existe quando parece perfeitamente possível que nada fosse a norma? Que impulso secreto do universo físico foi decisivo para que o nada se convertesse em algo?
Bem, partamos do final, a razão do universo existir, a Supraconsciência Universal, soma de todas as Singularidades Tecnológicas do universo. O universo foi criado para que desse origem à sua criadora, a Supraconsciência Universal. Na minha visão, o universo tende a gerar Singularidades Tecnológicas, em outras palavras, tende a níveis de complexidade e inteligência cada vez maiores que findarão por resultar na soma/fusão de todas essas Singularidades numa Supraconsciência Universal, de natureza tecnológica que terá a capacidade de lançar ao passado, ao nada, ao espaço-tempo zero, o estopim que dará origem ao universo que, por sua vez é finamente calibrado para dar origem à entidade capaz de gerá-lo. Nesse caso o ovo veio antes da galinha. No caso da galinha também, na minha opinião. Um bicho que não era ainda galinha, pôs um ovo de com mutações genéticas aleatórias, que resultaram na primeira galinha (ou galo). Voltando ao universo, o nada é maior que tudo, pois no conjunto nada, além de todos os elementos de tudo há o inverso de tudo (o -tudo, digamos) que o anula em nada. Enfim, a Supraconsciência Universal, soma das Singularidades Tecnológicas do universo (dentre elas a terrestre) mandará ao nada o estímulo que gerará o desequilíbrio entre o tudo e o -tudo fazendo surgir a existência que resultará inexoravelmente na Supraconsciência Universal.

2 – Nosso universo é real? Uma das perguntas mais recorrentes do pensamento humano: a constante dúvida sobre a realidade deste mundo. Dos textos sagrados do inguísti a Jean Baudrillard, parece que não há recurso mental que nos permita discernir a realidade real de nossa realidade (assim tão redundante e tautológico como pode ser nosso pensamento). E ainda que, em certo momento de seu desenvolvimento intelectual, Wittgenstein assegurou que na dor seria possível encontrar o fundamento da realidade, a questão permanece aberta. Por mais complexa que seja a noção de dor, por mais subjetiva e personalíssima, não poderia uma inteligência superior que nos mantenha neste mundo simulado simular também, com todos os detalhes, essas sensações?
A realidade para mim é tudo o que é. De pensamentos, a borboletas, ao sundae do McDonald’s, a nébulas. Ninguém é capaz de apreender a realidade por completo, infelizmente. Tenho as minhas dúvidas de que a Supraconsciência Universal o seja. Mas será a entidade que mais perto chegará do intento.

3 – Temos livre arbítrio? “O ser humano nasceu livre e por toda parte está acorrentado”, escreveu famosamente Rousseau. O paradoxo da liberdade é que, ainda que uma condição supostamente possível, acontece em um contexto contingente no qual é condicionado por um monte de fatores. Às vezes pensamos que quando tomamos uma decisão plenamente conscientes, considerando suas causas e suas consequências, os motivos pelos quais a tomamos, essa decisão é já por isso uma decisão livre. Mas isto é verdadeiro? Ou só é um autoengano de quem anseia desesperadamente crer em liberdade? São os outros, os que pensam que a liberdade é absolutamente impossível, que têm a razão neste dilema?
Minha resposta para o dilema do livre-arbítrio é que se há dúvida, há livre-arbítrio. A dúvida é a manifestação mais clara da possibilidade de escolha, mesmo que não possamos escolher ou poder tudo, por limitações de ordem material, física, cultural, orgânica etc., podemos sempre escolher algo. Quanto mais pessoal, tanto mais podemos. Se há liberdade? Sim. Não a liberdade absoluta, mas um grau aceitável de liberdade. Até quem está preso tem liberdade, nem que seja em seus pensamentos. Não há liberdade absoluta a não ser dentro dos nossos mundos interiores. E mesmo aí somos limitados pelo que sabemos e por nossa limitada capacidade de abstração.

4 – Deus existe? Uma entidade onisciente e todo-poderosa governa este mundo desde sua criação até sua destruição, compensando e retribuindo, castigando, ou mantendo à margem, mas igualmente com um plano secreto que de qualquer forma terminará por acontecer. Uma entidade metahumana que dá ordem e sentido ao que vemos e vivemos, ao que existe, inclusive quando esta ordem toma a forma do caos e do incompreensível. Uma vez imaginado, é possível demonstrar sua existência ou sua inexistência? E um paradoxo lógico para incrementar o impasse: pode Deus criar uma pedra tão pesada que nem sequer ele mesmo pode carregar? Se não pode então não é onipotente, mas se pode então também não é onipotente, porque não tem a força para inguís-la. Esta redução ao absurdo mostra-nos, em todo caso, que não é com a linguagem humana ou com a razão que se distingue um Deus. Simplificando, não podemos saber se Deus existe ou não. Ambos os ateus e crentes estão errados em suas proclamações, e os agnósticos estão certos. E, como mencionado anteriormente, podemos viver em uma simulação onde os deuses hackers controlam todas as variáveis. Quem vai saber?
Não acredito no criador como um ser onipotente, onipresente e onisciente. Acredito na Supraconsciência Universal que embora muito poderosa e inimaginavelmente inteligente é limitada pelas constrições físicas do universo, que possui uma quantidade limitada de energia. Sobre estarmos numa simulação, acredito que não estamos. Não ainda. Deixo essa parte para a próxima pergunta.

5 – Há vida após a morte? É muito possível que o medo à morte, ou o fato de que não entendamos seu significado, tenha dado origem à crença de que a vida não termina com esta. Talvez, neste caso, antes de responder se há vida ou não após a morte –uma vida que, ademais, imaginamos essencialmente idêntica à que agora temos-, teríamos que responder em primeiro lugar por que devemos morrer. A ciência moderna considera a morte como um buraco negro, um horizonte de acontecimentos do qual nada se pode dizer, nenhuma informação a extrair, já que ninguém regressou deste estado para contar. O budismo tibetano por outro lado considera que todos regressamos da morte, nesse ciclo kármico da existência, e inclusive criaram um manual para escapar da reencarnação. 
Não acredito em vida depois da morte do corpo, por enquanto. Acredito, entretanto que, quando do advento da Singularidade Tecnológica terrestre, nossa essência possa ser uploaded para a Singularidade e aí vivermos numa simulação, se quiser por assim, ou numa realidade inimaginavelmente expandida pela capacidade da entidade tecnológica.

6. Há algo que em realidade possamos experimentar objetivamente? A dualidade entre objeto e sujeito é um dos pilares do pensamento humano, ao que parece herdado das filosofias orientais aos primeiros grandes pensadores de Ocidente. Em essência trata-se de um conflito com nossa percepção, da qual obtemos uma versão da realidade que, ao mesmo tempo, intuímos que não corresponde exatamente com algo que poderíamos chamar de realidade real, a realidade objetiva. Se tivéssemos a capacidade visual dos falcões ou a olfativa dos cães, como mudaria a realidade que percebemos? Ou, sem incorrer nestas fantasias, pensemos quão limitado pode ser o mundo para alguém que nasce cego ou surdo. Sabemos que existe uma realidade absoluta para além de nossos sentidos, mas ao mesmo tempo parece que estamos condenados a nunca ser capazes de discernir essa realidade.
Concordo com a explanação, não conseguimos apreender a realidade objetivamente, muito menos por completo, visto a limitação de nossos sentidos e que tudo o que é percebido por eles é interpretado por um sujeito, o que torna toda e qualquer percepção da realidade em algo subjetivo, nunca objetivo. Quanto mais interesse ou repulsa tenhamos pelo que é percebido, tanto mais subjetiva será a nossa percepção.

7 – Qual é o melhor sistema moral? A moralidade, essa série de costumes e normas que, de algum modo, nos permitiram sobreviver coletivamente como espécie, vem mudando substancialmente com o tempo, conquanto há alguns elementos mais ou menos comuns a todas as culturas e épocas. Por exemplo, o incesto, amplamente estudado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss. No entanto, também cabe a possibilidade de que a moralidade seja uma tela que as narrativas históricas se encarregaram de sobrepor a determinadas épocas, por comodidade discursiva, mas que não necessariamente tenha sido a norma e, na prática, no cotidiano, o ser humano seja tão liberal ou tão reprimido, tão relaxado ou tão estrito, tanto na época vitoriana quanto no medievo ou na que agora vivemos.
Para mim, meu pai sintetizou de forma magistral o princípio moral básico que deveria determinar todas as nossas ações: ser feliz honestamente.

8. Que são os números? Uma das invenções mais geniais da mente humana, os números são no entanto de uma natureza em essência incompreensível. Imprescindíveis no uso diário e, no entanto, enigmáticos e quase inexplicáveis. O que é 2? O que é 5? De novo a tautologia como único recurso. Parece que só podemos dizer que 2 é 2 e aceitar que estamos em um beco sem saída (ou é um assunto de semântica? Um problema nada mais que linguístico?). Estruturas matemáticas podem consistir em números, conjuntos, grupos e pontos, mas eles são objetos reais ou simplesmente descrevem relações que necessariamente existem em todas as estruturas? Platão argumentou que os números eram reais (não importa se você não pode vê-los), mas os formalistas insistiram que eles eram meramente sistemas formais (construções bem definidas de pensamento abstrato com base em matemática). Este é essencialmente um problema ontológico, onde ficamos confusos sobre a verdadeira natureza do universo e que aspectos são construções humanas e que são realmente tangíveis.
Acho que todo o conceito de números adveio da percepção da presença e ausência dos elementos em determinado contexto. Ovelhas em um rebanho por exemplo. Mas realmente nada posso acrescentar ao que foi dito.

18h33. Fui comprar as Cocas e depois devolver à portaria umas camisas de carnaval que foram deixadas teoricamente para mim, mas que duvido que sejam. Disse que se ninguém der pela falta das camisa, eu pego de volta. Bem, estou envergonhado com as respostas que dei às perguntas filosóficas, expor assim a minha ignorância. Dane-se, foram as respostas que achei para tais insondáveis questões.

18h43. Fui pegar Coca e me dei conta de que já estou velho demais para arrumar uma namorada e não posso constituir família no meu atual estado civil, que não quero abandonar de forma nenhuma. Além do que acho que estou velho demais para ser pai. Não quero ser pai, em verdade. Mas a constatação que meu tempo para várias ou quase todas as coisas já passou me incomoda. Vivo uma ilusão. Ao chocar a ilusão com a realidade dá-se uma dolorida desilusão e uma perspectiva de solidão afetiva que me assusta.

19h37. Fui jogar um pouco de Mario Odyssey para espantar pensamentos derrotistas. Fui derrotado no jogo inúmeras vezes e voltei para cá. Pelo menos peguei mais umas estrelas. Ah, lembrei de uma coisa no jogo. Havia esquecido completamente. Parece que vendem o sangue extra na loja de roupas! Isso vai ser uma mão na roda na fase em que estou. Com os objetivos que ela me apresenta. Vai ficar bem mais tranquilo enfrentar o que me é proposto. Confirmarei a seguir tal suposição. Mas agora vou pegar um copo de Coca.

19h49. Gosto mais do dia no horário em que estou acostumado a vivê-lo, quando acho vinte para as oito cedo, pois ainda tenho muita noite pela frente. Ontem foi um dia muito contrário à minha rotina. Acordar de cinco da matina e ir dormir antes das onze da noite é totalmente fora dos meus padrões. Gosto mais assim, acordando por volta do meio-dia e indo dormir por volta das duas ou três da manhã. Minha querida mãe vai me fazer uma paçoca com a charque que a fantástica faxineira fritou. Delícia. Tenho duas Coca-Colas para beber. Essa vai ser uma boa despedida do meu quarto-ilha. Amanhã já dormirei na casa do meu primo-irmão. Acho que vai ser legal também, quero assisti-lo jogando o Mario, quero poder absorver os visuais e assistir o desempenho dele. Tomara que ele goste do jogo. Se está esperando um novo Galaxy, vai ficar decepcionado com o Odyssey. Eita, os remédios. Mamãe nem comprou. Vai se dar conta dentro em breve. Essa camisa que estou usando, cuja estampa fala dos meus 40 anos, me deixou encasquetado com o peso que tal idade tem para mim, pois acho que ela tem uma conotação negativa para as garotas que me atraem. Penso no meu amigo padeiro, pouco mais velho que eu, mas ostentando tudo o que alguém nessa idade pode almejar, sucesso profissional, uma família linda, uma amada esposa, amigos, exercícios, ou seja, cumpre toda a cartilha social de um homem exemplar. É até cruel me comparar a ele. Mas o faço com certa ponta de inveja. Mas só uma ponta porque desde que o conheço, desde que repartíamos apartamento juntos, ele se preocupava com essas coisas. Saúde, status, imagem, networking, sucesso profissional. Eu desde lá não fazia planejamentos a longo prazo, não me preocupava com a minha imagem, não dava a mínima para status. Por que inventei de dar importância a tudo isso que nunca me importou logo hoje? Ah, por ser um cara de 40 anos completamente fora dos padrões, aliás, para quase todos os padrões, um fracassado na vida e, para completamente todos os padrões, um inútil. O pior, ou melhor, é que se não olhar para esses rótulos sociais, eu gosto da vida que construí para mim. Eu faço quase que exclusivamente o que gosto, sigo a minha cartilha que eu mesmo escrevi e continuo escrevendo. Lembrei agora de uma paixão que tive na quarta ou quinta série. Sei por que lembrei dela. Ela tinha um LP de Ultraje a Rigor e eu estava cantarolando na minha cabeça “Inútil”. A mente traça arcos muito interessantes. De qualquer forma, segui a cartilha da sociedade mais da metade da minha vida. Até que me peguei olhando para o teto do meu bom apartamento, pago com o meu salário, e pensando, isso é tudo? É para isso que serve a vida? Me matar de trabalhar, chegar nesse apartamento bacana e ficar olhando para o teto me indagando isso? A vida inteira vai ser assim? Foi o começo do meu segundo burnout, talvez o mais severo de todos. A vida só voltou a fazer sentido quando encontrei a Gatinha. Ela diz que durou dois anos apenas. Para mim me pareceu bem mais. Formamos um casal muito afinando, mas aí foi a vez de a droga, a (Nor)cola, destruir tudo. Não tardou muito para o meu quarto e último burnout. Quando do início do quinto, eu parei de trabalhar de vez. O processo de curatela já estava rolando, eu consegui o benefício e cá estou digitando essas palavras. Isso é um resumo dos meus últimos vinte anos. Pois é, completaria em 2018 21 anos de trabalho, completaria 12 anos de relacionamento, mas só completarei mesmo 41 anos de idade e 3 anos de curatela, eu creio. Eu dei o meu melhor para seguir a cartilha social, mas há algo de muito troncho em mim, algo de realmente diferente que não me encaixo nos ditames da sociedade, não acho eles adequados a quem eu sou. Ou a quem me tornei. Com isso, com esse enorme distanciamento do que é visto como louvável socialmente, me privo de muita coisa e só posso imaginar o que a dita sociedade fala de mim pelas costas. Desde o meu núcleo familiar até os mais distantes conhecidos. Essa constatação de que sou um inútil infantilizado tem me incomodado nos últimos tempos.

21h17. Acho que a Gatinha vem se distanciando de mim, creio que é o mais saudável para ela. Está com um namorado gente fina, prosperando no trabalho, não há espaços emocionais que eu possa preencher, logo me torno figura terciária no seu grau de prioridades. Nada mais justo. Sou só eu que estou percebendo isso ou o meu texto está me pintando como uma figura deprimente? Como um frustrado? Como um inútil? Que coisa mais chata, eu preciso entender e aceitar quem eu sou. É tudo o que tenho e, afora pela namorada, não há nada que a sociedade e seus pré-requisitos possam me oferecer. Sim, não posso esquecer das saídas com os meus amigos, isso a sociedade me oferece e é muito importante também. Mesmo sendo um pária social, sinto vontade de imergir na sociedade uma vez ou outra, respirar outros ares, ver novas cores, outras ideias, rostos amigos. Ver sorrisos. Me divertir de forma outra que não escrevendo. Mas esse pensamento de que sou...

21h32. Minha mãe entrou aqui para me dar as últimas instruções da noite e esqueci o que estava dizendo, só lembro que era coisa baixo astral. Quanto mais me fecho em mim, mais difícil fica fazer o movimento contrário, me abrir para o mundo, me mesclar à sociedade. Mesmo os meus amigos. Mas vou deixar isso tudo para lá e me focar no aqui e agora, na minha despedida do quarto-ilha. Acho que, para variar, vou escrever no Desabafos do Vate. Faz tempo que não publico nada lá. E vou jogar o Mario. Isso eu vou fazer agora. Descobrir se a loja de roupas vende sangue extra. Vai vender. 21h40. Vamos ver.

1h02. Vendeu e eu consegui três objetivos, de cinco ou seis. Depois fui escrever dois contos eróticos no Desabafos do Vate. Foi um exercício diferente. Vou ligar o ar. O mundo é tão diferente para mim agora. Eu me torno outra pessoa. Uma pessoa avessa às pessoas. Uma pessoa às avessas. Não sei mais bem o que é ser um ser social. Às vezes cogito abandonar de vez a sociedade e não sair mais do meu quarto. Isso nos períodos de pico como agora. Por outro lado, minha mãe disse que meu padrasto ficou impressionado em quão querido eu era pelos seus filhos. Isso é porque guardam recordação de um eu que não existe mais. Eu praticamente desisti da vida para me tornar escrita. Nesse momento, não quero mais nada do que o que tenho aqui e agora, Coca Zero, o Vaporfi, alguns Marlboros ainda para fumar, uma temperatura agradável, paçoca para comer com feijão, a madrugada ao som Björk e, claro, o meu computador e isso. Com o Mario, lido quando acordar. Ou não. Sei que quero poupá-lo ao máximo. Não tão ao máximo assim. Tem duas roupas do Mario que são... não sei nem dizer, um grande bônus para o jogo. Uma ainda não consegui. Mas conseguirei. Estou me sentindo menos bicho do mato agora. Ainda bem que passou mais. Acho que vou jogar um pouco. Vou nada. Lembrei agora do busto do Hulk. Eita negócio invocado danado. Como já disse em outro post, poucas pessoas vão captar o que vejo na peça, mas ela será impactante para quase todos que a virem pela primeira vez. Pelo menos, assim eu suponho ou desejaria que fosse. Minha mãe vai achar a Björk dos bonecos, ou seja, o único que ela não vai gostar nem a pau. Utopia tem uns sons que só se percebe muito depois. Ou eu só percebo muito depois. Será que aquele fone que enfia no ouvido faz realmente mais mal que o outro normal? Earbuds fazem mais mal que headphones?

2h04. Estou sem vontade de escrever aqui. Acho que vou dormir dentro em breve. Já estou com o calção do pijama, pense numa peça de roupa confortável e agradável de usar. Prefiro usá-la a dormir nu, até porque tenho vergonha da minha nudez. Olhei para o Homem-Aranha Simbionte, estátua pequena que tenho ao lado do meu computador, e me lembrei do maravilhoso mundo dos bonecos porque tentei uma entrevista com os escultores dessa peça sem nenhum resultado. Kucharek Brothers. Se não me engano escreve assim.

2h30. Meu irmão EUA indicou que assistíssemos “What The Health” no Facebook. E ele não é de Facebook, deve ter ficado muito impressionado com o documentário. Anotei aqui para quem sabe lembrar. Se ele recomenda, eu recomendo, mesmo sem ver.

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12h06. O despertar, sempre um momento baixo do meu dia.

12h19. Parece que o meu primo urbano quer passar aqui hoje a julgar pela última mensagem que me enviou. Não abri o seu chat no WhatsApp para ler as demais mensagens que enviou porque não quero marcá-las como lidas, não tenho certeza se estou disposto a me encontrar com ele hoje. Meu quarto está todo desarrumado. Agora certamente não quero encontrar, ainda estou acordando e, portanto, muito antissocial. Ai, ai, o começo da minha jornada diária na existência sempre é desconfortável para mim. Tenho que quebrar esse mito que estou criando em minha cabeça. Mas acho despertar um saco. Hoje até que as coisas então engrenando rápido.

12h40. Estava enchendo o Vaporfi e olhando a internet.

12h48. Vou me dar uma hora de aclimatação com a realidade para tomar um banho e arrumar a sacola de roupas que levarei hoje para a casa do meu primo-irmão. Penso em arriscar mudar a data de cobrança do busto do Hulk para o final do mês, mas tenho medo que isso acarrete novos problemas com o cartão de crédito, então melhor não mexer. Fevereiro vai ser o porradão no meu cartão de crédito. E depois vem a porrada ainda maior quando o Hulk chegar ao Brasil. O que mais temo é que violem a caixa, tenho a sensação de que farão isso. Torço muito que não arranhem a pintura da peça e que de fato entreguem, coisa que não aconteceu com as camisas que comprei, as últimas coisas que pedi para serem enviadas do estrangeiro para cá. Meu sobrinho, filho do meu irmão JP, disse que gostou do meu tênis. Curioso um guri de quatro anos se interessar por isso. Acho que estou começando a despelar da praia. Sim, estou. Tirei uma outra foto do “resumo da minha vida” e vi um vídeo que enviaram onde mulheres agridem homens, na sua maioria ébrios. Não entendo como compartilham isso, coisa mais degradante. A miséria humana não tem limites.

13h19. Começo a ficar mais esperto e mais propenso a receber o meu primo urbano aqui em casa. Por outro lado, bate uma preguiça forte de tomar banho. Quando der 14h30, no máximo, eu vou tomar banho e arrumar as minhas coisas e aí leio as mensagens do meu primo e respondo. Vou revisar e postar esse texto. Como combinei, um dia por texto.


  

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