Sexta-feira, 11 de maio de 2012
Criei um novo set list. 70 músicas, 4,9 horas, um pouco de
tudo que tem no computador, de Björk a Chico, de Strokes a Balão Mágico, de The
Cure a Lovesong com Adele. Não sei aonde
as palavras irão me levar, mas gostaria de tratar do que discuti na terapia e
ver o que sai, se alguma luz escapa das letras. Não o farei exatamente agora –
20h33 – pois antes quero conversar com Tatá, fumar uns cigarros e tomar um
cafezão. Escrever está me dando prazer neste momento. Isso é bom, faz tempo que
não me sinto bem com as minhas palavras, talvez seja um sinal de saúde, de
recuperação, mesmo que pequena (mas não menos preciosa). Prazer, existe outra
coisa que busquemos na vida? Acho que só evitar o seu extremo oposto, o
sofrimento. É a isto que se resume a existência humana, a meu ver. A fuga da
dor e a busca do prazer são a base de todas as ações humanas, a intenção por
trás de todas as intenções. Mas vou deixar de pseudo-filosofar. Vou procurar
Tatá (Acompanhante Terapêutica), colocar um copázio de café e fumar.
20h54
Tatá fuleirou comigo, o café e o cigarro rolaram. Adele, Someone Like You, tocando. Novela das oito total. Tentar
mergulhar dentro das minhas paranóias. Por que tão improdutivo? Por que tão
imprestável e assustado em agir? A acomodação à minha mediocridade é a primeira
e mais superficial explicação. Depois de três (ou seriam mais?) anos sem fazer
nada a não ser parasitar, primeiro do meu pai e, depois de sua morte, da minha
mãe, voltar a buscar independência parece uma tarefa quase impossível, a alma
totalmente atrofiada para tais intentos recusa-se a se mexer, recusa-se a
admitir que mexer-se é necessário, quer mais do que tudo permanecer como está.
21h35
Finalmente conversei com Tatá. Foi agradável porque acabei
falando do prazer de falar com mulheres e deste me parecer superior ao de falar
com homens. Pensar em carinho e intimidade é bom. Voltando à alma estagnada,
considerei que querer uma reestréia na vida já com grandioso espetáculo é algo
inalcançável justamente devido á supracitada atrofia. Como um inválido que
recomeça a caminhar, o que preciso é dar passos de acordo com minhas
capacidades, que não forcem demais os músculos desacostumados. Com paciência e
persistência é possível que o que era habitual volte a sê-lo e o caminhar
torne-se mais uma vez firme e consistente. O que tenho disposição para fazer no
momento é voltar a pintar, do meu jeito livre e sem técnica, aos poucos, sem
pretensões de uma produção em massa. Penso também em voltar a dedicar-me ao
blog e talvez – o que me parece doloroso – escrever em doses mais que
homeopáticas Algo. Interessante, este
parágrafo me parece muito mais otimista que o anterior. Não sei se o humor
elevado pelo papo com Tatá contribui para isso ou se me ouvir através deste
texto me dá uma perspectiva fresca sobre minha atual situação. Fato é que me
animo com o futuro. Quase não sinto medo. Medo. Dedicarei um parágrafo ou dois
a este tema. Fumar um cigarro. I’m the
highway.
21h52
Não fui fumar, fiquei escutando a música do Audioslave. É
estranho que ela me toque tão profundamente a ponto de já considerá-la parte
integrante de mim. Bem, medo. Meu maior medo é minha vida voltar ao que era
quando tinha um emprego e morava sozinho e ficava olhando para as paredes
brancas da sala vazia e me perguntado se seria só aquilo até o fim. O
protagonista de Ouro de Tolo sem
tirar nem pôr. O trabalho me acossava, me torturava, me agredia, me sugava, me esvaziava
de mim e me preenchia de todas as angústias mais tenebrosas e doloridas. Acho
que tive um colapso nervoso ou uma crise de pânico ou qualquer dessas profundas
neuroses em que se perde o controle emocional e a capacidade de pensar
tranqüilamente. Algo que me dilacerou e que deixou um trauma até agora
indelével. Não quero voltar nunca mais a qualquer coisa ligeiramente semelhante
àqueles dias desesperados e isto é uma decisão irrevogável. The Modern Things, Björk. Devo admitir,
porém, que coloco coisas demais no saco de possibilidades que me levariam de
novo a tal lugar. De tanto medo nasceu uma exagerada precaução e passei a
englobar qualquer esforço produtivo como passível de me causar o sofrimento de
antes. Minha fobia me paralisou de forma quase completa e daí advém o estado de
coisas em que minha vida se encontra. Por isso é tão bem vinda esta vontade de
pintar, este passo mínimo para qualquer outro, mas gigantesco para mim, pois
caminho contra o medo absurdo que me acometeu e que alimentei como quem
alimenta a fera oferecendo a carne da própria perna para que a besta não devore
o braço ou outro órgão mais vital. Este passo talvez me leve um dia a tomar
coragem de dar as costas para a fera, deixá-la morrer de fome e, quem sabe,
sentir mais uma vez, nalgum dia de sol, a doce leveza da existência. Desired Costelation, Björk.
22h21.
Não tenho muito mais a dizer, mas o desejo de dizer qualquer
coisa que seja ainda me toma. Provavelmente o que virá será ainda mais inútil do
que o já dito, mas o prazer de dizê-lo vale o desperdício. Se há alguma coisa
da qual tenho orgulho é da forma como escrevo. Não tenho subsídios acadêmicos,
literários ou culturais para basear este meu orgulho, apenas me agrada a forma
que as palavras me vêm, vejo uma certa elegância, um certo estilo que de tão
aprazíveis muitas vezes nem parecem meus. Ainda bem que são, não tenho crenças
espirituais que justifiquem quaisquer outras fontes. Ao menos este valor eu me
dou, mesmo que a duras penas, pois é difícil, doloroso, aceitar que algo de bom
provenha de mim. Eis um bom tema para discorrer. Preciso me ouvir sobre esta
doentia baixa-estima este quase total descrédito com tudo o que sou e que de
mim deriva. Devo admitir que não faço a mínima idéia de como reverter tal
quadro e nem acredito que seja possível, tão entranhado está como verdade
absoluta, tão absoluta que não consigo nem imaginar o que seja ou como seja eu
gostar de mim. Acho que esta não aceitação é uma causa ainda mais profunda e
importante da minha neurose. Não sei de onde surgiu tamanho desprezo e
desgosto, sei claramente que já em minha primeira adolescência já me sentia
assim. Até hoje sinceramente não entendo como as demais pessoas, tendo um
mínimo de autocrítica, consigam se aceitar e gostar de serem o que são. Acho
que minha obrigação é a de ser o melhor e que qualquer posição que não a melhor
representa um fracasso total. Meu pai sempre disse que foi o melhor em tudo de
relevante que fez (e realmente assim aparentava ser), todos sempre me
compararam a ele e eu acho que assimilei esta responsabilidade de ser eu também
o melhor em tudo. Infelizmente não é da minha natureza ter a disciplina e a
determinação de ser o melhor, não me vale sinceramente o esforço. Mesmo assim a
pressão que me imprimi nesse sentido nunca deixou de existir e, por nunca ter
sido o melhor em nada, apenas bom em algumas coisas, sempre me senti um
fracassado, um merda, sempre me senti completamente decepcionado comigo. Ele
morreu e mesmo assim o peso enorme de sua figura ainda paira solene e
imperativo sobre mim. Não que ele tenha me outorgado tal fardo, eu o trouxe
para mim e nunca fui capaz de carregá-lo. Meu pai escrevia muito bem, com
leveza, humor, precisão, economia; com uma pontuação impecável que eu nunca
conseguirei emular, pois desconheço as regras, sigo apenas instintos. É por
isso que me assombra eu gostar do que escrevo. Considerar-me relativamente bom
nisso – em algo – mesmo sabendo não ser o melhor, mesmo sendo ignorante quanto
à norma culta, é inexplicável, quase um prazer proibido, algo errado, um pecado
que, como todos, traz prazer a guisa da culpa. É tão forte esta não aceitação
que neste exato momento não gosto mais do que escrevo e todo o prazer sumiu,
estou achando que me faço passar por idiota achando que estas palavras de merda
têm algum valor estético ou de qualquer outra natureza. Pois é, é difícil ser
assim. Lucky, Britney Spears. Fumar.
XXXXX
14 de maio de 2012
Mostrei a minha mãe este texto, pois o achei revelador e
achei que ela merecia me ver revelado. Foi muito bom, pois ela se pôs a
debatê-lo comigo e assim pudemos nos entender um pouco mais.