terça-feira, 3 de julho de 2018

GILBERTO GIL NA TORRE DE BELÉM E ELA, A PORTUGUESINHA (APENAS EM PENSAMENTO)


Melhor do que o Rock in Rio, na minha opinião. Não acho que deva ter havido show tão rico musicalmente em todo o festival quanto o que eu vi essa noite. Nada que se compare. Um verdadeiro espetáculo musical como há tempos não via. James não chega nem aos pés. O show de Gil foi um primor. A banda enorme, com excelentes músicos, repertório de primeira com direito a música-tema do “Sítio do Pica Pau Amarelo” com um arranjo impecável. Todas as canções foram rearranjadas para comportar o formato pouco usual da banda, que contava com um lindo coral feminino, que dava o tom afro a certas músicas, muito bem-vindo e muito compatível com a trajetória do cantor. São 1h17. Gil definiu bem o que apresentou como “concerto”. Havia vários adendos vocais no show com duas cantoras convidadas, uma da Itália e a outra de Cabo Verde, além de um dos instrumentistas, o que tocava acordeom, que também cantava, tanto é que Gil só entra lá para quinta ou sexta música. Encontrei com o meu outro amigo que volta, depois de um ano aqui, para o Brasil na terça. Muito bom. Ele tinha WhatsApp e conseguimos contatar o amigo que eu iria encontrar a priori e ficamos uma turma curtindo o show. Ou melhor, concerto. A Torre de Belém me deixou encantado. À beira do rio Tejo, aquele dos meus livros de História e Geografia, uma construção ancestral, tudo nela remetia a um passado muito remoto, anterior ao Brasil, aquilo foi impactante para mim, achei belíssimo, por mais que não seja tão grandiosa e ornada quanto o arco na Praça do Comércio, me causou mais emoção. Ao ver aquilo senti um sentimento novo, o meu horizonte se abriu um pouco mais. A coisa mais triste do show para mim foi a voz ou a falta de voz de Gil, mais do que compensada por todo o aparato musical, sem dúvida, mas que já não vem bem da pernas há alguns anos. Meu amigo jornalista disse que ele teve um problema renal há algum tempo e que quase morre. De nós três foi quem mais curtiu o show, era o que conhecia de fato o repertório e poesia do cantor. Admitiu que achava entre as poesias de Chico, Caetano e Gil, a do último a que se sustentava melhor sem a música, na forma, pelo menos. Eu que nada entendo da forma e que pouco conheço de Gilberto Gil, admito que poeticamente, até pela maneira e temas abordados a de Chico muito mais lírica, embora nem saiba direito o que a palavra lírica signifique. Acho mais bela, pronto, eis a palavra que sei dizer com certeza. Mas não é tão criativa quanto a de Gil e ainda menos que Caetano. Por falar nisso, ao ouvir Maracatu Atômico, percebi o quanto me identificava com a poesia de Jorge Mautner. Ele é de uma estética muito própria, muito singular. Acho que estou falando mais cabeça do que a minha cabeça comporta, mas tudo bem. A de Jorge Mautner é a que se aproxima mais do que escrevo eu acho e, por isso, a identificação. Sem querer desmerecer Jorge Mautner! Hahaha. Claro que fui com a vã esperança de encontrar a portuguesinha por lá e, obviamente, nem sinal e mesmo que tivesse ido seria muito difícil achar, pois uma grande multidão foi prestigiar o artista, não tão grande quanto a do Rock in Rio of course, mas alguns milhares de pessoas eu diria, duas mil e quinhentas eu chutaria. Não, mais, mas mesmo assim não dava um Rock in Rio nem a pau. Comparando com o festival, achei o astral do show gratuito de Gil mais alternativo, mais solto, mais livre de capitalismo, de planejamento de marketing, mais humano, em uma palavra. Acabado o show, resolvi dar uma carona ao meu amigo corretor, a fila do táxi que ficava logo depois da Torre de Belém estava muito confusa, havia uma hierarquia para pegar o táxi não muito bem definida e não completamente aceita pelo grupo crescente de pessoas a esperar pelo transporte. Vou descer para fumar um cigarro. Um momento.

1h52. Vi o barman, que achava que namorava a portuguesinha, pois não sabia da existência do Rick Martin português, preparando uma sangria portuguesa, nossa, como ele preparou rápido uma complexa receita com cerca de uma dezena de diferentes ingredientes, dentre frutas, temperos, bebidas, açúcar não refinado, soda limonada e, para finalizar, espuma de chope. Fiquei a observar antes de subir para escrever. E congratulei-o finalizada a obra, claro. Mas voltando à nossa volta de Gil, resolvemos ir tentar o táxi do outro lado da extensa avenida que tivemos que cruzar por uma passarela sobre o asfalto. Me senti numa manada, ou numa fila de condenados ou zumbis, subindo lentamente uma longa escada, passo a passo, aglomerados como gados ao matadouro. Foi uma situação estranha, que me lembrou um pouco o carnaval de Olinda, mas sem o caos e a folia, afora na entrada da escada, onde fura-filas faziam a turba se espremer mais do que o confortável e corpos se empurrarem e se forçarem uns contra os outros. De resto tudo decorreu de forma organizada e educadamente. As fura-filas que se meteram entre eu e meu amigo eram brasileiras, por sinal. E por sinal, me sinto cada vez mais incomodado em jogar guimbas de cigarro no chão, como fiz no parque, pois não havia lixeiro à vista. Penso em pedir à minha prima, que protestou contra os fumantes – ou, como dizem os portugueses, os fumadores – que fazem isso, um tubo de vitamina efervescente vazio para guardar as guimbas em vez de jogá-las e poluir a minha cidade sem lixeiros. Voltando mais uma vez à travessia da ponte. Essa foi se tornando menos densa e mais aprazível à medida que progredíamos, findando em um deslocamento fácil e livre. Descendo as escadas percebi como estou fora de forma, desci com as pernas trêmulas do esforço de subir a passarela e não me espantaria se amanhã acordasse com as batatas da perna doída. Isso me deixou envergonhado comigo mesmo. Enfim adentramos uma rua e lá pegamos um táxi. O taxista colocou o Rock in Rio ao vivo e tive que lhe contar a história de ontem, me senti impelido a. Disse-lhe que havia gastado setenta euros para ir ao Rock in Rio ontem, mas que só havia visto uma banda e voltado porque me era mais importante ver uma pessoa pela última vez na vida. Quando lhe contei que era a gerente dos garçons do hotel em que estava, ele não conteve a risada, meu amigo atrás gargalhou e reclamou de novo, como o fez quando contei para ele, sem tantos detalhes, que eu era um lambe por ter perdido o show do Chemical Brothers, que havia jogado fora setenta euros por causa da porra de um abraço. Pouco ele sabe e nem o motorista soube, que foi bem mais que isso, pelo menos para mim. Contei da rosa e da camisa e de ter dito que ela era o que de mais maravilhoso havia encontrado em Portugal. E tudo ficou mais calamitoso quando disse que ela tinha namorado. Se bem que o taxista tirou de letra e perguntou se eu era ciumento. Todos rimos no carro. Coisa de homem, eu acho. Ele emendou com um “paga uma passagem para ela ir o Brasil”, dizendo que ela deixaria o namorado de lado para conhecer o país. Ele contou que morava à beira-mar, depois contou sobre quão tediosa, desgastante e estressante é a sua profissão, indo e vindo, indo e vindo, indo e vindo em Lisboa, acelerando e freando, acelerando e freando, com passageiros que querem dar pitaco no trajeto, ou chatos. Sim, ele colocou “Tainted Love” do Soft Cell alto no carro e disse que era para eu me animar e esquecer a portuguesinha (não sei se ainda você, pois não sei o quanto vai acompanhar do meu blog, se estiver acompanhando, saiba que a partir de agora, cada post voltará a se limitar a três páginas, não cinco ou seis com andava fazendo cá em Lisboa). O taxista, depois de conversamos sobre a sua família, de me mostrar fotos da esposa e da filha e falar de como deixa os filhos agirem no mundo, com liberdade e responsabilidade, findou por dizer que ficava triste por eu partir apaixonado e que eu era uma pessoa muito boa de bom coração, que um “taxi driver” sabe aferir isso e que pessoas inescrupulosas poderiam me usar, que eu não posso comer na mão de uma garota e concordamos que um relacionamento tem que ser uma coisa entre iguais. Eu concordo e acrescento entre iguais, respeitando as diferenças, se aceitáveis forem, senão nunca dará certo. E aí me olho no espelho e me vejo diferente demais do resto do mundo. Sim, mas disse ao taxista, que já havia tido um relacionamento assim, o meu primeiro, mas que eu acreditava na humanidade. Fumei um cigarro na entrada do Novotel observando seu táxi desaparecer ao longe e tomando uma Coca-Cola, dessa vez quente, que havia levado para o show. Gastei uma fração do que utilizei no Rock in Rio e me diverti e vi muito mais música, tive ótimas companhias e tal. Vou fumar um cigarro lá embaixo uma vez mais e ver se me surge algo para dizer. Que narrativa mais chata essa, né? Foi mal, eu estou me divertindo. Ah, enquanto fumava o cigarro anterior eu pensei que se tirasse na Mega Sena (uma loteria milionária do Brasil, portuguesinha) eu alugaria um quarto por dez anos nesse hotel, por um farto desconto obviamente, mas depois desisti da ideia, até porque não tenho como tirar na Mega Sena porque não jogo. Mas desisti porque sei que você vai mais longe do que isso. Eu acredito muito no seu potencial, eu lhe admiro como ser humano e como mulher. Você é uma pessoa fantástica. Rara. Um achado, um presente que a existência me permitiu conhecer e me deleitar por um punhado de dias que me valeram por todo o ano passado, por mais que não quisesse perder a memória de ter convivido com o meu irmão em sua casa nos Estados Unidos. Meu irmão é um ser iluminado, diferente de nós. Isso inclui você, portuguesinha. Ele é feito de algo mais puro, melhor, a gente é do bem, eu e você, mas ele transcende a nossa bondade, ele está um ou vários passos adiante. A obra dele na Terra é muito bonita, admirável. Como disse a ele, meu finado pai ficaria orgulhoso. Ele mais do que compensa as minhas incontáveis faltas e fracassos. Minha irmã tem um belo mundo seu também, mas não há comparação. Meu irmão é o ser humano que mais admiro no mundo. Nem você, portuguesinha, consegue estar à sua altura. Mas chega de endeusar o meu irmão. Vou fumar um cigarro.

2h57. Você, se ainda estiver me lendo, é uma pessoa especial, você passeia com graça e desenvoltura pela vida, com firmeza, confiança e coragem, com alegria e acredito que, não raro, felicidade. Você é um pequeno milagre da evolução humana combinado com uma série de sucessos psicossociais. Eu lhe admiro imenso e lhe amaria imenso se essa chance me fosse dada. Mas o acaso-destino quis que eu provasse de você apenas a mínima dose. Só para me tentar e me roubar. É um tanto cruel o que se passa em meu peito, mas prefiro passá-lo e viver o luto de ter vivido. Me sentir tão vivo, tão desejoso de vida é tão raro. Nem posso falar isso porque houve a garota da rabeca apenas alguns dias antes, mas não vale nem conta como você. Três encontros relâmpago e ela não tinha o seu encanto pessoal e embora talvez fosse mais bela em questões meramente estéticas era mais incompleta que você. Faltava-lhe um algo que você possui. Tenho absoluta certeza de que deve ser divertidíssimo repartir a vida com você. Uma delícia. Não sei por que ainda perco tempo a fazer tais projeções, é como um filme sem, como você diz, “ecrã” (tela) para ser projetado. Está ficando muito tarde e preciso me deitar. Ou não. Minha mãe que sonhe que estou dormindo. Mas as palavras começam a me faltar. Daqui a pouco passarei a me repetir, me conheço. Você foi um sonho bom, que quando acordei não estava mais lá, fica só a vontade de voltar para dentro do sonho, sonhá-lo mais um pouco, mas isso já não é possível. A realidade se revela como sempre tem sido, palavras e só. Minto, me senti vivo hoje nessa última saída por Portugal. Foi um dia bom de ser vivido, não posso ser tão ingrato com a existência ou comigo mesmo. Presenciei um dos últimos shows de um mestre da música brasileira e, na minha singela e alienada opinião, mundial. A geração de Gil, Chico e Caetano, os três maiores para mim, foi única, foi miraculoso termos três artistas desse quilate numa só sentada. Do jeito que a música brasileira de massa anda me parece que é só ladeira abaixo, se já não chegamos ao abismal final da dita ladeira. Já ouvi músicas de conteúdo pavoroso, nojento e que, de alguma forma reverberou socialmente ao ponto de chegar aos meus ouvidos, eu que faço o máximo esforço para ouvir só o que quero e me agrada fui agredido por funks chulos, para dizer o mínimo. Ainda bem que estes não vi passarem aqui em Portugal, seria um acinte, como achei acintoso quando ouvi. Minha mãe despertou novamente e me manda dormir. Ameaça com a minha obrigatória presença no café da manhã logo mais. Ter mãe também é padecer no paraíso. Hahaha. Eita, acabou-se a página. Morasse eu em Portugal, tomaria como missão pessoal difundir a gíria “massa” (similar a “fish”). Acho uma gíria muito massa. Ou “fish”.

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22h52. Não posso terminar esse post sem abordar alguns pontos. O primeiro ainda sobre o show. Houve uma manifestação de “Lula livre” por parte da plateia e nenhum de nós três, brasileiros, se manifestou. Fiquei cismado com isso e me percebi sem opinião sobre o assunto. Busquei dentro de mim um posicionamento e concluí que acho que ele sofreu uma inquisição política, não que não houvesse feito algo de errado, mas se todos os parlamentares passassem pelo mesmo escrutínio de seus malfeitos, o congresso estaria agora vazio ou com muitos poucos integrantes. E a maioria deles por crimes muito mais escabrosos, escandalosos e imorais que o tríplex de Lula. Essa foi a conclusão sobre a prisão de Lula no meio do show de Gil.

23h52. Encontrei a portuguesinha no Facebook e meditei bastante sobre mandar-lhe um convite de amizade, mas acabei por decidir que se alguém tiver que me adicionar é ela, acho uma ousadia grande demais da minha parte fazer isso. Parece-me excessivo. Sem dúvida parece, na minha opinião. O meu endereço da rede social está em algum dos posts sobre Lisboa, mas posso repeti-lo aqui, por conveniência, mario.barros.75 . Ei-lo. Sugeriria à minha portuguesinha que, para ganhar mais visibilidade para o seu blog, para divulgá-lo melhor, participar de grupos de cinema e cinéfilos e publicar suas postagens lá. É o que faço para divulgar as minhas, em páginas de escritores, no meu caso. Se bem que em nos tornando amigos no Facebook e com o seu schedule de trabalho e o fuso-horário que nos separa, seria difícil estarmos online ao mesmo tempo.

0h27. Encontrei uma senhora muito pobre no dia da entrega dos presentes à portuguesinha, estava à frente do hotel quando saí para fumar. Ela me pediu o isqueiro e disse estar com sede, me pediu água, supondo que eu fosse um dos funcionários, ofereci-lhe da minha Coca para beber. Ela olhou com estranheza e perguntou se era doce. Fiquei impressionado com o seu desconhecimento do refrigerante e acreditei nele. Afinal de tão pobre catava guimbas de cigarro do chão para fumar e trazia várias à mão quando a conheci. Ela achou a Coca muito gelada, pois como é sabido eu a tomo com muito, muito gelo. Dei-lhe ainda dois cigarros e ela me pediu permissão para sentar um pouco na escada de entrada do hotel e concordei. Disse-lhe que não era funcionário, mas um hóspede e que precisava ir, ela me falou seu nome completo e que fazia faxina e não pegava nada da casa, que era honesta. Por que há pessoas que têm o acaso-destino tão miserável e triste? Isso me incomoda sobremaneira. Eu falo de outros assuntos, mas no fundo da minha cabeça está ela ainda. Preciso ir dormir, acordo cedo para a viagem. Preciso guardar o computador. Posto isto de Munique. Até lá.  

Adendo: feliz aniversário, minha querida portuguesinha! Felicidades mil. :D

Um comentário:

  1. Tenho que emendar um pequeno facto: eu não sou gerente de nada. Sou igual aos meus colegas, apenas com uma função diferente :p
    Foi um ótimo aniversário; que coisa linda que tu te lembraste :D

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