sexta-feira, 22 de junho de 2018

ENCONTRO COM A INCRÍVEL REVISORA OU NAUFRÁGIO DE UM SONHO


15h58. Estou na piscina à espera da incrível revisora. Duas meninas brincam na piscina supervisionadas pela babá, que mexe no celular. Provavelmente WhatsApp. Minha amiga revisora está a caminho e terei um grande choque de realidade agora. Não estou preparado para isso, mas tenho que ser adulto o suficiente para encarar. A ansiedade impera. O que me dirá a minha amiga revisora não sei. Não sei o que esperar desse encontro. Essa incógnita me incomoda. A empregada chama as meninas para subir. A claridade rouba-me um pouco a visão da tela. Nunca desci para a piscina de dia. Para tudo há uma primeira vez. Hoje é uma grande primeira vez para mim e meu sentindo aranha não para de alarmar, bicho neurótico que sou. O iTunes não pega.

18h03. O que esperava aconteceu, a incrível revisora acha que o livro da forma como está é impublicável. Ainda estou assimilando o golpe. Meu tio, por esta visão, não poderá me ajudar, pois isso denigriria a sua imagem pública.

18h10. Ainda pensativo sobre o que fazer dessa obra. A realidade não me surpreendeu, apenas me atingiu com um tijolada.

18h20. Eu me arrisco, ou melhor, me condeno ao ostracismo se publicar. Ao repúdio social completo. Por ser apenas eu. Eu percebo que algo se partiu, quebrou entre mim e a incrível revisora. Eu estou chocado com o choque dela. Não sei o que pensar.

18h56. Continuo sem saber o que pensar, raras vezes estive tão dividido em minha vida. Seria um ato de extrema bravura e de extrema covardia e burrice também. Nenhuma editora publicaria o meu livro, foi o que me deu a entender a incrível revisora.

19h09. Para mim, é o tudo ou o nada. Vou perguntar à incrível revisora se ela pode fazer a crucial transformação no texto. Não, não sei se tenho coragem, dá muito trabalho.

19h43. Pedi. O não eu já tenho. Vamos ver o que ela responde. Estou me sentindo profundamente mal. Me sinto amputado. Na alma. A parte mais importante do livro cortada. É dilacerante. Mas se a reação da incrível revisora que é tão cabeça aberta, esclarecida, foi essa, que seja. Só não me sentirei realizando o meu sonho. Será um pedaço qualquer de sonho. Nunca o sonho completo, nem cheiro disto. Confesso que me deu vontade de cheirar cola. Mas isso seria um completo despropósito. E não o farei pois não sou tão imbecil a esse ponto. Nossa, às vezes a realidade é dura. Não sei se o livro tem substância ou relevância que o sustente censurado. Será um livro muito mais comum, reles, sem graça. Por que eu sou assim tão torto? Frustação em nível extremo. A sociedade não está preparada para aceitar a minha verdade. Tive a prova cabal disso, o que me fere profundamente. Eu sou um fracasso como pessoa. Nunca conheci ninguém tão falho e estranho como eu. Nem quero conhecer. Minha vida perdeu em grande parte a razão de ser. O vazio dessa constatação é enorme. Perdi todo o tesão que tinha pela obra. O que fazer da minha vida agora? Qual o sentido da minha vida agora? Este blog? Tinha apostado todas as fichas nesse livro. Apostei errado. Como apostei errado em tudo. Essa noite eu queria morrer, como canta a antiga canção. Quem há de se contentar com tão pouco? Quem não padece vendo um grande sonho morrer? Ou ser decapitado, arrancarem-lhe o coração? O que vivo é luto.
21h23. Estou de volta à minha casa e carrego todo o peso que trouxe da conversa na piscina. Por que eu sou assim, meu deus? É o que mereço mesmo por ser tão egoísta. Só quero crer que seja o egoísmo, pois mal não faço a uma barata. Por que será que eu sou assim, de onde resulta isso, qual foi a curva errada que eu peguei? Tudo o que queria, tudo o que sonhei era a sinceridade absoluta daqueles dias. Mas o acaso-destino quis de outra forma. Eu não quero publicar mais livro capado, castrado porra nenhuma. Foi como previ, vai ficar mofando no meu pen drive para sempre. Quanto desperdício de esforço da incrível revisora. Quanto desperdício de esforço meu. Quanta vida indo ralo abaixo. O pior é o sonho de ser reconhecido escritor para sempre perdido, pois o que sobra é muito pouco, é menor, não vai nem vem. Sei lá, posso estar superestimando o que precisa ser cortado para que minha vida siga semelhante a como é hoje. Eu não gosto muito da vida como é hoje. Antes eu tinha um sonho, um grande sonho. Hoje tenho um monótono monólogo. Foda-se eu. Quem me dera eu ligar o foda-se. Não consigo. Não sei o que fazer mais da minha vida. Aliás, ainda resta descobrir a verdade sobre a Garota da Rabeca. Mas depois dessa reviravolta de hoje, esperar o pior é otimismo. Mas pagarei para ver. Eu acho. Me sinto sem ânimo, sem chão, sem céu. Mas só há duas alternativas. Há uma terceira. Não ouso contar aqui. Puxa, isso dói. Às vezes a vida é... não sei nem descrever. Hoje é um dia em que não vejo o menor sentido na minha existência. Ela é completamente vazia de utilidade para o mundo. E o mundo não me aceita. Não caibo no mundo. Todo mundo vai para granja de Kilma e ninguém lembrou de mim. Alegarão a viagem, mas duvido que quem de direito soubesse da minha viagem. São essas as pessoas que perderei? Não quero. Não sei o que não quero. Gostaria muito de saber. Só sei que não quero. Com muita intensidade. Mas já está tudo resolvido na minha cabeça. Já sei o que farei. A terceira via. Livro inútil e ridículo. Como o autor. É assim que o livro me parecerá. Que seja. Como a vingança este é um prato que comerei frio. Ou miraculosamente a Garota da Rabeca... foda-se, isso é outra idiotice da minha cabeça idiota. Vou perder 40 reais, isso, sim. Por um fora ou algo pior. Se ela for. Foda vai ser pagar isso e ela não estar lá. Há uma possibilidade grande que esteja. Ou pode ser que vá viajar no São João, vá passar com a família em algum lugar. É bem possível isso também. Como odeio ser eu nesse momento. É, é o que construí. Ou o que foi me surgindo, sei lá. Não tenho controle sobre tudo. Nem sobre a minha obra. Mas está sacramentado. Eu já me decidi. Pelos meus amigos de internamento, vou arriscar a obra mutilada. Eu estou derrotado, abatido pela dureza dos fatos. Da coisa como é. Da coisa que sou. E da incompatibilidade entre ambos. Eu não nasci para esse mundo. Eu nasci errado. Todo errado. Queria ter os colhões. Mas a sensatez, ah a sensatez, essa megera devoradora de sonhos me faz recuar e repensar as minhas ações. Aborto de sonho.

22h41. Ainda há um alento. Eu que começo a odiar o mundo. Não posso odiar o mundo. Então odeio a mim mesmo. Eu me odeio. Fruto podre que não despenca da árvore e se espatifa no chão para os vermes comerem. Vou fumar.

22h59. Resolvi desopilar do passado e me focar no presente. Não quero falar de livro, tive uma overdose de livro por hoje. Nem quero pensar, por ora, na Garota da Rabeca. Eu estava num vibe muito negativa, muito cheia de mágoa, de sofrimento emocional e de autodepreciação. Coisa que não me faz sentir bem e o que eu mais quero, em realidade, é me sentir bem. Talvez até saia com um livro merda publicado. Não sei se quero isso. Mas pelos amigos de clínica, para provar a eles que eu consegui. Não acho pessoalmente marcante quanto a minha realização profissional, mas é alguma coisa. Acho que não ganho nada com a versão censurada, vou chocar a minha família de graça, não vou me sentir satisfeito com a obra que publiquei. Tomara que a incrível revisora faça uma puta lipo no livro. Eu não quero publicar esse livro. Será que é coisa passageira? Ou tem a ver com os “não quero” lá de cima? Por que me limitar chocando os meus parentes apenas por uma obra na qual não acredito por completo? Desnecessário. Não sei. Tenho muito ainda o que matutar sobre o assunto.

23h19. Estou querendo entrar em outra linha de pensamento. Acho que vou pegar gelo e comer. Coisas doces.

23h56. Abri dois pacotes de biscoito diferentes, o Ruffles e comi carne de sol com arroz. O arroz não estava muito bom, na minha opinião. Está batendo um soninho. Veremos como acordarei amanhã a respeito do livro maldito. Vou lá.

-x-x-x-x-

11h20. Como acordei hoje? O Brasil, me disseram, ganhou de 2 a 0 da Costa Rica, eu acho. Mas já me levanto com a renúncia do conteúdo do meu livro na cabeça. A incrível revisora visualizou a minha mensagem, mas nada respondeu. É o final de semana dela. Não vou atrapalhar. Nem sei se vou pleitear uma publicação amputada do meu livro. Não sei de nada por enquanto, estou ainda reativando Tico e Teco. Sei que o livro veio junto com o despertar me assombrar e me machucar.

11h43. Tomei mais café, fumei mais cigarro. Estou sem saber o que pensar sobre o livro. Mas acho que só me resta a terceira via. Eu não sei o que sentiria com a publicação do livro decepado. Acho que em não ficando monótono pode ser uma. Uma, não, meia, pois o que mais sinto necessidade de gritar ao mundo ficará selado em meu peito. Nossa, como queria arrumar uma namorada. Como queria que a Garota da Rabeca estivesse lá na Casa Astral amanhã. E que fosse receptiva ao meu texto. Não acho impossível. O que acho impossível é publicar o livro como está nesse espaço-tempo de agora. Minha amiga revisora me convenceu disso. Eu tenho isso como líquido e certo que o livro tal como está não vai ser aceito por editora nenhuma. Terei que me publicar eu mesmo se quiser que a versão completa veja a luz do dia. O que nem sei mais se é o meu intento. Acho que tudo perdeu o sentido para mim ontem. Continuo arrasado, mas a minha alma escorre pelas frestas em busca de uma solução mais próxima do ideal possível. Acho que a previsão de acabar distribuindo livros em frente a Livraria Cultura seja, por surreal que pareça, a mais plausível. A que mais se adequa a realidade tal qual me foi apresentada pela incrível revisora. E acho que ela tem razão. Se eu achasse que não havia sentido em seu pleito, mas acho completamente pertinente. Sensato. Eu e a sensatez nunca fomos de muitas intimidades, mas tenho que dar o braço a torcer agora. Agora entendo por que meu tio não quer se envolver com o livro. Não sei se em publicando a versão capada eu teria o direito de publicar a versão sem cortes mais tarde, não entendo de direitos autorais. Mas acho que seria mais complicado. E a versão censurada não me realiza, pois não acredito nela. Se fosse publicada por uma editora, meritoriamente, ainda assim não me sentiria realizado, seria como um prêmio de consolação, eu não acharia meritório. Como o acaso-destino é irônico. Eu pedi que o meu livro fosse publicado meritoriamente, isso pode se tornar possível a um preço que não sei se consigo pagar. Aí vejo, que o mérito é algo que passa pelo meu julgamento também. Que coisa curiosa. Não esperava por essa. A existência é mesmo surpreendente. Estou inclinado pela terceira via. Me parece a solução que mais me agrada. Não sei. Aliás, é o que sinto. Queria sentir diferente, mas não consigo. Isso tudo vai me parecer irrelevante daqui para lá. Eu não preciso de obra nenhuma. Eu não preciso nem existir. No entanto existo e tenho uma obra impublicável a publicar. Meu tio só se arriscaria a me ajudar com a versão amputada. Sabe no que penso? Na Garota da Rabeca. Amanhã receberei outro duro golpe da realidade. A sua ausência no forró da Casa Astral.   

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