sábado, 3 de dezembro de 2011

Diários de um Manicômio XII

30 de agosto de 2011



Hoje me senti como um leão numa jaula de zôo. Nada para fazer. Apenas comer quando dão comida e dormir até não haver mais sono para dormir. Não posso chamar este estado de depressão; mais adequado seria prostração.

XXXXX

Ontem tive uma conversa relativamente longa com a psicóloga de plantão (por volta das 23h). Falei abertamente do meu uso de droga/cola e tentei deixar claro que nesse momento a droga é mais importante que qualquer outra coisa. Se há uma sensação que tem me perseguido (e que talvez eu esteja construindo) é a de que estou perdendo gradativa e paulatinamente a minha liberdade de escolha. Deste manicômio, não sei para onde irei, nem quando irei. Não está em minhas mãos tais escolhas. Minha expectativa é que fique enjaulado aqui até a volta da minha mãe. Depois disso, acho que, como sempre, ela vai achar que a instituição anterior (que, na minha opinião, tanto me ajudou e acolheu) seja/foi ineficaz, pois não me “curou”. Prevejo, com receio e desgosto, acabar na Vila Passos, o que, desde já, creio firmemente não me trará nenhum benefício terapêutico ou de qualquer outra forma, senão alimentar a minha revolta.
Liberdade, liberdade, quantas longos dias, quantas extenuantes semanas tive que abdicar de você pelas poucas horas em que te tive inteira e completamente, em que me tive inteira e completamente?

XXXXX

Hoje está havendo a reunião entre equipe técnica e familiares a portas trancadas atrás de mim. Ouço o burburinho e prevalecem vozes femininas. Não sei se minha tia está presente (e, sinceramente, prefiro ela à minha mãe [caso fosse possível esta última se teletransportar da idílica Europa para esta casa de doidos]).

XXXXX

Falando em doidos, um novo paciente, bastante agressivo, chegou e já tentou escapar, chutando a porta que dá para o pátio quando um desavisado funcionário a abriu para entrar. Recusou-se a tomar remédio e bradou a liberdade que lhe foi tirada enquanto era imobilizado e medicado por três ou quatro homens. Ele apenas expôs o que todos nós já sentimos, mas a agressividade de seus atos e da repressão aplicada amplificou a intensidade da mensagem e calou fundo em mim.

XXXXX

A figura que não evanesce do meu peito, que não é desse mundo, que eu queria transformar em personagem de uma história à altura de sua maravilha, é Adeline.

XXXXX

Diminuindo meus receios acerca do futuro, Crica, psicóloga do albergue de drogados, esteve aqui para renegociar minha transferência para lá. Reafirmei minha vontade de usar cola o mais rápido possível, mas manter minha abstinência enquanto estiver sob responsabilidade da minha tia.

Após um período de mais ou menos duas semanas no albergue para o qual irei, poderei ter saídas acompanhadas. Não as aceitarei. Só sairei para o primeiro final de semana livre em que puder sair só para o meu retiro espiritual. Não sei ao certo o que farei depois, se voltarei para o albergue ou se seguirei o caminho que a cola me indicar.

Certo é que meu estoque incluirá 6 carteiras de Derby, 4 latinhas pequenas de cola e 1 lata média, 4 garrafas de coca de 1 litro e talvez uns Bonos e uns Torcidas. Gostaria muito de já ter a roupa de profeta. Acredito que isso ajudaria a proteger-me de possíveis meliantes pela aparência místico-excêntrica da persona incorporada.

Preciso dessa “peregrinação alucinógena” pela libertação, pela autodestruição (libertação da vida ordinária/dor?), por reconstrução (desconstrução?), iluminação (loucura?), pela ruptura com a humanidade que odeio em mim.

Eu acho que amo a loucura, pois tenho tão pouco e sou tão capaz dela.

XXXXX

Eu vi em Adeline a face mais bela da loucura, a loucura que mais amo, a fada-rainha de quem seria o zangão encantado que eu sinto ser nas viagens de cola. E não só pelas suas formas, mas também por sua forma de ser. Pela manifestação de timidez irradiante, incandescente, com rompantes de bichos, gatos, dragões, galinhas, baba de chocolate ou iogurte; pelo jeito estranho e encantadoramente magricelo de garota de 22 anos, branquinha, buchudinha, de curtos cabelos negros e negros olhos, às vezes profundos e sombrios, às vezes estreitos-cheios, de onde saltitam fagulhas de alegria que não teriam outra definição que não pura infância.

E o charme desengonçado, o mais charmoso desengonço do mundo. Um ser que nasceu num mundo pior que ela, capaz de suportá-la, mas incapaz de entendê-la, de deixá-la ser plena. Uma princesa perfeita para o meu mundo de cola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário