quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

DATAS E "DATES"


6h22. Eu fui dormir muito cedo, acordei para comer e perdi o sono. Mamãe apareceu aqui e, como é um comportamento diferente do dos cidadãos normais, já achou que eu estava com algum problema de ordem psicológica. O que ela não entende é que deixei de seguir os padrões sociais há muito tempo, a maioria deles não me agrada, não consigo nem quero me adequar. Prefiro levar a vida do meu modo, na minha toada. E minha toada inclui momentos como esse. Vou fumar um cigarro, um dos últimos, ainda bem que recebo carteira hoje. A internet está uma bosta. Mesmo assim fui completamente absorvido pelo maravilhoso mundo dos bonecos.

6h34. Só um coração de mãe sabe o que um coração de mãe passa e é capaz, especialmente tendo um filho tão esquisito quanto eu, com hábitos e gostos para lá de peculiares. Sei que estou vivendo a vida da melhor forma que posso, da melhor forma que sou capaz de viver, mas acho que tudo o que ela vê é um grande talento, um grande potencial desperdiçado e desperdiçando a vida. Aí já pode ser imaginação minha. Sei que faço exatamente o que gosto e quero. Espero que ela não cancele o meu cartão até março, seria uma bronca sem tamanho. Espero que não cancele o cartão nunca, pois agora que estou paquerando ele se faz mais útil do que jamais foi. Além da Rebel Terminator que está gerando estes valores elevados no cartão, pleiteio o Azure Dragon, mas tudo depende do custo de envio para o Brasil. Espero até agora a posição do cara da fabricante e ele não foi capaz de me dar resposta. Bom, não quero falar de bonecos agora. Queria falar da minha mãe, mas o que dizer dela? Está mais amorosa, mais preguiçosa, mais combalida pela idade e pelo tratamento contra a volta do câncer. Terá grande felicidade quando o meu irmão US chegar com a sua turma, assim como terei também. Falei de certa vergonha no lidar cara a cara com o meu irmão na terapia, mas não preciso fazer nada que não esteja disponível a fazer. Tenho certeza que meu irmão me compreenderá, é a pessoa que mais me compreende no mundo. Minha mãe é a que mais sabe de mim, mas não consegue compreender a maioria das minhas escolhas e tem dificuldade de aceitá-las, embora esteja aceitando muito mais do que costumava fazer. E por isso sou grato ao tempo e ao esforço dela, pois tenho certeza que se esforça para tentar entender o que vai na minha cabeça que é tão diferente do que vai na cabeça dela e dos demais com quem lida. Embora, como e todo e qualquer um estou tentando levar a vida da melhor forma que consigo. Minha mãe acordou, falei tanto nela que fiquei com saudade da sua companhia, vou lá ter com ela, depois volto, há tempo o bastante para essas palavras. Tempo demais até.

7h55. Mamãe soltou os cachorros em relação a Blanka. O canil inteiro. Sua total descrença na relação que pelo menos eu estou tentando construir, falou inclusive palavras de baixo calão que não cabem a mim reproduzir, se exacerbou tremendamente e justificou todo o seu preconceito e desconfiança advinda desse preconceito como o desejo de uma mãe de proteger seu filho. Que seja, disse que sentiu-se mais aliviada depois do desabafo indiferentemente se as palavras me agrediram ou não. Sinceramente não sei que expectativas ter em relação a Blanka se mal fala comigo desde o nosso último encontro. Sei lá da vida. Sei que estou zumbi e gosto desse estado, traz uma paz interior muito grande e gostosa de sentir, talvez por isso tenha ouvido o sermão de mamãe com tamanha tranquilidade. Imaginei que a minha relação com Blanka seria um desafio com vários obstáculos, difícil, mas não me veio à cabeça que encontraria tamanha rejeição de mamãe.

8h33. Me perdi com conversas com o eletricista, o pintor e no maravilhoso mundo dos bonecos. Bom mamãe está aliviada agora que desabafou toda a sua ira em relação a Blanka comigo. Não acredita que ela vá ao Natal dos Barros. Não acredito que ela não vá falar comigo hoje. Acharia falta de consideração. Mas ainda é cedo. Hawkmoon 269 passando, potente e maravilhosa, U2 no seu melhor, para o meu gosto. Ouvi muito esse vinil. Quando Blanka nasceu não havia mais vinis. Nossa, a diferença de idade é gigantesca e eu acho isso uma vantagem. A juventude feminina não tem preço. É o espetáculo mais belo que o universo pode proporcionar a esse primata bípede que vos escreve. Pelo menos minha mãe disse que eu escrevo bem. Gosto de ouvir isso, embora custe a acreditar que algo de bom parta de mim, há sempre um bloqueio, uma negação, uma relutância, desconfiança. Quem me moldou tão inseguro e tão desacreditado das minhas qualidades? Por que continuo a me colocar assim? Por que não aceitar que tenho qualidades, pálidas e fugidias, mas tenho? E, mais difícil ainda, aceitar que elas me bastam para me ver como uma pessoa digna, não digo ilibada, mas normal, tão pecadora como qualquer ser humano, com alguns lapsos de graça.

10h02. Nesse momento, estou meio puto de não ter notícias de Blanka. O veneno que minha mãe enfiou-me goela abaixo fazendo efeito. E é bastante tempo sem falar comigo mesmo. Quero só saber a justificativa.

10h18. O tempo se arrasta. Vou fumar. E beber Coca.

10h32. Me disse chateado com Blanka a esta pela falta de comunicação.

10h40. Eu não sei mais o que dizer, nem sinto vontade de dizer. Talvez seja o cansaço o pior que o pintor está trabalhando na porta do meu quarto, então não posso fechá-la e ligar o ar para um cochilo.

FOTO DO PINTOR QUE COM A INTERNET BOSTA NÃO CONSEGUI CARREGAR


19h31. Dormi até as 16h e fiquei conversando com Blanka até agora. Foi bom.

-x-x-x-x-

14h51. Estou conversando com Blanka, o que é bem melhor que escrever para quase ninguém. Depois conto do exame de pulmão que fiz hoje.

15h28. Ela tem afazeres, então cá estou de volta à escrita solitária. Talvez nos falemos amanhã. Não sei. Sei que a médica viu meu raio-X, meu teste de função pulmonar e achou tudo normal, não falou, como da primeira vez, que eu havia perdido 38% da minha capacidade pulmonar. Estranhei, talvez tenha feito o exame de forma errada da primeira vez e, como o aparelho agora foi diferente, tenha o utilizado melhor. Realmente um mistério. Mas se nada há de anormal, fico feliz. Pediu apenas que continuasse usando a bombinha até acabar. Estou pensando em Blanka, em como despertar o seu afeto por mim. Para isso é necessário, creio eu, que me deseje sexualmente, para além do carinho, quero muito que aconteça o encontro do dia 27. Não sei se irei para Porto com o meu irmão, entretanto. Caso vá acho que retornarei no mesmo dia, mas acho a probabilidade de mamãe ir no dia 26 mais plausível, então no dia 27 estaria livre. Veremos.

17h11. Não sei como o tempo passou até este momento, mas passou. A internet está um droga, falarei com mamãe para que ela, ou eu, tome uma medida antes de o meu irmão chegar porque ele e minha cunhada vão precisar de internet. Mas não quero pensar nisso agora, nem quero escrever. Queria era poder levar Blanka para Porto, mas sei que mamãe vai ser terminantemente contra, ademais nem sei se Blanka teria disponibilidade para ir. Nem sei se mamãe vai. Deixa para lá, já estou querendo demais. Mas queria um pernoite com Blanka no dia 27 e sua presença na festa da piscina no dia 29, caso realmente haja. Essas duas coisas acho mais possíveis. É, mas a prova de fogo vai ser agora dia 22, no Natal dos Barros. Se conseguirmos sobreviver a ela, creio que haverá uma maior consolidação do casal que pretendo que nos tornemos. Depois desse dia, acho que a nossa relação fluirá de uma nova maneira, mais fácil, não sei, posso estar imaginando coisas aqui. Desde que percebi que não sei distinguir o que factual do que é mera imaginação dentre as coisas que me passam à cabeça, acho que se projeto qualquer coisa, ela não passa de ficção. Embora Blanka também esteja achando que esse dia 22 será um divisor de águas para a gente. Estava tranquilo, já volto a ter receio e ansiedade quanto ao dia. Bem, o que tiver de ser será. Estou otimista apesar do pé atrás. Encontrei a garota que tem as particularidades que se adequam às minhas necessidades. Não sei se preciso mais do que o que teremos à nossa disposição, nossos encontros não serão tão frequentes, ou serão tão frequentes quanto desejarmos. Mas vai ainda um longo caminho até ela realmente querer me ver, sentir minha falta. Ela é emocionalmente muito fechada, especialmente no que tange a homens. Minha intuição ou imaginação acredita ser possível, é ter paciência. É um processo, um difícil processo, especialmente para ela. Queria que as coisas avançassem antes da alagoana ressurgir, se bem que isso nada muda a natureza aberta da nossa relação. Na nossa relação, para o bem ou para o mal, não há espaço para ciúmes. Odeio ciúme, é um sentimento corrosivo e mesquinho. Odeio sentir. Até agora não se deu. Nem pode se dar. Ela tem Dande como a pessoa da sua vida, tem isso bem cristalizado no seu ideário.

19h53. Conversamos ainda um bom bocado, talvez nos vejamos nos dias 22, 27 e 29. O dia 27 sendo meu presente de Natal, um pernoite no motel que eu tanto pedi. No Senzala, que achei mais ajeitadinho que o Olympikus, num quarto com banheira. Pedi que considerasse com carinho e me desse a resposta após o dia 22, ela disse que daria no próprio dia. E disse que topava vir para o aniversário do meu irmão no dia 29. Espero que após o dia 22, mamãe encasquete menos com Blanka. Será o momento de a “sogra” conhecer a nova “nora”. Nossa nem consigo imaginar tal encontro. Será desconfortável para ambas, mas acho que ainda mais para mamãe, o preconceito que carrega é enorme.

20h17. Fui fumar um cigarro e me perdi do assunto por um momento pensando que este não seria o momento apropriado para morrer, injetado de vida que estou. Os próximos dias prometem só coisas boas, é uma época muito boa para ser eu. Se tudo correr minimamente como planejado, tem início uma fase muito feliz da minha vida. Em verdade acho que o embrião dela, quiçá o feto, já esteja formado. Não sei realmente. É tudo muito novo, uma descoberta, que vai se desnovelando a cada novo dia. É uma novela a minha vida agora, de enredo elaborado, com drama, mistérios, verdades, segredos e o romance que se constrói mas que não se consolida nos primeiros capítulos, os primeiros capítulos foram em verdade bem sui generis, a novela promete ser boa, repleta de emoções.

21h17. Enquanto caminhava rumo a pizzaria uma parte autônoma ou secundária de mim me conduzia até lá, visto que eu estava pensando em coisas todas outras. Todos na pizzaria me receberam com um sorriso de simpatia mútua, pois sorri também, feliz em revê-los. Quero divagar por outras paragens. Me vem a chegada do meu irmão, mas não é sobre isso que quero falar. Bateu o modo antissocial em mim, nossa como odeio, Blanka o conhece bem, se deu no nosso último encontro. Lutei contra ele e agora me aparece de novo. É algo do que devo dar um tempo agora, esse medo de enfrentar as pessoas, do social. Não preciso disso agora. Imaginei uma cena fictícia agora, na casa de uma amiga, na madrugada que se iniciou com o fim da celebração do seu aniversário ou, antes ainda disso, com a missa de sétimo dia de seu pai. Ficamos o marido, dois amigos dele e eu, depois de um bocado de cerveja, eu não estava bebendo, acenderam um baseado e eu fumei. Entrei numa vibe legal com eles falando de filmes de super-heróis, foi quando me deu vontade de ver Deadpool, pelo o que o melhor amigo do marido propagandeou do filme, que ainda estava nos cinemas à época, eu acho, até que chegou o momento que me travou: o marido botou quatro carreiras de cocaína e cheirou uma numa nota de cem reais enrolada, ofereceu o canudinho e o espelho a nós, os demais entraram na onda, primeiro o melhor amigo, depois o namorido de outra amiga nossa que esticaram conosco da missa para o bar para a casa do casal, eu fiquei mais meia-hora e chamei um Uber pra casa enquanto discutiam se filmes de super-heróis e fantasia baseadas em séries de livros, como Harry Potter poderiam ser considerados clássicos, eu só considero clássicos dessas categorias o The Dark Knight Returns e Senhor dos Anéis. Gostaria de ter coragem de colocar um da Marvel, mas não tenho, tenho da Pixar; no mínimo Wall E, é o 2001 (outro inegável clássico) da Pixar. Vou fumar e comer. FIM. Acabou-se a ficção. E o post.

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