quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

PARA RICKY


17h52. Antes de começar de fato a preencher esta página, um cigarro se faz necessário. Acabei de revisar e postar o texto anterior.

18h31. Resolvi colocar umas fotos no post para que tenha um pouco mais de dinamismo e seja mais amigável ao leitor. Não sei se fui bem-sucedido. Vou fumar outro cigarro e migrar para a Coca.

18h44. Cruzei no dia de Natal com dois sem-teto, talvez com grandes sonhos, certamente com esperanças miúdas, como a expectativa de financiar o próximo porre de Pitu, não sei se mendigos, pois dormiam, portanto, nada me pediram, eu que tinha cento e vinte reais em dinheiro para comprar Coca e sorvete. Ainda cometi a ousadia de fotografar sua sorte na existência ali à deriva na calçada. Postei a foto no post anterior e ela me cala muito profundamente, o acaso-destino age de formas tão variadas e pode ser extremamente duro com alguns e é extremamente duro com alguns, talvez excessivamente duro. Apesar disso, dessas pessoas maltratadas, maltrapilhas, mal vividas, desprezadas, esquecidas, em sofrimento, sou otimista. Acho que há mais gente se sentindo bem do que mal no mundo. E vou além: acho que esse número é crescente. E indo mais além: acredito no paraíso na Terra, quando todas as necessidades serão supridas, todos os desejos realizados. Todos terão oportunidade de entrar no paraíso, mas haverá aqueles que não se disporão a isso por medo do novo. Queria falar com Blanka. Muito mais do que escrever aqui. Não estou com disposição para escrever aqui, vou vagar pela internet.

19h36. Meu amigo da piscina me chamou para fumar um cigarro na escada. Depois me chamou para descer, mas dessa vez decidi ficar em casa. Aqui no quarto-ilha, na minha estranha solidão com as palavras. Esse lugar onde tenho domínio absoluto de tudo, meu casulo, meu útero, minha cela com porta aberta. Onde me encarcero, me retiro da sociedade para ser eu mesmo mais plenamente. Onde me exerço da forma que melhor me cabe no mundo. Eu não consigo acreditar no resultado do cartão de crédito, acho que o total é superior à soma do que foi gasto. Posso estar enganado, certamente estou. Mas me bate quase uma vontade de somar tudo e ver se bate. A preguiça me impede de tomar essa iniciativa. É tão bom ser submisso à preguiça, é tão fácil e tão cômodo. Não tenho vontade, não faço, tenho vontade, faço. Todos deveriam ter esse direito. Me privo de quase tudo para me entregar à preguiça, tenho poucas vontades, assim posso satisfazê-las. Acho que trago a alma atrofiada hoje em dia, murcha como uma passa, pois não necessito ocupar todo o lugar da uva. A memória engana, a preencho as lacunas com imaginações, ficções que creio serem fatos, por exemplo, o clipe de Hunter de Björk tem o fundo branco, eu creio, mas me veio à cabeça como se tivesse fundo rosa, laca gerânio, tal a capa do CD. Fiz uma fusão de memórias. Quantas mais devo fazer sem me aperceber? É um pensamento que dá medo, mas cada vez confio menos na minha memória, pois cada vez menos a exercito, vivo muito o presente. Estou levemente nauseado. Tenho muita Coca e muito gelo, isso me traz um sentimento de tranquilidade, de que tenho os recursos de que necessito em quantidade adequada.

20h03. A fantástica faxineira ainda está aqui, coitada, é uma guerreira. Tem Deus e isso lhe serve de consolo para seguir com resignação e obstinação adiante. Tem a alma boníssima também. Eu e Blanka não temos, nós conhecemos o lado obscuro de nossos seres, temos contato com ele. E com o lado negro da vida. Talvez até sejamos atraídos por ele e isso faz de nós pessoas corrompidas. Mas nisso também sou otimista, já fui pior do que sou hoje, há redenção, não completa, mas alguma parcela dela. Fiquei feliz de que só poderemos nos encontrar após Areias. Talvez esteja mais preparado para uma experiência sensorial com ela, não apenas verbal, oral, mas acrescentando-se o táctil e o visual, a nudez, quiçá a excitação, embora essa não me faça falta, falta dar carinho a um corpo nu e jovem de mulher, especificamente de Blanka.

20h21. Estou vivendo a vida o mais plenamente que posso nesse momento. A existência está me sendo extremamente benfazeja. Só um brilho, o perfeito reluzir, a casa só para mim, o som no volume 20, tudo conspira a favor. Vou fazer uma coisa, vou pedir pra Clementine passar o endereço desse blog para o seu namorado ou namorido.

20h27. Acabei de fazer. A cutucada na existência eu dei. Eu acredito que a raiva deriva de alguma frustração, é causada por esta. O som me parece muito alto, desagradavelmente alto. Volume 16 está bem mais palatável. Por que tive a ideia de repassar para ele o endereço? Porque me deu vontade de cantar Pétala de Djavan no hall enquanto fumava pensando que Clementine ouvia e divagando se algo lhe passava na cabeça a respeito do que cantava. Percebi que, desde que sou de Blanka, que ela esteve no Natal dos Barros, uma geleira se derreteu entre nós. Acho positivo e espero que Blanka dê certo. Por mais que o receio disso, do novo, me atormente. Mas estava em paz e quero continuar assim. Não preciso de perturbações outras, não preciso de perturbação nenhuma. Acho que vou fumar um cigarro. Isso me faria bem e talvez me faça divagar por novas searas. Com Coca geladíssima, claro.

20h49. Me dei ao luxo de fumar dois cigarros seguidos agora. Vou colocar Virus de Björk, versão remix. Alto. Extremamente benéfico. O segundo cigarro que fumei me deu um prazer nesse estado em que eu estou, singular na minha existência. Bom demais. Eu, Mário Gonçalves de Barros, amo fumar. E há momentos de tabagismo que são um deleite inexplicável para mim. Não sei o que se dá, que há de interessante em tragar aquele negócio que me traz tanto agrado. Sei que sou abençoado por isso, mesmo estando me amaldiçoando, ou tornando o meu futuro muito sofrido e talvez bem mais curto do que poderia ser. Não quero a velhice, mas acho que a máquina que me carrega é tão resistente que envelhecerei. Na verdade, a idade já me pesa. Há coisas que não faço mais porque não tenho vigor ou disposição. Uma das coisas que tenho que eliminar desse rol é sexo, penetração. Entrou um The Cure que bateu na trave. É, me peguei cantando e pensando em Clementine, ela sempre vai ter um significado importante para mim. Queria que Blanka, em quem penso com frequência, conquistasse tal importância e que ela fosse mútua, chega de unilateralidades. Estou tão distante disso que nem sei se é possível, às vezes me questiono se estou disposto, mas quando recebo atenção de Blanka isso me faz bem, me faz sentir mais feliz. Me incomodam os erros de português, o não saber usar o infinitivo quando escreve, mas isso é um detalhe pequeno. Acho que minha mãe está passando por um momento negro de sua vida e isso tem afetado o meu padrasto, o relacionamento do casal, lembro-me deles mais em paz e mais felizes. Mamãe disse que com ele conheceu, enfim, a paixão. Às vezes acho que mamãe cancelou o meu cartão para que eu não o levasse quando fosse sair com Blanka. Penso em pedir uma semanada de trezentos reais após a reforma do meu quarto e que voltemos a investir parte do dinheiro. Será que meus irmãos vão querer vender as Ubaias? Será que me ajudarão financeiramente a mantê-la? A me manter? Se recebesse a pensão integral de papai talvez conseguisse. Talvez meu irmão viesse morar aqui comigo. Sei lá. O mundo ainda tem que dar muitas voltas e em algumas ele se comporta de forma muito estranha, bizarra, completamente inesperada. Meu pai morto no chão do banheiro, bizarro, para dizer o mínimo. Totalmente inesperado. A gente se conforma com a morte. Eu me conformei com a morte do meu pai. Eu aceitei. Aí, vem um movimento da alma querendo me impor uma carga que não mereço. Foda-se para lá. Não é algo verdadeiro. Preciso de um cigarro. Merecido. Mudar de ares, esses são muito carregados. E fumarei na escada, estou com vontade. Até porque meu padrasto – e mais ele que a minha mãe – pode estar chegando, não quero desagradá-lo.

21h24. If chance-destiny sticks to my brother’s plan, we will throw the ashes of our father in the shores of Macau. This will have different meanings to the two of us and I think we deserve to let my sister know. O que significará para mim, que fiz tanta questão disso? Pensei que muito pouco a priori, pois não acredito que esse saco que está no meu armário seja o meu pai, porém pensei melhor e adiante e cheguei à conclusão que significa a realização de um último grande desejo dele, uma homenagem à sua memória, que é tudo o que me resta dele, a memória cada vez mais rota e algumas fotos. E tudo o que pôs dentro de mim, o que fez por mim para que me tornasse o que me tornei, sua contribuição na receita que eu sou. Até para que chegasse ao meu estado atual de coisas. Ele garantiu com sua morte a minha liberdade para escrever, fazer o que eu quero da vida, com a ajuda da minha mãe de do marido da minha prima. E do pesadelo pelo qual passei.

21h33. Clementine ainda não viu as mensagens que mandei para ela. Gostaria que o fizesse. Sou muito imediatista. Mas estou em paz e continuarei assim, apesar de levantar assuntos mórbidos e melancólicos. Fazem parte da vida. Música muito doida de Björk, do Utopia, instrumental.     

21h42. Meu amigo da piscina me pediu cigarro.

21h56. Voltei com uma nova verdade dele: a cor rosa pacifica as pessoas, as deixam mais calmas. Não sei se procede, mas minha cor predileta é laca gerânio, um tom de rosa mais escuro, intenso e mais avermelhado, é a melhor forma que tenho para descrevê-lo, se aproxima do magenta, mas acho que tem um tantinho de amarelo e ciano. Pensei em pintar uma das paredes do meu quarto da minha cor predileta, mas pode ser opressivo, não sei qual o tom do rosa que ele mencionou. Sei que as bonecas têm que ficar em fundo neutro, talvez branco mesmo. Porra, o cibículo onde o Batman branco vai ficar, a “batmacumba” que quero fazer poderia ter as faces laca gerânio, destacaria muito a imagem e a caveira no prato branco. Quando meu quarto estiver todo pronto e todas as bonecas chegarem eu vou me inscrever para colecionador da semana, ou mês, sei lá, do site da Sideshow. Não acho impossível ser selecionado. Me traria muito orgulho, como me trará muito orgulho repartir as fotos da minha coleção com a comunidade de colecionadores do Facebook. Será o meu “cheguei lá”, só não sei se continuarei adiante, pois nem sei se tem espaço para todos os bonecos no meu quarto. Tomara que sim. A foto da “batmacumba” sairá bastante interessante. Nossa, como quero a Die-Cut, depois do Hulk a minha mais querida. Mas não quero falar nisso. Vou fumar um cigarro. Ver se outros pensamentos aventam. Mas o “altar” do Batman laca gerânio fica massa. Adorei essa ideia.

22h18. Pensei em por que eu escrevo acaso-destino e cheguei à conclusão que é porque são duas palavras, dois paradigmas antagônicos, que descrevem o mesmo fenômeno, como duas faces de uma moeda, não saberia que lado escolher, ser humano que sou e capaz de perceber e criar padrões, nem sempre condizentes com a realidade, eu percebo a causalidade, sei que o decaimento da energia o permite, mas não sei para além disso, não sei se tudo é possível ou inevitável.

 “22:24 - Já vi que o seu acho = não vou fazer. 😛

22h26. Mandei para Blanka. Sua ausência me decepciona, demonstra o exato tamanho que tenho em sua vida. A minha falta de importância, a sua falta de interesse. Mas não desisto. Vou até o fim. Fazendo o meu melhor que pode muito bem não ser o suficiente.

“[22:29, 12/27/2018] Mário Barros: Bom, eu tentei.”

22h31. Mandei para Clementine que ainda não visualizou as mensagens que enviei. Gostaria muito de saber a opinião do namorado dela. Esses últimos posts me deixaram satisfeitos. Também pouco exijo senão o prazer de escrevê-los. Sou muito imediatista, cacete. Acabou-se a terceira página.

22h38. Clementine respondeu e repassará ao namorado.   

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