quinta-feira, 6 de setembro de 2018

TINDER




20h45. À espera de uma foto chegar para colocar num post do maravilhoso mundo dos bonecos e então me conectar ao meu Facebook brasileiro para divulgar a nova postagem do Profeta.

21h36. Mandei duas mensagens para a garota do Tinder. Tem 23 anos, não é feia e tem um belo nome, o que me agrada. O corpo também me agrada. Pelo pouco que se revela dele. Enfim, me gerou atração. Vamos ver se alguma conversa se desenrola. Estou com preguiça de existir hoje, espero que isso mude mais tarde. Mas não posso ficar dependendo de subterfúgios para tornar a existência mais interessante. Ou transformá-la de suportável em agradável. Ela tem que me ser agradável em sua maior parcela. Isso significa que estou vivendo de forma errada. Agora, há uma variável nova na minha vida. A garota do Tinder. Caso venhamos a ter uma conversa mesmo. Ela pode ter clicado no meu perfil por engano. Hahaha. Não me lembro de tê-la curtido, essa para mim é a parte mais curiosa. Ela teria que ter desperdiçado um precioso superlike em mim. Sei lá. Vai ver que a curti e não lembro.

22h36. Não sei como uma hora se passou. Isso é bom. Uma hora a menos disso que chamo de vida. Eu tenho a convicção que se não fossem os remédios eu estaria em depressão. Santos remédios. Queria magicamente pular mais uma hora. O que posso fazer? Não quero fazer nada. Queria que a garota do Tinder me respondesse. Isso seria deveras interessante.

23h00. Cruzei com minha tia-vizinha e ela me contou da viagem a São Paulo, estava acabando de chegar. Boas novidades todas. Disse que somos e seremos sempre provincianos comparados a São Paulo. Deve estar certa. Mas desse tamanho para mim está bom. Não dependo de muito. E tudo o que necessito chega aqui. A menina do Tinder respondeu. Disse que me curtiu porque achou o meu sorriso sincero. Vamos ver no que isso vai dar. Perguntei se ela havia lido o meu perfil, para saber a diferença de idade entre nós. E que tenho bucho.

23h30. Acho que vou fumar mais um cigarro. E analisar a situação dos demais habitantes. Quero muito ter a noite só para mim hoje. Não acho que o negócio do Tinder vá vingar. Seria ótimo que estivesse enganado. Eu acho, embora seja uma coisa meio assustadora. A casa em breve será minha. Meu irmão mandou as fotos do Iron Man. Já as coloquei no eBay e comuniquei aos possíveis compradores.

0h13. A noite é minha e está agradável, gostosa de ser vivida e apreciável, ela bem que poderia ser assim por mais tempo. Poison Ivy, uma barata voadora inexistente. Essa barata me levou longe. Pensei que a minha existência seria muito mais agradável, tranquila, legal, se baratas voadores não existissem. Daí pensei como seria insensível da minha parte roubar da existência um ser que consegue sobreviver a uma hecatombe nuclear, que segundo o conhecimento popular é imune à radiação que erradicaria praticamente a vida como um todo desse planeta, ela subsistiria e em sobrevivendo ela e outros poucos seres vivos restantes conseguiriam formar um novo ecossistema, uma outra cadeia alimentar para que algum provável ser mais evoluído intelectualmente surgisse que a predasse. Será que algumas ilhas esquecidas, com seus ecossistemas próprios, sobreviveriam, escapariam ao ataque irracional e suicida de humanidade, da sua sede de poder que o levaria a quase matar a Natureza (embora acredite que ela seja maior que todo o poder de destruição humano), se a radiação não alcançar algumas áreas da Terra onde há vida, onde exista uma fauna e uma flora desenvolvidas e ricas, um ecossistema evoluído, com vários degraus da cadeia alimentar será que emergiria daí, em anos de evolução, os mesmos anos que levaria talvez para a Terra ser habitável uma vez mais, outro ser tão ou mais inteligente que o homem? Seria a inteligência a virtude ou atributo mais importante a ser desenvolvido para que um ser domine e subjugue os demais? Ou haveria outro? Acho difícil, acho que a inteligência leva à tecnologia que evolui mais rápido que a evolução das espécies, permitindo ao ser mais inteligente manipular a natureza a seu favor, criando tecnologia a priori para matar e se proteger. Que são o bem comum. As tecnologias só servem ao bem comum, exceto pelas armas, elas deveriam ser de uso muito restrito, se possível, impossíveis de serem letais para ao homem. Poderiam agredir, se necessário, pois a coerção às vezes é necessária. E cada um poderia escolher uma arte marcial para se especializar e haveria estudiosos pensando em como evoluir tais artes marciais para se tornarem mais eficazes pelo menos as lutas praticadas pelo poder coercivo do estado, se estado se desenvolvesse.

1h04. Eu fui fumar e estou a fim de botar o Álbum Branco dos Beatles e falar sobre baleias e krils (não sei como escreve). Eita, Pagan Poetry. Vou ouvir, merece e eu mereço. Queria que Björk abolisse as máscaras. Se assumisse com a idade que tem. Isso não alienaria o seu público.

1h16. Muita coisa aconteceu desde o parágrafo anterior, eu coloquei o Álbum Branco, recebi outro like do Tinder. A garota para quem dei o superlike hoje. Muito legal isso acontecer.

1h41. Estou conversando com essa segunda que deu like no Tinder.

1h57. Falei um monte de coisa lá ela não respondeu, voltei para cá. E coloquei Björk porque o Supercombo do qual ela gosta não estava me agradando muito. O Utopia me é familiar e gostoso de ouvir do início ao fim.  Estou pensando na figura do Tinder. Que pena que ela não respondeu.

2h28. Acho que destruí o papo. Não sei. Qualquer coisa ela pode dar o unmatch em mim ou até me bloquear. Vamos ver no que dá. Sugeri que migrássemos para o Facebook para que eu pudesse utilizar o teclado do notebook e conhecer um pouco mais sobre ela. Mas está tarde, acho que ela deve ter ido dormir, sei lá. O acaso/destino decidirá. Fiz a minha parte e diria que fui além. Demais. Descobriremos. Ela é linda e gosta de malhar, embora não tenha um corpo voluptuoso, mas um corpo que muito me agrada. Ah, se ela pintasse para mim, seria magnífico. Não acredito que seja capaz disso. Ela já fez intercâmbio, o que significa uma educação legal, eu assumo. Mas não conseguirei. Bom, enquanto ela não me tirar, há esperança. Mudaria completamente a rota dos meus planos.

2h43. Descobri que era um fake user pelas fotos e havia uma mensagem estranha dizendo que o verdadeiro nome era vitóriaAndré. Ouxe, que ozzy.

3h04. Fui fumar um cigarro, mas antes deixei uma mensagem para a que julgo que seja real.

3h06. Estou sem sono nenhum. Estou achando ótimo estar aqui a escrever. Quando acordar, vou fazer um café para mim. Vai ser bom. Gosto do meu estado de espírito atual. A minha única neura é mamãe vir me pastorar. E esquecer de pedir a carteira de amanhã a ela. Ju quer me libertar das correntes em que me aprisiono. Quer que eu me veja de outra perspectiva, mas não consigo sequer imaginar outra perspectiva. Outra pessoa que eu namoraria tranquilamente é com a moça dos Correios. Qualquer dia que me bater no tino, vou levar uma rosa e o meu endereço de Facebook e WhatsApp para ela. Dizendo que prefiro o Facebook, pois, como disse ao fake, somos desconhecidos e não troco telefone com desconhecidos. Acho que fico por aqui. Vou dormir. Amanhã acabo.

-x-x-x-x-

15h24. A pior parte do despertar já passou. Acordei por volta das 14h. Nenhuma comunicação da garota do Tinder. Não sei se virá. Dei o like para uma prostituta. Estou curioso no que vai dar. Não tem nem foto. E ainda é casada. Não sei por que fiz isso.

16h47. Fui preparar o café e falei com o meu amigo cineasta. Reparti com ele o vídeo de divulgação do Jornal do Profeta. Minha mãe me ligou e trará novo lanche do McDonald’s para mim hoje. Estou curioso no que conversaria com uma mulher teoricamente de 20 anos que é casada e se prostitui. Por que cliquei nela? Por causa do nome. Os nomes podem ser atrativos ou repelentes para o meu interesse por uma garota. Aposto que seu nome verdadeiro não seja o que colocou no Tinder. Ela parece ser profissional demais para isso. E não escreve um mau português, isso também me interessou. Teria mil coisas a perguntar a ela.

16h53. Sem ímpeto para coisa outra que não escrever. O café me desce bem e me anima. Estou ouvindo o playlist do meu amigo cineasta.

17h06. Fumei um cigarro e pus mais café. Nara Leão passa no som, fazia muito tempo que não ouvia. Ela tinha um charme que me encantava.

17h11. Ouvindo uma música bem antiga Camisa Amarela, que em tempos feministas como os de hoje seria vista com preconceito pelas moças mais bem esclarecidas e engajadas.

17h56. Surpreendente, a garota do Tinder me mandou o seu WhatsApp. Adicionei e mandei duas mensagens para ela. Esperar resposta. Se esta vier. Mas já me sinto mais animado. Não posso me depreciar para ela. Esse jogo não funciona. Mas seguirei no meu ritmo. Não quero me violentar com isso, mas também não posso ser tímido demais. Se chegar ao ponto de ser presencial, como lidarei com isso? Estou com calor. Minha mãe me vê abatido. É essa falta de interesse por tudo. Espero que a garota do Tinder traga uma luz para a minha vida. Será uma experiência curiosa.

18h26. Não sei se quero alguém outra que a minha paixão platônica. Mas não posso viver de irrealidades. Vamos ver se algum papo se desenrola. É a vez de ela responder. Ouvindo Desafinado com João Gilberto e talvez Stan Getz.

18h35. Parei de ouvir a lista do meu amigo cineasta, pois começou a se repetir. Vou ver se minha mãe achou a chave do carro.

18h48. Fumei outro cigarro. O mal-estar que comer uma batatinha do McDonald’s me causou está finalmente cedendo. Só tenho uma Coca de dois litros para o resto da noite, isso é mau. Pois quero a minha noite longa como ontem. Eu não sei definir como me sinto, talvez acelerado e moderadamente angustiado como um sufocamento da alma. Estou na expectativa sobre o contato da garota do Tinder, mas menos do que poderia supor. Na verdade, nesse momento não queria conversar com ninguém. Não queria fazer nada. Mas a despeito das vontades da alma o corpo segue existindo e eu sigo com ele. Acabou-se a página três.

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