segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

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Controle. Será que tenho, será que não? Estou em profunda dúvida agora. Deve ser a fissura. A fissura já me levou aos recônditos mais inóspitos da minha alma. E me chama de novo. Sua voz é potente e doce ao mesmo tempo, persuasiva, manipuladora. Me leva a arquitetar planos, estratégias amorais e imorais para obter, como o vendedor chamou, “o mel”. Controle. Será que ele vai me escapar? Se me escapar, as consequências serão as piores possíveis. Meses de Villa Sant’Anna. Ah, dolorosa fissura, deliciosa fissura, por que faz isso comigo? Por que não a controlo? “Porque você não tem força de vontade”, como disse minha mãe, falando apenas dos cigarros. Sinto que vou recair. Já me considero recaído. Faltam os meios, mas os meios sempre são contornáveis, solucionáveis quando a vontade, que me falta para as demais coisas, se afigura para esta. Gostaria de usar e ninguém – mamãe – perceber. Falaria no CAPS da recaída, claro. Mas não me é tão claro se isso me levaria ou não para a Villa Sant’Anna. Queria eu ser mesmo profeta e poder antever todos esses fatores. Não sei se conseguiria ocultar da minha mãe o uso, mesmo que usasse a noite, quando estivesse dormindo, há o cheiro, há o número de horas que provavelmente é maior que o número de horas de sono dela. Como disse, a fissura começa a colocar minha mente para trabalhar em prol do mel. Como me sinto mal escrevendo abertamente sobre isso. É como apunhalar minha mãe pelas costas. E, caso essa punhalada seja/fosse (se existisse) descoberta, ela não teria dúvidas em me trancar. Isso é síndrome de abstinência. Controle. Exercer o controle livre, por mim mesmo, não por causa das grades, como disse no outro post. Mas o monstro está acordado, com narinas abertas e fumegantes, faminto. Como faria para não ser pego? Jogando uma parte da lata fora para diminuir o tempo da viagem? Cobrir minha cara com o lençol para que quando ela venha me acordar não sinta o cheiro? E no carro, quando ela fosse me deixar no CAPS, como esconderia o hálito, fechado no ar condicionado? Cola é muito difícil de esconder. Monstro maldito, volta para tua caverna escura! Estou completamente dividido. Pensando no agora, só me vem o mel. Pensando nas consequências, só me vem terror e dor. Já dói agora, enquanto digito. Não sei se vou resistir, não sei mesmo. Fraco, fraco. Tudo o que eu queria era o impossível: uma latinha de cola e consequência nenhuma para arcar. Como conseguir isso é o grande “x” da questão. Se eu soubesse que horas mamãe acorda, mas acho que é por volta das 4h30 da manhã. Muito cedo. Não daria tempo. Mesmo se eu começasse a cheirar pontualmente às 21h, eu teria 7 horas, no máximo. E eu perco o controle das horas e de tudo enquanto estou cheirando, se a lata não acabasse antes e eu não estivesse em minha cama, com a cara coberta com o lençol eu seria pego. Pego e levado para a Villa Sant’Anna. Duvido que ela me levasse primeiro ao CAPS. Duvido que isso fizesse alguma diferença também, eu acabaria trancafiado de qualquer forma. A coisa é bem clara para mim: cheirar e ser trancado. Não cheirar e continuar levando a vida que levo. O que há de errado com a vida que levo que me leva a querer cheirar? O vício apenas? A abstinência? Nossa, como tudo isso podia ser mais simples, eu poderia nunca ter me encantado pela cola, em primeiro lugar. 
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Passei pela sala e vi minha mãe com seu lindo sorriso ao ver um vídeo de seu netinho mais velho. Isso me partiu o coração pelos pensamentos sujos que agora me passam pela cabeça e aos quais ela está completamente alheia. Talvez o dia perfeito para cheirar seja a sexta-feira, pois há grande possibilidade dela e meu padrasto irem ao cinema à noite. Se meu padrasto souber que eu recaí, vai dizer “tranca”. Se eu recair. Tomara que não. Tomara que sim. O desejo é muito intenso agora. A fissura é incomensurável. Por mim, faria amanhã. Não sei se me aguento até sexta. O monstro está muito faminto. Quero a liberdade de andar por aí, cheirar cola por aí, me esquecendo de tudo, da minha vida, da minha mãe, de cigarros restritos, de tudo. Sendo o mais livre que posso ser. E a dor de estar pensando em fazer algo que para os outros – minha mãe – é errado me corrói. Controle, controle, controle! Foi isso que propus a ela, assumir o controle livre. Será que sou incapaz disso em plena crise de abstinência, se é que é isso por que passo. Será que se, ao sair co CAPS, arrumar um jeito de comprar a cola, ligar para mamãe e dizer que cheguei e que vou malhar mais tarde e ficar cheirando no banheiro com o chuveiro ligado e quando ela chegasse e batesse à porta, eu dissesse que estava no banho por ter voltado da malhação, mas que já estava quase saindo, fecharia a lata de cola, esconderia no banheiro e escovava e botava um Halls na boca para ela não perceber? Será que isso funcionaria? E se meu padrasto chegasse antes e estranhasse as várias horas no banheiro? É muito difícil esconder o uso de cola. Não é como um baseado ou uma cocaína, simples e rápido. Meu Deus, não sei o que fazer. Só sei que quero usar e provavelmente vou. E vou me ferrar por causa disso, desse prazer efêmero pagarei por meses. Maldita abstinência, maldito monstro da fissura. O pior é que ele não quer esperar por oportunidades, ele quer agora, antes, já. Onde cheiraria, se não for aqui no prédio, aqui em casa? Isso é outro ponto. Já queimei o Sítio da Trindade. Só se cheirar andando. Falar disso está me fazendo muito mal. Me sinto corrompido. Me sinto muito sujo. Tudo que queria, repito, é poder cheirar uma colinha e não sofrer nenhuma represália. Se fosse dono da minha vida poderia fazer isso. Mas nunca mais serei dono da minha vida. Sujo, sujo, podre. Corrompido por uma força maior que a minha. Que se parece com a minha vontade, mas é um fissura disfarçada de vontade apenas. Estou me sentindo muito mal, não sei por que continuo a escrever isso. Seria um pedido de ajuda? Mas não publicarei até estar tudo certo e o uso ser inevitável. Então não é um pedido de ajuda, só se for um pedido de ajuda mudo. Inútil. Porque, provavelmente, em verdade, eu não queira ser ajudado. Eu queira a cola mais do que tudo. Monstro maldito. E esse monstro sou eu. É uma parte odiosa e fétida de mim. Causar dor nos outros por causa de um prazer egoísta e incontrolável? Minha mãe vai ficar tão transtornada que vai me bater, chorar, gritar, jorrar a dor e a decepção de todas as formas que conseguir. E isso me fará me sentir ainda menor e mais sujo, mais podre, mais incapaz, mais inútil, mais fraco, o pior que posso me sentir. Em troca de um prazer efêmero? De liberdade? Receber toda essa dor como paga? Isso é justo comigo e com eles? Certamente que não. Não há questionamento em relação a isso. Porra de vida. Porra de cola. Por que você é tão divina para mim? Por que te amo tanto a ponto de pagar todo esse preço? Por que sou um viciado. Isso é justificativa suficiente? Existirá algo mais? Essa história de curatelagem, de nunca ser completamente livre nunca mais na minha vida seria uma das razões? Pensar nisso me deu um certo alívio, como se diminuísse a minha culpa, como se houvesse uma justificativa para o injustificável. Deixem-me ser livre mais uma vez! Isso é truque do monstro da abstinência. Ele é cheio de artimanhas, as mais baixas possíveis. E eu me rebaixo com ele, lambo o chão sujo, me esfrego nele, se isso me leva ao “mel”. Tá doendo e não é pouco. Poderia dizer que estou profundamente deprimido por ter esses pensamentos. Eles me maltratam, é um masoquismo, como que para expurgar parte da culpa do crime que estou preste a cometer. Preciso de outro cigarro. Desesperadamente de outro cigarro. E mamãe está se aprontando. Merda! Vai visitar meu avô, que me ama muito e seria meu dever como neto acompanhá-la, mas não quero, nem posso agora, nesse astral em que estou. E mesmo em astral melhor, dificilmente iria. Dor. Bater no quarto de mamãe em busca de mais um cigarro.
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22h42. Fui com mamãe à casa de vovô. Não foi tão mal assim. Depois passamos pelo Rio Mar onde jantamos e vovó me deu Pitanga de Mallu Magalhães, nem tive coragem, nem tenho coragem de abrir pela culpa que trago dentro de mim. Não mereço este ou qualquer outro presente. Meu irmão mandou fotos do seu robô por e-mail, está muito bonitinho, parece um daqueles carrinhos de controle remoto. Ele lá cheio de aperreios, mas de alto astral e eu aqui sofrendo porque já considero a merda feita. Fraco de merda. Se bem que agora, depois dos numerosos remédios noturnos, a fissura tenha arrefecido um pouco. Bastante até. Vovô deposita tantas esperanças em mim e em minha prima caçula. Isso dói. Tá tudo doendo aqui por dentro. A culpa é voraz. Não quero mais escrever, não tenho nada a acrescentar, só desculpa, mamãe, seu filho foi um bosta de novo.

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